Ser governado é ser guardado à vista, inspeccionado, espiado, dirigido, legislado, regulamentado, arrumado, doutrinado, pregado, controlado, estimado, apreciado, censurado, mandado, por seres que não têm nem o título, nem a ciência, nem a virtude.

Ser governado é ser, a cada operação, a cada transacção, a cada movimento, notado, registado, recenseado, tarifado, selado, medido, avaliado, patenteado, licenciado, autorizado, apostilado, admoestado, impedido, reformado, reeducado, corrigido. É, com o pretexto de utilidade pública, e em nome do interesse geral, ser pedido em empréstimo, exercitado, espoliado, explorado, monopolizado, abalado, pressionado, mistificado, roubado; depois, à menor resistência, à primeira palavra de queixa, reprimido, multado, injuriado, vexado, encurralado, maltratado, batido, desarmado, garrotado, aprisionado, fuzilado, metralhado, julgado, condenado, deportado, sacrificado, vendido, traído e, ainda por cima, jogado, escarnecido, ultrajado, desonrado.

Eis o governo, eis a sua justiça, eis a sua moral!

Pierre-Joseph Proudhon

 

E se, de repente, tirássemos férias da classe política?

E se, durante uns anos, experimentássemos a alegria e a liberdade de uma existência sem geringonças, conselhos de ministros, projectos-lei, plenários na Assembleia da República?

E se, por um abençoado hiato, fossemos poupados à infâmia de sermos governados?

A solução óptima para os portugueses, agora que caímos neste impasse regimental, é passarmos uns tempos sem que as nossas vidas sejam incomodadas por políticos corruptos que na verdade nos detestam, que roubam desenfreadamente os frutos do nosso trabalho, que tentam constantemente anular a nossa identidade, que têm vergonha da nossa história, que representam apenas os interesses de elites alienígenas e que não são capazes de mais que prometer um futuro sombrio e distópico para os nossos filhos.

Com essa santa ausência, esse vazio magnífico, viria também o silêncio do telejornal e o desemprego dos seus palhaços, a falência das conferências de imprensa e a inutilidade dos apparatchiks, o olvido dos debates entre imbecis que são pagos para serem imbecis.

E o dinheiro que seria economizado pelo erário público? Milhões sobre milhões, todos os dias. Em ordenados, em logística, em assessores e consultores e advogados e outros criaditos; em empregos para os rapazes, em empregos para as raparigas, em decisões funestas, em gastos supérfluos, em ideias tontas, em investimentos ruinosos; em frotas, em fatos, em gravatas, em jantares no Tavares Rico, em viagens para cá e para lá e para lado nenhum que interesse realmente ao bem estar da nação; em reuniões, comités, comissões, grupos de “trabalho”, inquéritos, parcerias e todo o género de iniciativas lastimáveis.

E os ganhos em liberdade e saúde moral? Já pensaram no que era viver uns anos sem mandatos, interdições, novas coimas por isto, novas penalizações por aquilo, inéditas formas de estipular, obrigar, educar e reformar? E que plenitude insuperável seria finalmente alcançada se deixássemos de ser agredidos pela ganância, pela cobiça, pela soberba, pela arrogância, pelo desdém de todos estes filhos de um deus menor?

Não seria cem vezes, mil vezes, vezes infinitas preferível passear pelos dias sem ser, a cada momento, admoestado por um crápula, doutrinado por um oportunista, insultado por um bandido, manipulado por um cacique ou namorado por um demagogo?

Como demonstraram os belgas recentemente, um país não precisa de ter um governo. Pode até prosperar sem ter um governo.

E se os belgas, que não chegam realmente a ser um povo, que não são propriamente cidadãos de uma nação, viveram esplendidamente sem o estupor governamental, porque raio não seremos nós, portugueses, velhos sobreviventes de mil desventuras, dessa ousadia capazes?