Parece mentira, ou anedota, ou brincadeira de mau gosto, mas a revista científica mais antiga da América, fundada em 1845 e que já publicou mais de 200 prémios Nobel, incluindo Albert Einstein, manifesta-se agora orgulhosamente a favor de os homens deixarem as suas mulheres e namoradas terem sexo com outros homens.

Brooke Scelza, professora do Ddepartamento de Antropologia da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, escreve um artigo surreal, que começa com este sugestivo título, difícil de traduzir para português, dado o calão:

“Here’s What the ‘Manosphere’ Gets Wrong about Cuckoldry”

Numa tradução livre, será qualquer coisa como “Eis como a masculinidade se engana sobre a infidelidade”, embora ‘manosphere’ e ‘cuckoldry’ não tenham na verdade tradução para a língua de Camões, (este último termo define a qualidade do ‘cornudo’).

A professora Scelza quer que saibamos que as nossas ideias negativas sobre a infidelidade têm origem na misoginia e na ignorância cultural. Os conservadores podem pensar que ser “corno” (sic) é uma coisa má, ou objecto de ridículo social, mas na realidade é exactamente o contrário, dada a análise pseudo-antropológica, com casos vagos ou criteriosamente escolhidos para favorecerem os seus argumentos, que a autora decidiu realizar.

A professora escreve:

“Os estudos transculturais sobre a infidelidade revelam que os homens não estão necessariamente a ser enganados; podem também defender a infidelidade quando isso convém aos seus interesses. O patriarcado retrata os ‘cornudos’ como otários infelizes enganados por mulheres astutas, uma imagem que alimenta a retórica misógina e protege os homens da responsabilidade pelas suas palavras e acções. Mas os antropólogos demonstraram que a paternidade e a maternidade são conceitos maleáveis que tanto as mulheres como os homens têm usado em seu proveito.”

Segundo Scelza, longe de serem uns infelizes ‘encornados’ (sic), os homens traídos usam frequentemente a infidelidade em seu benefício em culturas não ocidentais, de formas que os tornam tudo menos os “machos beta” ridicularizados pelos seus pares. Em muitas culturas do mundo, eles simplesmente não pensam nos termos que nós pensamos. Para os Himba, pastores de gado da Namíbia, não importa se as mulheres têm vários amantes ao mesmo tempo, porque os homens também o fazem, e “o acesso a parceiros extraconjugais pode fortalecer as alianças masculinas”. Nas culturas em que vigora a noção de “paternidade partilhável”, por exemplo entre tribos indígenas da América do Sul (não ficamos a saber quais, especificamente), qualquer homem que tenha relações sexuais com uma mulher na altura da sua gravidez tem a pretensão de ser o pai das crianças, o que, na verdade, cria incentivos para que as crianças tenham vários “pais”, uma vez que isso significa acesso a mais protecção e a mais recursos. E as crianças com mais protecção e mais recursos têm mais probabilidades de sobreviver.

Portanto, homens de todo o mundo, sejam mais como os Himba da Namíbia e os índios não especificados da América do Sul e deixem que as vossas mulheres, especialmente quando grávidas, se entreguem a outros homens! Vai correr mesmo tudo bem daí para a frente. Com os casamentos e com a educação da prole. Está-se mesmo a ver.

Alguns comentadores no Twitter notaram que a defesa da infidelidade pela Scientific American veio na sequência do seu apoio a Kamala Harris, apenas a segunda vez que a revista apoiou abertamente um candidato a presidente. Poderá haver uma ligação?

De facto, pode. A campanha de Harris-Walz fez da emasculação uma parte central da sua plataforma. Na Convenção Nacional Democrata em Chicago, no mês passado, os homens fizeram fila à porta do centro de convenções para se esterilizarem numa clínica móvel da Planned Parenthood. No primeiro dia da Convenção, a clínica ofereceu vasectomias gratuitas e, no segundo dia, abortos.

A vasectomia é agora um acto político. Houve um aumento significativo das esterilizações, entre ambos os sexos, depois de o Supremo Tribunal ter revogado Roe v. Wade, em 2022. De acordo com o sempre progressista The Guardian, uma vasectomia é agora “uma forma de os homens assumirem uma participação mais activa nas grandes decisões sobre contracepção e reprodução que normalmente cabem às mulheres”. É uma forma de os homens liberais expressarem solidariedade para com as mulheres, cujos “direitos reprodutivos” estão a ser ameaçados pelos conservadores e pelos “extremistas MAGA”.

Na convenção deste ano, os participantes e os telespectadores foram informados de que o partido precisa de se inclinar para um novo tipo de masculinidade. Dana Bash, da CNN, comparou a masculinidade exaltada da Convenção Nacional Republicana – que incluiu Hulk Hogan a arrancar a sua t-shirt, em estilo clássico, para revelar uma t-shirt Trump-Vance, e a gritar “let trumpmania run wild, brother!”– com o comportamento menos bombástico de democratas efeminados como Tim Walz.

Bash disse que os Democratas estão

“a tentar apresentar figuras masculinas que possam falar aos homens que não são do tipo carregado de testosterona e de armas que quer ouvir Hulk Hogan e do tipo de engatatões que saíram do RNC; mas que também, além disso, compreendem que não há problema, em 2024, em ser um homem confortável na sua própria pele que apoia uma mulher. E isso é algo que eles estão realmente a tentar trabalhar com os eleitores masculinos”.

Quando o trailer do documentário de Tucker Carlson, The End of Men, foi lançado no início de 2022, os liberais-leninistas negaram com unhas e dentes que o declínio da testosterona estivesse a acontecer ou que fosse uma questão de importância política, todos empenhados em desencorajar os jovens a assumirem o controlo das suas vidas, a conhecerem outros jovens com a mesma opinião, a cuidarem da sua forma física e a divertirem-se juntos. Agora, dois anos depois, os democratas e os seus aliados nos principais meios de comunicação social estão a dizer-nos que o declínio da testosterona não só é real, como é essencial para garantir a eleição da primeira mulher presidente dos Estados Unidos – que ainda por cima, virtude das virtudes, é negra (ou índia, não se percebe bem).

Que diferença pode fazer um par de anos.

Mas há uma questão mais profunda a ser levantada aqui sobre a relação entre esquerdismo e emasculação. A destruição das estruturas familiares tradicionais é a condição fundamental da revolução social e cultural da esquerda, e tem-no sido desde o nascimento da esquerda moderna, com a Revolução Francesa. Os documentos fundadores do marxismo, escritos no século XIX, também deixam bem claro que a utopia comunista só pode ser construída sobre os escombros de todas as estruturas da vida burguesa, incluindo a mais importante, que é a família nuclear.

Em “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado“, publicado pela primeira vez em 1884, Friedrich Engels afirmava que as sociedades humanas tinham todas a sua origem em “matriarcados primitivos”. Nessas sociedades primitivas sem classes, não havia propriedade: tudo era comum, o acasalamento era “promíscuo” e as mulheres, ao manterem o controlo total sobre a sua função reprodutiva, tinham, na verdade, vantagem sobre os homens. A chegada da propriedade e da primeira sociedade de classes foi também a chegada do primeiro patriarcado, porque as mulheres tornaram-se propriedade dos homens. A sociedade de classes é o patriarcado e vice-versa. O derrube de um será o derrube do outro. Engels deixou todas as implicações do seu argumento para serem desenvolvidas por outros, mas sugere claramente que as futuras sociedades comunistas seriam, em certo sentido, novamente matriarcados primitivos.

Todas estas afirmações eram bastante exageradas e tanto antropológica como historicamente falsas, e as “matriarquias primitivas” nunca foram generalizadas, surgindo em casos muitos específicos e raros de adaptação a condições ambientais e culturais também deveras particulares, com escassas evidências de sucesso. O argumento era difícil de defender na altura e impossível de defender agora. Mas isso não importava. O que importava era que esta teoria era aceite pelos revolucionários de esquerda e os seus argumentos sobre a relação entre o género e a dominação tornaram-se pressupostos habituais, firmando a ideia de que a família nuclear burguesa é simplesmente a última manifestação do controlo patriarcal de classe sobre as mulheres e os seus corpos.

E assim, nos últimos 140 anos, os marxistas e os movimentos a que o marxismo deu origem, incluindo a segunda e as subsequentes “vagas” de feminismo, têm feito o seu melhor para minar a família nuclear de todas as formas possíveis. O encorajamento do acasalamento “promíscuo” tem sido um dos meios para atingir este objectivo. É por isso que o o elogio do ‘corno’ – ou ‘poliamor’ ou o que quer que lhe chamem – é realmente importante para a esquerda actual: porque mina, ainda mais, a família nuclear e, portanto, o capitalismo liberal, os direitos de propriedade e a hierarquização social baseada no mérito e nas capacidades individuais.

Visto desta perspectiva, o apoio da Scientific American à infidelidade é muito mais do que um compromisso com a visão Harris-Walz da masculinidade: é um compromisso com a destruição do legado ocidental, e, logo, da civilização como a conhecemos.

Por isso, se até a mais veneranda das revistas científicas norte-americanas faz agora a o elogio do cornudo, isso é tudo menos motivo de riso. É um preocupante sinal dos tempos. E a evidência de que a ciência e as academias estão culturalmente condicionadas pelo liberal-leninismo