Um novo e chocante paper publicado na revista Frontiers in Cancer Control and Society revela que os indivíduos que vivem em comunidades agrícolas onde são pulverizados pesticidas enfrentam um risco de cancro comparável ao dos fumadores.

Esta estudo põe em evidência os riscos significativos que os produtos químicos agrícolas representam para a saúde, mesmo para as pessoas que não estão directamente envolvidas na agricultura, com implicações significativas para as crianças que vivem em comunidades rurais.

Fumar é um hábito que se escolhe mais tarde na vida. As crianças podem estar sujeitas a um nível semelhante de carcinógenos muito mais cedo, e não é escolha delas estarem sujeitas a estas toxinas. Estes produtos químicos agrícolas são uma das forças motrizes por detrás da epidemia de doenças crónicas que assola as crianças por todo o mundo.

 

O aumento da exposição a pesticidas está correlacionado com o aumento de vários tipos de cancro, incluindo a leucemia.

O estudo, de largo espectro e realizado por uma equipa de investigadores da Universidade de Rocky Vista, analisou dados sobre a incidência de cancro em quase todos os condados dos EUA e comparou-os com dados federais sobre a utilização de pesticidas agrícolas. Os autores do estudo analisaram dados do Serviço Geológico dos EUA (USGS) relativos a 69 pesticidas e cruzaram-nos com dados sobre o cancro dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) e dos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC). A investigação revelou um risco mais elevado de cancro em áreas com utilização extensiva de pesticidas, contradizendo os pressupostos iniciais de que apenas a exposição directa afectaria significativamente as taxas de cancro.

Em vez disso, os resultados indicam uma correlação preocupante: quanto maior a utilização de pesticidas, maior o risco de desenvolvimento de vários tipos de cancro, incluindo leucemia, bexiga, cólon, pulmão, linfoma não-Hodgkin (NHL) e cancro do pâncreas.

“A utilização de pesticidas agrícolas tem um impacto significativo em todos os tipos de cancro avaliados neste estudo”, afirmam os autores, salientando que estas associações são especialmente pronunciadas em regiões com elevada produtividade agrícola. Os autores do estudo sublinham que os riscos de cancro relacionados com os pesticidas estão ao mesmo nível dos associados ao consumo de cigarros, que contêm pelo menos 70 agentes cancerígenos diferentes.

Dana Barr, investigadora de saúde ambiental da Universidade de Emory, não envolvida no estudo, manifestou preocupação com a actual regulamentação dos pesticidas nos EUA.

“Neste momento, não creio que os regulamentos relativos aos pesticidas sejam os mais protectores da saúde. Precisamos de uma reforma política que coloque o ónus nos fabricantes para fazer um melhor trabalho de avaliação da segurança antes de permitir novos registos.”

 

Riscos de cancro mais elevados correlacionados com herbicidas à base de dicamba e glifosato.

Isain Zapata, professor associado da Universidade Rocky Vista e um dos autores do estudo, mostrou-se surpreendido com as conclusões do seu trabalho:

“Pensámos ingenuamente que algumas das taxas de cancro não seriam afectadas. Mas [os pesticidas] não afectam apenas as pessoas que estão diretamente expostas”.

Zapata e a sua equipa utilizaram uma análise estatística para mapear os padrões de utilização de pesticidas e a sua correlação com as taxas de cancro, encontrando os riscos mais elevados em estados conhecidos pela produção de milho em grande escala, como o Iowa, Illinois, Nebraska, Missouri, Indiana e Ohio.

Os investigadores também identificaram substâncias químicas específicas que contribuem significativamente para os riscos de cancro. Por exemplo, o clorpirifos, o paraquat e a atrazina estão todos associados ao cancro dos rins e a doenças endócrinas. Os organofosforados estão ligados ao declínio da fertilidade nos homens. O glifosato, o herbicida amplamente utilizado e o ingrediente activo do Roundup, foi classificado como um provável carcinógeno humano pela Agência Internacional de Investigação do Cancro e, desde então, tem sido associado a riscos acrescidos de vários tipos de cancro. Num estudo de 2020 do NIH, a dicamba foi associada a riscos mais elevados de cancro do cólon e do pâncreas. Em Fevereiro deste ano, um juiz federal proibiu herbicidas à base de dicamba produzidos por grandes fabricantes, determinando que o seu uso teria sido permitido de forma ilegal.

Apesar destas acções regulamentares, o novo estudo destaca um problema mais vasto, relacionado com a utilização de pesticidas e os seus impactos na saúde. Todos os sistemas de agricultura intensiva precisam desesperadamente de serem reconfigurados, de forma a evitarem ou reduzirem drasticamente a utilização generalizada de pesticidas e herbicidas cancerígenos. A epidemia de cancro só pode ser resolvida se os fabricantes de pesticidas forem processados e se os seus agentes cancerígenos forem substituídos por fórmulas e métodos não tóxicos.