Apesar da sua paixão pelas singularidades, a Física contemporânea, num raro exercício de contenção da prolixa criatividade dos teóricos, estabeleceu sensatamente que galáxias de pequena dimensão não conseguem gerar buracos negros massivos, pela prosaica razão de que estas aglomerações mais modestas de matéria cósmica simplesmente não reúnem as forças gravíticas necessárias à prossecução de semelhantes feitos.

Pois. Mas isso era ontem. Hoje, já não é assim. Hoje até galáxias anãs produzem buracos negros gigantes. E porquê? Porque foram detectadas anomalias às leis da Física nestas galáxias. Portanto, não são as leis da Física que estão mal calculadas ou pura e simplesmente erradas. Não. São os buracos negros que criam as anomalias.

É uma coisa impressionante, esta praga de buracos negros. Estão por todo o lado, justificam todos os desvios à escolástica académica e até já existiam em abundância logo depois do Big Bang, quando a matéria ainda estava a tentar organizar-se em qualquer coisa de concreto. Às tantas, há mais buracos negros do que estrelas no cosmos. Às tantas, os buracos são a norma e a excepção é a matéria que se lhes escapou.

Há buracos negros de todos os tipos: primordiais, intermédios, estelares e não estelares, microscópicos (!), massivos, super massivos, sónicos (!), discretos, brilhantes, proibidos (!); há buracos negros-negros e buracos negros-brancos (!), há buracos negros assim e assado e para todos os gostos e que servem lindamente para compensar a brutal ignorância dos sábios. É bestial.

Objectos siderais são conduzidos em estranhas quantidades para um determinado ponto no cosmos? Deve andar por aí um buraco negro. As estrelas morrem em estranhas quantidades num determinado ponto do cosmos? É um buraco negro que as está a aniquilar. As estrelas nascem em estranhas quantidades num determinado ponto do cosmos? É um buraco negro que as está a gerar.

As ondas gravitacionais são produto de buracos negros. As disrupções nos movimentos elípticos das galáxias são produto de buracos negros. As anomalias orbitais são produto de buracos negros. As singularidades são produto de buracos negros. Os buracos negros servem para justificar tudo e mais alguma coisa, por exemplo: as equações de campo de Einstein não servem para descrever o que aconteceu nos primeiros segundos do universo? É porque o universo nasceu num buraco negro. Pronto, está explicado.

 

De cada vez que a realidade não concorda com a teoria, há um buraco negro para salvar o dia.

Dado o cenário caótico instalado por estes monstros míticos devoradores de tudo, acontecem naturalmente cataclismos em quantidade ensandecedora; colisões titânicas e explosões bíblicas e tsunamis gravitacionais por todo o espaço-tempo a fora, de tal forma que nos perguntamos como é que o universo sobreviveu mais ou menos estável a este circo apocalíptico e criou condições para a génese de seres curiosos, que perscrutam as estrelas e que especulam sobre a sua matemática.

Para todos os efeitos, os físicos teóricos do século XXI inventaram uma nova religião. Os buracos negros resolvem tudo. Criam tudo. Destroem tudo. São o fim e o princípio de tudo, verdadeiros demiurgos do Universo conhecido. E desconhecido, também.

É importante sublinhar que um buraco negro é, por definição, invisível, na medida em que a sua massa gravítica absorve os fotões e sem os fotões, não à luz. Assim sendo, o que podemos observar são disrupções orbitais nos corpos celestes que lhe estão mais próximos e luz, gases e plasma que circulam na espiral da sua voracidade, mas que ainda não foram devorados pelo vórtice. Acontece que essas perturbações podem acontecer por outras razões. As supernovas, por exemplo, podem estabelecer padrões ópticos muito parecidos. E, outro exemplo, vastas regiões de matéria negra condensada podem criar perturbações gravíticas e alterações morfológicas na matéria astral.

É claro que, muito de vez em quando, há uns malucos mais lúcidos que reparam que no desfile de moda da cosmologia contemporânea ninguém traz roupas vestidas. E que cometem a heresia de sugerir que os buracos negros não existem. Que são apenas uma teoria, sem evidências observáveis. Que as imagens que nos venderam como representações dos buracos negros são falsificadas. Mas esses doidos não contam para o grande totobola do modelo standard da física contemporânea.

Mais uns dez ou vinte anos disto e o dominó de falácias iniciará a sua queda termodinâmica até ao ponto zero do conhecimento. Aquilo a que Gaston Bachelard chamava “Ruptura Epistemológica”. Boa sorte para os contribuintes, públicos e privados, que financiam este culto. Se estão à espera que o chorudo investimento produza resultados científicos fiáveis e concretos, vão precisar dela.