Navegando pelo oceano da modernidade, encontramos a insólita ilha do “não-ócio”. A sociedade contemporânea, essa locomotiva insaciável de produtividade, parece ter declarado guerra ao ócio, como se o descanso fosse um inimigo a ser erradicado.

Nas entranhas do cotidiano urbano, o relógio é o tirano supremo. Seus ponteiros, implacáveis, chicoteiam nossas costas, nos lembrando constantemente das listas de afazeres e metas inatingíveis. Acordamos não ao som dos pássaros, mas ao alarme estridente que nos arranca dos sonhos para nos lançar, sem piedade, na maratona diária de compromissos e prazos.

O que aconteceu com o prazer simples de não fazer nada? De se perder em pensamentos sem rumo, de observar o exterior e o interior da vida? A modernidade nos treinou para considerar o ócio como desperdício, como se cada minuto não utilizado para produção ou entretenimento fosse uma afronta ao progresso. Que ironia trágica, essa nossa existência frenética, onde a calma é sinônimo de culpa e a pausa, um luxo inadmissível.

Há quem se orgulhe de sua agenda abarrotada, como se a quantidade de compromissos fosse um troféu. “Estou tão ocupado!”, exclamam, com um brilho nos olhos que mistura exaustão e vaidade. A ocupação constante é o novo status symbol, um sinal de importância e relevância. Ninguém quer ser visto como ociosamente inútil, não é mesmo? Ser produtivo é a ordem do dia, a virtude máxima da era digital.

Mas, será que estamos realmente vivendo? Ou apenas existindo em função de uma produtividade insaciável? Em meio à correria, esquecemos que a vida não é apenas trabalho e eficiência. Perdemos a conexão com o simples, o sereno, o essencial. O ócio criativo, aquele que nos permite sonhar acordados, refletir sobre o que nos cerca, sobre o tempo que passa e nos marca, foi relegado ao status de relíquia obsoleta.

O paradoxo é cruel: nunca fomos tão produtivos e, ao mesmo tempo, tão esgotados. As máquinas que criamos para nos libertar do trabalho físico agora nos aprisionam em um ciclo interminável de tarefas. A tecnologia, nossa fiel aliada na busca por eficiência, transformou-se em carcereira, nos mantendo acorrentados a notificações incessantes e demandas urgentes.

E onde está a ironia maior? Na busca incessante por produtividade, acabamos menos produtivos. A mente saturada, sem descanso, perde a capacidade de criar, de inovar, de encontrar soluções. O ócio, outrora visto como o vilão, é na verdade o herói não celebrado. É no descanso que nascem as grandes ideias, é na pausa que floresce a genialidade.

E, no entanto, ainda há aqueles poucos rebeldes que, como corajosos navegadores contrários ao vento, insistem em valorizar o ócio. Estes raros indivíduos encontram refúgio nos espaços intersticiais da vida, onde a pressa não é bem-vinda e a contemplação reina soberana. São aqueles que param para observar o pôr-do-sol, que se perdem nas páginas de um livro sem pressa de chegar ao fim, que caminham sem destino certo, apenas pelo prazer de sentir o chão sob os pés. Esses sonhadores anacrônicos nos lembram que o verdadeiro tesouro não está na acumulação de tarefas, mas na profundidade das experiências. Eles nos mostram que, no fim das contas, é o ócio que nos dá a chance de realmente viver, de sentir o pulsar da vida em sua essência mais pura e genuína.

Assim, na era do não-ócio, a maior revolução seria a redescoberta do ócio. Resgatar o tempo para não fazer nada, para se perder em devaneios, para simplesmente ser. Talvez, ao abraçarmos novamente o ócio, descubramos o verdadeiro segredo para uma vida plena: a harmonia entre o fazer e o ser, entre o movimento e a quietude.

Ah, como seria doce essa revolução silenciosa, onde o ócio volta a ser parte integral da nossa existência, e o relógio, finalmente, perde seu trono.

 

PAULO H. SANTOS
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Paulo H. Santos é professor particular de filosofia, bacharel em filosofia (UCP – Brasil) e licenciado em História (UNESA – Brasil). Católico. Escreve em português do Brasil
As opiniões do autor não reflectem necessariamente a posição do ContraCultura.