A Fox News anunciou na segunda-feira que Tucker Carlson deixou a estação de televisão dos Murdoch.

A notícia não é propriamente surpreendente. Ainda há umas poucas semanas atrás o Contra sublinhava o milagre do “Tucker Carlson Tonight” continuar a ser emitido todos os dias úteis:

É espantoso como é que Tucker Carlson ainda não foi corrido da Fox News. De cada vez que o rapaz entra em directo, há muita gente a arriscar crises cardíacas.

Num comunicado lacónico, a Fox anunciou a saída do mais bem sucedido anfitrião de um talkshow na história da televisão por cabo.

“A FOX News Media e Tucker Carlson concordaram em separar-se. Agradecemos-lhe o seu serviço ao canal como apresentador e, antes disso, como colaborador. O último programa do Sr. Carlson foi na sexta-feira, 21 de Abril. O Fox News Tonight irá para o ar, em directo, às 20h a partir desta noite como um programa provisório dirigido por personalidades rotativas da FOX News até que um novo apresentador seja nomeado.”


A notícia chegou poucos dias depois da Fox News ter anunciado que não iria renovar o contrato com Dan Bongino, outra figura não alinhada com o mainstream que ainda sobrevivia no elenco da estação noticiosa.

Depois de um dia inteiro a pensar por que raio é que a Fox News foi despedir o apresentador de notícias por cabo mais bem cotado no mundo, e de sempre, o New York Times escreveu isto:

A decisão de despedir Carlson foi tomada na sexta-feira à noite por Lachlan Murdoch, director executivo da Fox Corporation, e Suzanne Scott, directora executiva da Fox News Media, de acordo com uma pessoa informada sobre o assunto. O Sr. Carlson foi informado na segunda-feira de manhã pela Sra. Scott, segundo outra pessoa informada sobre a mudança.

E porquê?

O poder que o Sr. Carlson, de 53 anos, exercia dentro e fora da Fox News não o podia isolar de uma lista crescente de problemas relacionados com a sua conduta, alguns dos quais estavam a irritar o Sr. Murdoch e o seu pai, Rupert Murdoch, o presidente da Fox Corporation, que co-fundou a estação em 1996, de acordo com as duas pessoas com conhecimento da decisão da empresa. O apresentador, uma figura polarizadora e impopular fora da sua própria equipa, foi envolvido no processo de difamação pela Dominion Voting Systems e exposto como um rufia que denegriu colegas e fontes, muitas vezes em linguagem profana e sexista, e pediu o despedimento de jornalistas da Fox cuja cobertura não lhe agradava. Também foi condenado pela direita e pela esquerda pelo seu papel na promoção de uma versão revisionista do ataque ao Capitólio dos Estados Unidos a 6 de Janeiro de 2021.

Só mesmo o New York Times para mentir desta maneira. Não há qualquer evidência de que Tucker lidasse com os seus colegiais com menos civilidade do que aquela que é expectável entre estrelas mediáticas, e o processo de difamação que a Dominion Voting Systems levantou contra a Fox News nada teve a ver com Tucker Carlson. E se “foi condenado pela direita pelo seu papel na promoção de uma versão revisionista do ataque ao Capitólio” é porque o New York Times acha que qualquer ser humano que tenha uma versão da existência ligeiramente diferente da sua filosofia editorial há-de ser de extrema-direita. Houve de facto republicanos que se aliaram à esquerda para criticar Tucker por ter tido a coragem de emitir imagens de circuito interno de 6 de Janeiro, demonstrando com evidências materiais que se tratou de uma insurreição sem insurrectos e que os acontecimentos do Capitólio foram manipulados e exacerbados para cumprir a agenda política dos poderes instituídos em Washington. Mas esses republicanos, como toda a gente sabe ou devia saber, não são de direita. São RINO’s (Republicans Only In Name), personagens ideologicamente travestidos que apesar de se sentarem na bancada republicana manifestam-se e votam consecutiva e alegremente com os democratas nas questões fundamentais que dividem a América contemporânea.

As verdadeiras razões pelas quais Carlson se despediu ou foi despedido, nem esse detalhe é claro neste momento, serão encontradas seguramente numa destas variáveis:

Tucker atacou constantemente as indústrias farmacêuticas, uma dos mais importantes sectores económicos em termos de investimento publicitário e influência nas altas esferas.

 


O documentário de Carlson de 2021, “Patriot Purge”, que avançou a teoria de que os motins de 6 de Janeiro foram uma operação de bandeira falsa destinada a desacreditar o ex-presidente Trump e seu movimento político. Lachlan Murdoch terá sido apanhado de surpresa pelo programa, que também levou dois colaboradores conservadores da Fox News a demitirem-se em protesto, Jonah Goldberg e Stephen Hayes.

Em Março, Carlson editou dezenas de milhares de horas de imagens desses motins que lhe foram cedidas pelo Speaker da Câmara dos Representantes, Kevin McCarthy, e com base nessas imagens atreveu-se a questionar, mais uma vez, a narrativa de 6 de Janeiro. Esse programa suscitou a repreensão do senador Mitch McConnell, amigo de Rupert Murdoch, que afirmou que Carlson tinha tirado “conclusões ofensivas e enganadoras”.

O anfitrião do “Tucker Carlson Tonight” teve até o descaramento de, em vários programas, questionar a validade das eleições presidenciais de 2020.

Tucker era o único jornalista independente a trabalhar na imprensa corporativa em dissidência com todas as narrativas fundamentais dos poderes instituídos no Ocidente: manifestou-se desde o princípio contra o envolvimento dos EUA na Guerra da Ucrânia, é um céptico das alterações climáticas, um crítico de todas as políticas relacionadas com a pandemia, um campeão da liberdade de expressão e um incondicional da independência editorial do seu programa.

 


Tucker Carlson é o inimigo público número 1 do Partido Democrata e da Casa Branca, recolhendo também inimizades profundas em largos sectores do Partido Republicano, cujas figuras mais próximas do establishment tem criticado ferozmente.

Por algumas ou todas estas razões, o Ocidente perdeu a última voz independente da imprensa corporativa e o Contra perdeu um dos seus principais, se bem que involuntários, colaboradores.

Esta é, não tenhamos dúvidas e apesar de não sabermos neste momento o que fará Tucker Carlson com o seu imenso e global capital mediático, uma derrota para a liberdade de expressão, para a dissidência, para os movimentos conservadores e populistas e para todos aqueles que procuram por jornalistas que mantenham a realidade dos factos como referência prioritária.

Por outro lado, este episódio serve como aviso a uma certa direita liberal que ainda não compreendeu que o capitalismo actual é eminentemente corporativo e não tem o lucro ou a prosperidade social como prioridade. Numa sociedade assente num modelo capitalista liberal, quem é que no seu perfeito juízo despediria o âncora mais visto da televisão por cabo e principal motor de receitas da estação?

 

 

A agenda das elites contemporâneas é usar o grande capital para fins políticos. As preocupações financeiras e económicas, mais prosaicas e porventura mais sãs, surgem depois.

A FOX News Media opera o FOX News Channel (FNC), a FOX Business Network (FBN), a FOX News Digital, a FOX News Audio, a FOX News Books, os serviços de streaming FOX Nation e FOX News International e o serviço de televisão gratuito FOX Weather. Actualmente a rede número um em notícias por cabo, a Fox News Channel é também o canal de notícias televisivo mais visto há mais de 21 anos consecutivos, enquanto a FBN se encontra entre os principais canais de negócios. Propriedade da Fox Corporation, a FOX News Media chega a quase 200 milhões de pessoas todos os meses.

As acções da 21st Century Fox caíram abruptamente com a notícia do divórcio, e estão agora em mínimos de Janeiro (a queda na capitalização bolsista da FOX é aproximadamente igual à indemnização que a estação pagou à Dominion, num valor superior a 700 milhões de dólares).

Especula-se agora sobre o futuro de Tucker Carlson. Há quem fale num canal no Rumble, num programa sediado no Tweeter, ou até numa colaboração com canais alternativos como o One America News Network. Circulam neste momento na web rumores que Tucker poderá até candidatar-se a um cargo público, ou concorrer às presidenciais de 2024. Ao ContraCultura parece mais plausível um cenário em que o pundit opte por desenvolver um canal de que já é proprietário, o Daily Caller, apostando num modelo próximo ao que foi implementado por Ben Shapiro e Jeremy Boering com o Daily Wire.

E no entretanto, aqui fica o último monólogo de Tucker Carlson enquanto empregado da Fox News, para referência histórica.