Publicados em 1953 e 54, os dois volumes da série Tintim consagrados à viagem à Lua, “Objectif Lune” e “On a Marché Sur La Lune”, são um clássico da banda desenhada e da ficção científica. Considerando a época em que foram criados, quase duas décadas antes da viagem real da NASA, o célebre foguetão foi muito bem estudado e concebido e os detalhes da narrativa são, na sua maior parte, tecnológica e cientificamente rigorosos.

Desenvolvida a partir de sugestões dos amigos de Hergé, Bernard Heuvelmans e Jacques Van Melkebeke, a saga foi produzida após extenso trabalho de pesquisa sobre a possibilidade de viagens espaciais humanas, sendo que o objectivo do autor era que o trabalho fosse tão realista quanto possível. Durante a criação e execução da história, Hergé fundou a Studios Hergé, onde trabalhou uma equipa de desenhadores e argumentistas que o assistiram no projeto. Quando Hergé concluiu o arco da história, a série tornou-se uma referência da tradição da banda desenhada franco-belga. Os críticos elogiaram o detalhe ilustrativo dos álbuns, a aceitação do público foi, claro, total e a história foi adaptada tanto para a televisão, logo em 1957, como para cinema, em 1991.

 

 

O motor principal do foguetão é aparentemente um propulsor termo-nuclear contínuo do estilo NERVA, abastecido com plutónio. O local de lançamento integra um reactor que produz o combustível. A nave desloca e aterra com um foguete químico auxiliar abastecido por ácido nítrico e anilina, de forma a impedir a contaminação do solo na Terra e na Lua. Todos os procedimentos de lançamento e acoplagem são tecnicamente correctos.

 

 

Apesar do programa Apolo ter feito recurso a uma tecnologia modular, em que o foguetão vai sendo desacoplado por fases e apenas um dos módulos aterra na superfície da lua, a verdade é que o foguetão de Hergé ainda hoje é considerado como viável, dado o seu potencial de reutilização e capacidade de carga (payload). A SpaceX tem um contrato com a NASA para disponibilizar os veículos que vão instalar e manter uma base lunar: esses veículos serão mais parecidos com o foguetão de Tintim do que com os engenhos da Apolo.

 

 


Em toda a aventura existe apenas um erro técnico: os astronautas deitam-se nos seus beliches de aceleração de barriga para baixo, posição que é a pior possível para o efeito. Este erro deveu-se muito provavelmente a um equívoco de interpretação do diagrama e ilustrações do foguetão lunar de Von Braun (imagem em cima, no canto inferior esquerdo). Nesse projecto, que influenciou significativamente o pensamento de Hergé, alguns membros da tripulação parecem estar deitados de barriga para baixo. Mas os astronautas que se encontram nas estações de aceleração estão deitados de barriga para cima.

Hergé também adivinhou algo que só muito recentemente foi definitivamente confirmado: a certa altura da exploração da superfície lunar, Tintim escorrega por uma fenda rochosa, só para descobrir que há gelo no satélite.

 

 

Em 2016, um grupo de cientistas liderado por Shuai Li publicou um paper num dos sites da Academia Norte Americana de Ciências que demonstra a existência de gelo nos 2 polos da Lua, em locais que estão permanentemente escondidos dos raios solares.

 

 

A visão de Hergé provou-se correcta em várias dimensões da ciência, da tecnologia e da geologia. Só é pena que não exista mais gente com visão neste triste século XXI e que a Lua esteja às moscas desde o princípio dos anos 70. A 29 de Agosto de 2022, a NASA lançou com sucesso o foguetão lunar SLS, não tripulado, num primeiro ensaio do programa ARTEMIS, que visa o regresso da humanidade ao satélite da Terra num futuro próximo. A ver vamos se esse regresso se cumpre.