Numa altura em que o senil comandante em chefe das forças armadas norte-americanas declara que só ele conseguirá estabelecer a “paz mundial”, enquanto investe forte em duas frentes de guerra, é apenas contextual que um painel bipartidário nomeado pelo Congresso venha afirmar que os Estados Unidos devem preparar-se para possíveis guerras simultâneas com a Rússia e a China, e que devem expandir as suas forças convencionais, reforçar alianças e acelerar o seu programa de modernização de armas nucleares.

 

 

O relatório da Comissão de Posicionamento Estratégico – que funciona como um escritor fantasma para o Complexo Industrial Militar e o seu gémeo idêntico, o estado profundo, ambos com a possibilidade de ganharem quatriliões se os EUA entrarem numa guerra mundial – surge no contexto de uma escalada de tensões com a China sobre Taiwan, o descalabro da ofensiva ucraniana no leste europeu e o caos sanguinolento no Médio Oriente, que em última análise pode levar a um conflito aberto com o Irão.

A referida comissão afirma no seu belicoso relatório:

“Os Estados Unidos e os seus aliados devem estar preparados para dissuadir e derrotar ambos os adversários em simultâneo. A ordem internacional liderada pelos EUA e os valores que ela defende estão em risco com os regimes autoritários chinês e russo.”

Estas duas frases guardam, num maravilhoso exercício de economia, três substantivas aldrabices:

Aldrabice número 1 – A “ordem internacional”, neste momento, não existe, como é óbvio.
Aldrabice número 2 – E a existir, só nos sonhos dos membros desta comissão é que seria liderada pelos EUA (dois terços da humanidade rejeitam essa “liderança”).
Aldrabice número 3 – O regime Biden é tão autoritário como o regime Putin, ou mais.

Mais alguns detalhes: o congresso em 2022 criou o painel de seis democratas e seis republicanos para avaliar as ameaças de longo prazo aos Estados Unidos e recomendar mudanças nas forças convencionais e nucleares dos EUA. O painel aceitou uma previsão do Pentágono de que a rápida expansão do arsenal nuclear da China provavelmente lhe dará 1.500 ogivas nucleares até 2035, confrontando os Estados Unidos com um segundo grande rival nuclear pela primeira vez desde que Oppenheimer liderou um certo projecto ultra-secreto em Los Alamos.

A creditar a sabedoria deste painel de teóricos do apocalipse, as ameaças chinesa e russa tornar-se-ão ainda mais sérias no período de 2027-2035, pelo que “é necessário tomar decisões agora para que a nação esteja preparada”, segundo afirma o relatório de 145 páginas. O relatório também recomenda que o programa de modernização de armas nucleares dos EUA, que começou em 2010 e foi estimado que custe somente uns bons 400 biliões de dólares até 2046, deve ser totalmente reformulado para substituir ou actualizar todas as ogivas, sistemas de entrega e infraestruturas correspondentes.

Outras recomendações incluíam a utilização de mais armas nucleares tácticas na Ásia e na Europa, o desenvolvimento de planos para a utilização de algumas ou de todas as ogivas nucleares de reserva dos EUA e a produção de mais bombardeiros furtivos B-21 e de novos submarinos nucleares da classe Columbia, para além dos números actualmente previstos.

Não ficou imediatamente claro se o relatório pressupunha que a Rússia e a China vão ficar sentadas a aplaudir calmamente enquanto os EUA duplicam as suas armas nucleares tácticas na Ásia e na Europa.

O painel também apelou ao aumento da “dimensão, tipo e posicionamento” das forças convencionais dos EUA e dos seus aliados. Se essas medidas não forem tomadas, os Estados Unidos “provavelmente” terão de aumentar a sua dependência das armas nucleares, diz o relatório.

Citado pela Reuters, um alto funcionário envolvido neste ensandecido trabalho, que quis permanecer anónimo, recusou-se a dizer se os relatórios dos serviços secretos do painel revelaram qualquer cooperação entre chineses e russos em matéria de armas nucleares.

“Preocupa-nos que possa haver uma coordenação final entre eles de alguma forma, o que nos leva a esta construção de duas guerras”.

As descobertas colocam em causa a actual estratégia de segurança nacional dos EUA, que preconiza a vitória num conflito e a dissuasão noutro, e – mais importante ainda – exigiriam um enorme aumento das despesas com a defesa, cujo apoio no Congresso é incerto, graças a Deus.

Numa altura em que os juros da dívida dos EUA estão prestes a ultrapassar as despesas com a defesa, mais de 1 trilião de dólares, será pertinente perguntar aos membros da comissão onde raio é que pensam que vão buscar o dinheiro para esta loucura. A resposta vem no prefácio do documento, assinado pela antiga director-adjunta da agência que supervisiona as armas nucleares dos EUA, a democrata Madelyn Creedon, e pelo senador republicano reformado – e neocon assumido – Jon Kyl:

“Reconhecemos as realidades orçamentais, mas também acreditamos que a nação tem de fazer estes investimentos”.

Durante uma conferência de imprensa realizada para divulgar o relatório, Kyl disse que o o regime Biden e o Congresso devem “defender junto do povo americano” o aumento das despesas com a defesa, já que é um “pequeno preço a pagar para evitar” uma possível guerra nuclear envolvendo os Estados Unidos, a China e a Rússia.

Bem entendido: os Estados Unidos têm de duplicar as suas despesas com equipamento nuclear para evitar uma guerra nuclear.

O relatório contrasta com a posição do Presidente dos EUA, Joe Biden, que, para além de estar convicto de que os EUA “são a nação-mais-poderosa-da-história-do-mundo-por-amor-de-deus, acredita que o actual arsenal nuclear americano é suficiente para dissuadir as forças combinadas da Rússia e da China. Mas, ao ritmo a que os muros estão a fechar-se sobre a família Biden, não vai demorar muito até que o decrépito tiranete que actualmente reside na Casa Branca perceba que, para fazer felizes os falcões de Washington e o senhores da guerra do complexo militar e industrial que deveras contribuiu para a sua eleição, terá provavelmente que seguir algumas das recomendações deste tresloucado relatório.

Seja como for, o Contra deve conceder que a única hipótese de os Estados Unidos não perderem uma guerra com a China, a Rússia ou até o Irão é que o conflito seja de ordem nuclear (que na verdade também é, por definição, impossível de ganhar). Porque as hipóteses do Pentágono conseguir uma vitória numa guerra convencional contras estes inimigos é deveras remota. As forças armadas dos EUA são hoje uma espécie de anedota: enfeminados e transexualizados pela doutrina woke, desmoralizados pelos desfechos vergonhosos dos últimos conflitos onde desgraçadamente se enfiaram, humilhados pela Teoria da Crítica Racial, obesos e predispostos ao suicídio, os soldados americanos não atemorizam ninguém.