Uma breve apologia da combustão interna. E dos Concertos de Brandenburgo.

 

 

Entretido com o prazer volante pelas estradas da região Oeste, lembrei-me de passar pela Batalha. Tudo o que queria fazer, no caminho de regresso do Canhão da Nazaré, era tirar um excelente boneco do meu carrinho lindo com o Mosteiro da Batalha ao longe. A inocência, caída subitamente no poço da realidade, tem cruéis resultados no ânimo da alma e a simples intenção de estacionar o automóvel nas mais remotas imediações do Mosteiro é um projecto destinado à falência onírica: a vila de Batalha tem, neste contexto, os mesmos problemas da cidade de Nova Iorque, sendo certo que se compreendem melhor as dificuldades de parquear na península de Manhattan do que no coração do Oeste Português.

Odiar os automóveis de combustão interna, restringindo seu trânsito, anulando as suas virtudes técnicas, taxando de forma obscena a sua função, aniquilando ou tentando aniquilar o prazer da condução, é a nova norma. A minha Batalha é que a nova norma não passe a normal.

 

 

O automóvel de combustão interna é uma das grandes glórias tecnológicas da história da humanidade. Está para a indústria como os Concertos de Brandenburgo estão para a música, que era o que eu vinha consoladamente a ouvir desde a Nazaré. As duas obras servem esplendidamente para nos transportar do ponto A ao ponto B. Num caso os pontos são geográficos, noutro são estéticos, mas o assunto é o mesmo: liberdade.

 

 

Não deixo de ficar impressionado com a paisagem arqueológica. E nunca, por nunca, cesso o espanto de ser nacional de um país que se consolidou através desta gloriosa Batalha, travada com valentia e argúcia estratégica no remoto ano de 1385. E nunca, por nunca, cesso de venerar esse D. Nuno imortal. Mas quando finalmente encontrei um lugar para estacionar, tudo o que consegui foi isto:

 

 

É claro que fiquei a quilómetros do que sonhava (o mosteiro está lá ao fundo, do lado esquerdo). Mas um tipo que gosta de automóveis está condenado a fazer milhas a penantes. Se calhar é justo. Se calhar não. Não sei se já pensaste nisto, gentil leitor, cordial leitora, mas quando os motores de combustão interna forem levados à extinção industrial, o que é que fica para taxar? O que é que fica para odiar? E que será feito da tua liberdade quando os veículos eléctricos forem controlados, não por ti, mas por uma nuvem qualquer onde algoritmos de inteligência artificial sabem que caminho é melhor, que destino te convém mais, quantos watts podes consumir, quantos quilómetros podes fazer, que autonomia final mereces, tu, parafuso digital da grande cibernética do esquecimento?

É que agora estão só a castigar a minha mania. A ganhar a minha Batalha. A vencer sobre a minha fantasia. Mas com o mesmo intento fascista, cuidarão de destruir a tua, já de seguida.