Toda a gente com um centímetro de encéfalo sabe que a imprensa mente. E que o faz descaradamente. Porém, ao jornalismo da ciência é dado algum crédito, ainda. E esse crédito, se calhar, é mais perigoso para a verdade que uma aldrabice qualquer sobre a vida política ou económica ou social das nações. Mentir sobre ciência é chegar ao ponto de não retorno na falsificação da realidade.

E os meios de comunicação social mentem imenso sobre o processo de aquisição de conhecimento, na maior parte das vezes por ignorância de tudo, claro, noutras por agenda editorial. Por exemplo: quantas vezes já foi o gentil leitor informado por um jornal que as imagens espantosas que lá vê de galáxias, supernovas, buracos negros e outros astros megalíticos e lindíssimos do género resultam não de uma obervação directa e lenticular, mas de sensores comandados por algoritmos? E que esses algoritmos são afinados para filtrar apenas os espectros certos que confirmem determinadas teorias? Já alguém lhe disse, na imprensa, cara leitora, que as imagens da astronomia actual são tão subjectivas como a especulação de um académico teórico?

O ContraCultura denunciou num artigo recente a última dessas operações fraudulentas, em que a imagem de um alegado buraco negro no centro da Via láctea é apresentada nos media como uma observação factual e indiscutível, quando o seu método de captura decorre de intensa manipulação matemática e não foi sequer partilhado com a comunidade científica, pelo que não pode ser validado através da sua replicação.

Vende-se ciência nos media como se vende tudo o resto: empacotada dogmaticamente de tal forma que é impossível pensar sobre o assunto. São paradigmas de parangona. Glórias facilitadoras do lead. Triunfos do click. Informam zero, mas doutrinam bastante.

Porém, o problema não reside apenas na imprensa, porque as fontes académicas onde as redacções vão buscar a matéria para os seus conteúdos são, como crescente e assustadora intensidade, iniciáticos motores de desinformação. Aliás, os próprios cientistas mentem descaradamente sobre as suas “descobertas”, como verificamos nos segmentos 3 e 5 deste artigo.

A propósito de 4 ensaios sobre este assunto que Sabine Hossenfelder, proeminente investigadora do Instituto de Frankfurt para Estudos Avançados, tem publicado na web, e de um outro vídeo de Derek Muller, um influente youtuber que se dedica à divulgação científica, percorremos o labirinto de falsidades mediáticas que vitimiza a credibilidade da ciência, todos os dias.

 

Porque é que as notícias sobre ciência são tão fraquinhas?

A imprensa das ultimas décadas tem cumprido um péssimo serviço às ciências e principalmente às chamadas ciências exactas. Simplificando temas complexos e descontextualizando os temas, porque os jornalistas consideram os seus públicos excessivamente ignorantes para dominarem as nuances mais intrincadas e demasiado impacientes para conhecerem os percursos epistemológicos; criando uníssonos onde eles não existem, porque a Ciência nunca é consensual; eliminando margens de erro onde elas são fundamentais, porque o activismo jornalístico contemporâneo é inimigo da dúvida; vendendo conceitos absolutos e omitindo a falibilidade do conhecimento humano; politizando e dramatizando tudo, porque é assim que amplificam as suas curtas audiências, os meios de comunicação social transformaram o acesso aos factos científicos num portal de dogmas, meias verdades e equívocos, onde o cidadão leigo se perde ou fica aprisionado.

É claro que, muito frequentemente, a responsabilidade pelas más notícias sobre ciência advém das fontes: papers com resultados errados e newsletters que privilegiam os preconceitos das academias e a volição carreirista dos seus quadros em desfavor de uma visão objectiva – e dialéctica – dos trabalhos que produzem, fazem parte do problema.

Sabine Hossenfelder disserta sobre este assunto, num breve ensaio estruturado à volta de dez pontos fundamentais, que dissecam as várias dimensões da desinformação com que somos agredidos todos os dias.

 

 

Fake News Masterclass: o caso do objecto tele-transportado que não foi tele-transportado.

Apesar do carácter falsário das redacções, é preciso alertar para um facto ainda mais preocupante: neste mundo ao contrário, que gira contrariamente a uma velocidade exponencial, muitas das falsas notícias sobre ciência não são geradas pelos media. São geradas pelas universidades.

Um exemplo recente:

O título desta notícia da revista do Massachusetts Institute of Technology, talvez a mais conceituada universidade de engenharia e ciências do mundo, é falso. É completamente mentira que os chineses tenham tele-transportado um fotão da Terra para a órbita terrestre.

Primeiro porque estamos a a falar de dois fotões. Um na Terra, outro em Órbita. Esta experiência procura explorar o fenómeno que em Mecânica Quântica tem o nome de Entrelaçamento (Entanglement) e que consiste nisto: duas partículas que tenham sido criadas no mesmo momento do espaço e do tempo vão manter uma relação interactiva, mesmo que sejam separadas. Por exemplo: se uma destas partículas sofre, em Oxford, uma alteração de estado electromagnético, a outra partícula pode até estar no fim da galáxia, que vai somatizar os mesmos sintomas.

O que os cientistas chineses fizeram foi levar o Entrelaçamento Quântico a tal ponto que a Partícula colocada em Órbita assumiu a identidade da Partícula que estava na Terra. Isto não é tele-transporte porque as partículas não mudaram de posição. Isto é Spooky action at a distance”, nas divertidas palavras de Einstein.

Na verdade, a experiência chinesa, sendo bem sucedida e importante no meio científico, principalmente no que diz respeito ao fluxo de bits de informação, não é a primeira (só nunca tinha sido executada com um dos fotões em órbita) nem traz nada de novo à retórica instituída. Basta ler o primeiro parágrafo da entrada na Wikipédia sobre o Entrelaçamento Quântico para percebermos isso:

“O entrelaçamento quântico (ou emaranhamento quântico, como é mais conhecido na comunidade científica) é um fenómeno da mecânica quântica que permite que dois ou mais objetos estejam de alguma forma tão ligados que um objeto não possa ser corretamente descrito sem que a sua contra-parte seja mencionada – mesmo que os objetos possam estar espacialmente separados por milhões de anos-luz.”

Sabine explica melhor e confirma completamente o que aqui se enuncia, neste segmento de um ensaio sobre mecânica quântica:

 

 

Mais a mais, o tele-transporte de um fotão para a órbita da Terra, é, no sentido práctico, inútil. Se for disparado na direcção de um sensor que o receba algures nas imediações siderais da Terra, ele vai lá chegar, para todos os efeitos, no mesmo instante em que partiu, já que o fotão é a única partícula que viaja à velocidade da luz (porque não tem massa e porque é precisamente a partícula que transporta a luz). E a essa velocidade chega-se à Lua antes que o diabo possa coçar a ramela:

Velocidade da Luz: 1 080 000 000 Km/H
Distância entre a Terra e a Lua: 384 400 km

É fazer as contas.

Não deixa de ser verdade que o artigo do MIT Review, se for lido na sua integridade, esclarece o equívoco. Mas se a manchete é esta, na fonte, que notícia pensa o leitor que sairá amanhã no Público?

Beam Me Up Scotty?

 

Mentir (com os dentes todos) em Ciência. A Fusão Nuclear como caso de estudo.

Uma das mais flagrantes falácias da Ciência contemporânea é perpetrada a propósito da Fusão Nuclear. E, mais uma vez, a descarada mentira não tem origem na imprensa (apesar da sua conivência entusiasta e ignorante). São mesmo os cientistas que estão a mentir. Há décadas que mentem. Até porque se não mentissem, as suas carreiras estariam arruinadas.

Para abordar convenientemente este tema, há no entanto que começar por esclarecer a diferença entre Fusão Nuclear e Fissão Nuclear, conceitos que criam alguma confusão entre os públicos leigos, precisamente porque aqueles que deviam cumprir o seu papel esclarecedor não o fazem.

Fissão Nuclear é o processo de geração de energia a partir da divisão de um átomo pesado em dois átomos mais leves (geralmente utilizando urânio). Esta tecnologia é, desde a segunda metade do século XX, completamente dominada pela indústria humana, que a adaptou para uso militar e civil (bombas atómicas, centrais nucleares, sistemas propulsores para foguetões, sistemas de geração de energia para submarinos e porta-aviões, etc., etc.). A fissão do núcleo do átomo liberta um milhão de vezes mais energia que qualquer reacção química, apresenta como subproduto uma quantidade significativa de partículas radioactivas e não ocorre na natureza (ou ocorrerá muito raramente). É um artifício da inventiva humana que decorre dos cálculos matemáticos de gente tão ilustre como Albert Einstein e Max Planck.

Fusão Nuclear é o processo praticamente inverso ao da fissão e consiste na geração de energia a partir da consolidação de dois átomos leves num átomo mais pesado (geralmente utilizando hidrogénio). Esta é uma tecnologia em fase experimental. A fusão nuclear liberta três a quatro vezes mais energia que a fissão nuclear, não produz partículas radioactivas e ocorre na natureza (é o mecanismo básico de criação de energia nas estrelas).

 

 

Acontece que este processo, se bem que promissor teoricamente, implica a criação de um ambiente de alta densidade e altas temperaturas e um input energético extremamente alto, de forma a que os protões superem a sua repulsão electrostática e colidam.

E é aqui que tudo se complica. Os projectos experimentais dedicados à Fusão Nuclear apresentam historicamente resultados negativos, consumindo mais energia do que aquela que é produzida. E as excepções a esta regra, mais recentes, apresentam resultados positivos que são operacionalmente negligenciáveis.

Acontece porém que as notícias que saem a público sobre este assunto, tanto como as propostas de financiamento apresentadas a investidores públicos e privados, prometem resultados delirantes, que não concordam com a realidade presente nem com as expectativas futuras. E isto é feito com recurso à mais básica manipulação dos dados que se possa imaginar e, por isso, muito fácil de desconstruir.

Imaginemos um dado projecto experimental de Fusão Nuclear. Este projecto, para conseguir fundir dois átomos num só, implica um dispêndio total de energia X (em que X é igual a 100MW). Mas deste total despendido só uma fracção de X, que dominamos para este caso como Y (em que Y é equivalente a 80MW), chega ao plasma onde a fusão é gerada. Vamos também admitir que em resultado da fusão, obtemos um valor energético de Z, (em que Z corresponde a 81MW).

Ora, o que os cientistas que lideram este hipotético projecto vão anunciar à imprensa e aos investidores não é o diferencial entre X e Z, que será negativo em 19MW. O que vão publicar e divulgar é o diferencial entre Y e Z, que será positivo em 1MW.

Ou seja, o projecto gastou de facto 100MW para criar 81MW. Mas é vendido como tendo gasto 80MW para criar 81MW.

O que é inacreditável aqui é que esta batota flagrante, que qualquer criança consegue desvendar através de um cálculo aritmético de segunda classe, funciona lindamente, e há várias décadas. Apesar dos resultados entre X e Z continuarem a ser desoladores, os avultados recursos financeiros continuam a fluir, a boa imprensa persiste e as carreiras académicas mantêm-se a bom nível de fama e proveito.

Mais grave ainda: enquanto este lamentável e equivocado status quo permanecer, não se resolvem as questões fundamentais do processo, a saber:

1 – Como limitar, reduzir ou anular o desperdício de energia que encontramos entre X e Y;
2 – Como optimizar o diferencial ente X e Z;
3 – Como definir o grau de eficiência de todo o processo, estabelecendo ou recusando a sua viabilidade técnica;
4 – Como adaptar o processo à utilização industrial.

A sempre corajosa e desassombrada Sabine Hossenfelder articula o assunto com a competência que eu não tenho, arriscando muito da sua carreira pelo simples facto de falar verdade.

 

 

E se a Ciência chega a este obsceno ponto de falsidade, como é que querem as “autoridades” que os leigos obedeçam aos mandatos científicos?

Só com muita fé. Porque pela razão (e pela moral, já agora), não chegam lá.

 

A Ciência como motor do erro.

A maioria dos documentos de pesquisa científica que são publicados apresentam falsos resultados. É mentira? Não. Num famoso ensaio que até já data de 2005, John P. A. Ioannidis demonstrou estatisticamente que a afirmação é verdadeira.

Sendo que a margem de erro aceite pela comunidade científica ronda os 20%, a verdade é que a percentagem de negativos e falsos positivos ultrapassa largamente esse limite e pode até atingir valores inversos (80% de papers que apresentam conclusões erradas, 20% que apresentam conclusões certas), dadas as condições entrópicas ideais, como a presença de preconceitos, a multiplicação de variáveis em análise, um número acima da média de teses erradas antes da publicação, etc.

É arrepiante perceber que, apesar dos métodos de controlo como o peer review ou os algoritmos monitores implementados electronicamente, o erro se dissemina desta forma massiva no corpo documental das disciplinas exactas, impactando directamente a sua virtude epistemológica.

Considerando que a operacionalidade e evolução da Ciência depende do acerto das suas publicações, principalmente no que diz respeito à pesquisa e à aquisição de data, estes números são assustadores. Tanto mais que têm um resultado também contraproducente junto dos públicos leigos. Se as fontes estão erradas, como é que o jornalismo e o ensaio de divulgação científica podem transportar para os leitores uma ideia correcta dos temas específicos que abordam, e da Ciência em geral?

Um assunto de monumental importância, articulado com profundidade, e algum optimismo (talvez excessivo), pelo impecável Derek Muller.

 

 

O mistério das descobertas científicas que desaparecem de um dia para o outro.

O nível de aldrabice que infesta as “descobertas científicas” no área da Mecânica Quântica é absolutamente recordista, nos tempos que correm. Falsificação de dados, análise criativa de resultados, erro nos cálculos, flutuações quânticas que não são tidas em conta, enfim, vale tudo por uns minutos de glória. São mesmo só uns minutos. Porque tanto a glória como as “descobertas” desaparecem muito rapidamente, quando os cientistas fantasistas caem na realidade ou sempre que um processo de peer review cumpre a sua missão higiénica. O problema é que ninguém paga o preço da fraude. A não ser o contribuinte, claro.