Rishi Sunak durante seu primeiro discurso como primeiro-ministro . 25 de Outubro de 2022

 

Um dos obstáculos à compreensão da destruição realizada, e aparentemente deliberada, das pequenas e médias empresas que no Reino Unido diminuíram em número de meio milhão desde 2020, e a eliminação da soberania nacional para alegadamente salvar os britânicos de, em sucessão, uma crise de saúde, uma crise ambiental, uma crise energética ou uma crise do custo de vida, é o de que ninguém, em princípio, poderia beneficiar com isso. Não num mundo são, liderado por elites responsáveis que guardem o bem comum como um valor prioritário.

Mas se quisermos saber as razões deste empobrecimento material e imaterial do povo britânico em particular e dos povos ocidentais em geral é precisamente na identificação de quem com isso beneficiou que devemos investir. E há uma boa analogia a que podemos recorrer para compreender todo o processo: o que aconteceu à Rússia durante os anos 90.

Quando Mikhail Gorbachev se tornou Secretário-Geral do Partido Comunista da União Soviética, em Março de 1985, iniciou imediatamente o seu programa de perestroika (“reestruturação”) da política económica e dos fundamentos ideológicos da URSS. Cinco anos mais tarde, em Setembro de 1990, no âmbito da reforma política denominada glasnost (“abertura”), o Parlamento Soviético concedeu a Gorbachev poderes de privatização de emergência. Isto incluiu a autoridade para transformar empresas estatais em sociedades anónimas com acções oferecidas nas bolsas de valores. Após a demissão de Gorbachev e a dissolução formal da URSS em Dezembro de 1991, o primeiro Presidente russo, Boris Ieltsin, iniciou um programa de privatização que procurou comprimir em dois ou três anos muitas décadas de neoliberalismo ocidental, num país cuja população não tinha qualquer experiência ou referência cultural de como funciona o capitalismo financeiro.

Dois anos mais tarde, mais de 85% das pequenas empresas e mais de 82.000 empresas estatais russas, cerca de um terço do total existente, tinham sido privatizadas.

Uma das primeiras iniciativas foi a privatização através de vales, distribuídos por 98% da população russa, que podiam ser convertidos em acções relativas a mais de 100.000 empresas estatais, oferecendo em princípio a cada cidadão uma parte da riqueza nacional. Contudo, o trabalhador russo, empobrecido ou desempregado devido ao rápido desmantelamento da economia soviética, tinha pouca compreensão do capitalismo accionista, e estes títulos foram quase inteiramente comprados muito abaixo do seu real valor por burocratas russos, que tinham uma ideia mais clara do estado da economia, directores de empresas estatais, que tinham uma melhor compreensão do valor dos recursos, e a máfia, que após anos de comércio de mercadorias ocidentais no mercado negro soviético tinha uma ideia mais clara do valor futuro das acções.

No final de Junho de 1994, a propriedade de 70% das grandes e médias empresas russas e cerca de 90& das suas pequenas empresas tinha sido transferida para mãos privadas.

Em 1995, com o Governo a enfrentar um défice fiscal e em troca do financiamento da sua campanha de reeleição, Ieltsin iniciou o esquema de Empréstimos para Acções, através do qual os activos industriais estatais em petróleo, gás, carvão, ferro e aço eram adquiridos em leilão através de empréstimos feitos pela banca. Mas os leilões foram manipulados por infiltrados políticos e os activos do Estado foram efectivamente vendidos por uma fracção do seu valor. A Yukos Oil, por exemplo, que valia cerca de 5 mil milhões de dólares, foi vendida por 310 milhões de dólares; a Sibneft, o terceiro maior produtor de petróleo na Rússia, que valia  3 mil milhões de dólares, foi vendida por 100 milhões de dólares; e a Norilsk Nickel, que produzia um quarto do níquel mundial, foi vendida por 170 milhões de dólares, metade do seu valor real.

Este esquema criou uma nova classe de oligarcas, industriais e banqueiros que agora controlavam não só a economia russa mas também o seu governo. Conscientes, porém, de que os futuros governos poderiam contrariar os seus interesses e destitui-los da propriedade que de forma fraudulenta tinham adquirido, os oligarcas, em vez de investirem nas indústrias de que se tinham apropriado, começaram imediatamente a alienar os seus activos de forma a aumentar os capitais próprios. A vasta riqueza que acumularam ao fazê-lo foi investida no estrangeiro, em grande parte em bancos suíços, mas também em propriedades britânicas através do maior serviço de lavagem de dinheiro do mundo, a City de Londres, por onde mais de 100 mil milhões de libras esterlinas de “dinheiro sujo” continuam a passar todos os anos, a maior parte do qual proveniente da Rússia e da Ucrânia.

Esta fuga de capital do país deixou o Governo incapaz de cobrar impostos, levando-o ao incumprimento do serviço da dívida e, por fim, à crise financeira russa de 1998. Quando investidores estrangeiros começaram a abandonar do mercado, vendendo moeda e activos russos, o Banco Central da Rússia, que tinha sido fundado em Julho de 1990, teve que gastar aproximadamente 27 mil milhões de dólares das suas reservas para salvar o rublo. Isto levou ao mais cataclísmico colapso económico em tempo de paz de um país industrial na história. Em 1999, o produto interno bruto da Rússia tinha caído mais de 40 por cento, e o aumento dos preços de retalho, na ordem dos 2500% em 1992, tinha eliminado as poupanças pessoais que o povo russo tinha acumulado. Um declínio no consumo de carne e de bens essenciais foi espelhado por um enorme aumento na criminalidade, corrupção e mortalidade, tendo esta última atingido o nível mais alto da história de um país industrial em tempo de paz. O desemprego, que era desconhecido na era soviética, atingiu os 13%. A inflação atingiu um pico de 85,7%. A dívida pública atingiu 135% do PIB, e a Rússia, consequentemente, tornou-se o maior devedor do Fundo Monetário Internacional, com empréstimos que totalizaram 20 mil milhões de dólares nos anos 90. No entanto, um quarto desta soma, cerca de 4,8 mil milhões de dólares, foi roubado aquando da sua chegada à Rússia, desaparecendo para contas offshore.

As reformas de Ieltsin basearam-se no Consenso de Washington, dez princípios de neoliberalização económica implementados inicialmente no Chile de Augusto Pinochet e pela Junta argentina nos anos 70, e impostos pelo Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e o Tesouro dos EUA como condição para a concessão de empréstimos. Estes incluíam o redireccionamento da despesa pública para o investimento em serviços pró-crescimento como a educação e os cuidados de saúde; a eliminação de restrições às importações e ao investimento estrangeiro; a abolição de regulamentos sobre segurança, saúde e poluição, que obstruiam os mercados, e acima de tudo a privatização de indústrias estatais.

Como resultado destas reformas, em Outubro de 1998, o Governo da Rússia, apesar de ser o maior exportador de reservas de gás natural e petróleo do mundo, teve de apelar à ajuda humanitária internacional. Pouco tempo depois da União Soviética ter sido uma das duas superpotências mundiais, tinha recuado à condição de país de terceiro mundo, constituindo uma lição eloquente sobre como a riqueza e os bens nacionais de um país podem ser delapidados num ápice, quando é exposto à actividade predatória do capitalismo financeiro.

Embora tenha “recuperado” ao ponto de hoje – particularmente após o aumento dos preços da energia em consequência das sanções – a Rússia estar entre as dez maiores economias do mundo em termos de PIB nominal (per capita cai para 53º), há uma década o fosso entre ricos e pobres na Rússia era o maior de todos os países do mundo, com 35% da riqueza de um país de 144 milhões de pessoas nas mãos de apenas 110 bilionários, que armazenam essa riqueza em jurisdições financeiras offshore. Em 2021, os 500 russos mais ricos, cada um com um património líquido de mais de 100 milhões de libras e representando apenas 0,001% da população total, controlavam ainda 40% de toda a riqueza doméstica do país. É isto que o capitalismo financeiro faz a uma nação e a um povo sem os meios políticos e institucionais para se proteger.

A Rússia pós-soviética não é um espelho do Reino Unido em 2023, claro. As diferenças entre as circunstâncias históricas e as economias dos dois países são demasiado grandes. O que aqui se argumenta é que a destruição controlada da economia russa após a dissolução da União Soviética é uma imagem de para onde se dirigem os britânicos e encerra a razão porque estão a ser levados a tal fim. Os oligarcas russos e ucranianos não estavam apenas motivados pela riqueza que podiam retirar dos seus países e para regiões fiscais offshore geridas por consultores financeiros na City de Londres; estavam, e estão, interessados no poder político que a riqueza lhes oferece. E tal como escolheram Vladimir Putin para ser o sucessor do errático Boris Yeltsin, também os oligarcas ingleses escolheram Rishi Sunak como sucessor do caótico Boris Johnson.

No entanto, enquanto Putin, um nacionalista cerebral, conseguiu refrear algum do poder dos oligarcas russos e ucranianos sobre a economia e a política do seu país, aumentou o PIB, reduziu a inflação, reduziu a dívida nacional, aumentou as reservas cambiais, os rendimentos, as pensões e o valor do rublo, não podemos esperar tais milagres de Sunak, que não foi eleito por ninguém para além dos oligarcas da City londrina.

O Reino Unido não vive sob um regime democrático desde pelo menos Março de 2020, quando o país foi colocado num estado de emergência e milhares de regulamentos que privaram os cidadãos dos seus direitos e liberdades mais elementares foram despachados por decreto ministerial sem supervisão ou aprovação dos representantes eleitos no Parlamento; e mesmo que o fossem, ia dar no mesmo porque esses representantes não representam os seus eleitores, mas os interesses elitistas-globalistas que se jogam nos clubes da alta sociedade britânica.

Na sequência dessas restrições terem sido em grande parte levantadas em Março de 2022 – embora ainda impostas por empresas privadas e públicas, incluindo companhias aéreas e o Serviço Nacional de Saúde, como condição de acesso, serviço ou emprego – a decisão unilateral da Sunak de impor os programas e tecnologias da bio-segurança e da Agenda 2030 no Reino Unido, fora de qualquer processo democrático, é a admissão descarada de que os britânicos são agora governados por tecnocracias internacionais de ambição global, geridas por bilionários alienados, directores executivos de multinacionais corporativas, banqueiros, gestores de fundos e burocratas de topo. E embora a imprensa os categorize como “filantropos”, “empresários” e “investidores globais”, as acções destes oligarcas não eleitos são tão criminosas como as dos seus congéneres russos e ucranianos na década de 1990, embora estejam a actuar num palco muito maior e com consequências muito mais prejudiciais para a civilização.

Actualmente, em todas as democracias neoliberais do Ocidente, os governos nacionais, que dependem destas novas máquinas de governação global, formadas com base na justificação de enfrentar múltiplas “crises” fabricadas pelas estruturas burocráticas e mediáticas, estão a implementar programas equivalentes de gestão do colapso económico concebidos pelas mesmas instituições internacionais de gestão macroeconómica global.

Em vez de Perestroika, Glasnost, Vales de Privatização e Empréstimos para Acções, estes programas de “reforma” económica e política são denominados Agenda 2030, Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, Rendimento Básico Universal e Moeda Digital do Banco Central. E embora estes programas estejam a ser implementados não sobre o colapso de uma economia de comando centralizado como a da União Soviética, mas em economias neoliberais que enfrentam a segunda Crise Financeira Global em doze anos, o objectivo é o mesmo: empobrecimento das populações nacionais, falência de pequenas e médias empresas independentes, expropriação de terras e recursos nacionais, constituição de governos fantoches para apresentar uma fachada de democracia, e livre curso da ganância nos poderes económicos e políticos por parte da classe dirigente.

A eliminação dos direitos, a diminuição do nível de vida, a redução do consumo alimentar e energético, a inflação em espiral e as sanções económicas e respectivos programas que as aplicam, são todos concebidos para transferir os bens nacionais e pessoais para as mãos desta elite global. Tal como aconteceu na Rússia nos anos 90, o Banco de Inglaterra aumentou o seu programa de flexibilização quantitativa para salvar a economia britânica, gastando recentemente 19,3 mil milhões de libras na compra de títulos do Estado para apoiar a libra falida, com o compromisso de gastar mais 65 mil milhões, se necessário. O número de insolvências de empresas em 2022, o mais elevado dos últimos 13 anos, é demonstrativo de que as pequenas empresas foram levadas à bancarrota por dois anos de confinamentos impostos pelo governo, pela tributação alucinante e pelo aumento surrealista dos preços da energia. As que sobreviveram têm agora que lutar por quotas de mercado que foram em grande parte devoradas por monopólios corportativos, os grandes beneficiados por toda a conjuntura económica e política dos últimos anos.

A inflação prevista pelo Banco de Inglaterra para o início de 2023 foi de 13%, com algumas estimativas a projectarem um máximo de 18%. E os deveres e autoridade do Estado britânico continuam a ser concessionados pelo Governo a empresas internacionais, que estão a ser habilitadas por nova legislação a definir os limites dos direitos e liberdades dos cidadãos britânicos anteriormente inalienáveis. O Primeiro-Ministro Rishi Sunak foi eleito não pelo povo britânico, não pelas bases do seu próprio partido e nem mesmo pela bancada parlamentar tory, mas pelos financiadores e tecnocratas internacionais que, tal como fizeram e fazem na Rússia e na Ucrânia, ditam agora as decisões políticas e económicas do Reino Unido.

As sanções impostas à Rússia e o imenso investimento financeiro e militar na Ucrânia realizados desde Março de 2022 por este governo globalista são instrumentais para a guerra financeira que as elites ocidentais estão a travar contra os oligarcas russos; mas ao contrário da retórica dos políticos europeus e americanos, estas medidas não servem para defender os direitos humanos dos ucranianos e de um governo fantoche instalado por um golpe de estado provocado e apoiado pela CIA em 2014, mas sim para substituir e ultrapassar essa oligarquia em riqueza, influência política e, sobretudo, controlo sobre os imensos recursos naturais da Rússia e da Ucrânia.

O recente anúncio do Presidente Volodymyr Zelensky de que, após os 100 mil milhões de euros de ajuda militar, financeira e humanitária que o Ocidente entregou ao seu Governo em 2022, serão os gestores de fundos dos EUA como a BlackRock, a JP Morgan e a Goldman Sachs a “coordenar” o investimento na Ucrânia e nos seus vastos recursos naturais – não apenas em cereais, petróleo e gás, mas também nos minerais e no lítio, que é o componente principal das baterias eléctricas – é demonstrativo do interesse do Ocidente nesta crise geopolítica, militar e energética, que foi completamente fabricada. Em preparação para a neoliberalização da Ucrânia, Zelenskyy já proibiu partidos políticos da oposição, sindicatos de trabalhadores, cultos religiosos e meios de comunicação independentes; aprovou leis para privatizar empresas, bancos e activos estatais; prometeu desregulamentar e reduzir os impostos sobre as empresas, emitiu listas negras sobre jornalistas críticos do seu governo e apelou à NATO para lançar ataques nucleares preventivos contra a Rússia.

Se queremos uma analogia para este golpe globalista – que está a ser implementado com base nas justificações espúrias de proteger a nossa saúde de um novo vírus mortal, defender a Europa do “Mad Vlad” Putin ou salvar o planeta do aquecimento global provocado pelo homem – a desigualdade económica, a corrupção financeira e a privação política do povo russo e, mais perto no tempo, o governo fantoche da Ucrânia e o seu presidente, são excelentes exemplos.

São imagens de alta resolução sobre o nosso futuro.