Chega à cidade no Inverno o circo do Inferno.
Solta-se de rompante um fantasismo aberrante
sobre a mágoa deste falecimento eterno:
é a dor de viver na máscara do ser farsante,
é o horror que nos guarda a vida restante.
Deuses! que ódio visceral ao Carnaval.
Em Veneza, corre a certeza da morte: um corso
há-de para sempre ser feliz como um funeral;
Cavalos dóricos levam palhaços alegóricos no dorso
esqueléctico, como indigentes sem remorso.
As mulatas mostram vivas as carnes lascivas,
nádegas ao léu ao ritmo plebeu do Rio de Janeiro
ou – com arrepios na espinha – as divas,
mãozinhas a acenar, desfilam em Ovar primeiro
um plágio barato do festival brasileiro.
Deuses! que depressão perante o folião
vestido de mulher que com bigode fere tudo.
(Toda a gente lhe acha um piadão
menos eu, que recolho e me encolho mudo
para morrer de vergonha no entrudo).
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