A conferência “Can Too Big to Fail Be Ended?”, patrocinada pela organização sem fins lucrativos Better Markets, que decorreu no dia 13 de Setembro, foi uma oportunidade única para ficarmos a par do que pensam alguns académicos e peritos que lutaram e lutam na linha da frente dos mercados financeiros, numa era de corrupção continuada, sem precedentes na história económica dos EUA.

De facto, no final da conferência, Anat Admati, professora de Finanças e Economia na Stanford Graduate School of Business, resumiu o sistema financeiro de Wall Street em cinco palavras:

“A corrupção tornou-se o sistema”.

O célebre livro de Admati de 2013, “The Bankers’ New Clothes: What’s Wrong with Banking and What to Do about It”, escrito em co-autoria com o economista alemão Martin Hellwig, terá uma nova edição alargada que será lançada no início de de 2024. A nova edição inclui a cobertura das falências bancárias desta Primavera e quatro novos capítulos: “Demasiado frágil, ainda”, “Resgates e bancos centrais”, “Resgates para sempre” e “Acima da lei?” (o ponto de interrogação é talvez demasiado gentil).

Tendo em conta os seus crimes em série, não é surpreendente que o JPMorgan Chase seja apresentado no capítulo “Acima da Lei?”

Admati e Hellwig debruçam-se sobre o acordo do Departamento de Justiça com o JPMorgan Chase relativamente ao “Whale Scandal“. Nesse caso, o deplorável presidente e director executivo do banco, Jamie Dimon, não perdeu o emprego, apesar de ter utilizado depósitos da sua unidade bancária com garantia federal para fazer apostas monumentais em derivados de alto risco em Londres e perder 6,2 mil milhões de dólares do dinheiro dos depositantes. Esta situação ocorreu apenas dois anos depois do Congresso americano ter aprovado a legislação de reforma financeira Dodd-Frank de 2010, que foi promovida como uma forma de acabar com este tipo de especulação imprudente por parte de bancos com garantia federal e pertencentes a casas de trading de Wall Street.

O episódio, ocorrido em 2012, mostrou claramente que a revogação da Lei Glass-Steagall, em 1999, que impediu durante 66 anos a fusão de casas comerciais e bancos de investimento de Wall Street com bancos comerciais segurados pelo governo federal, foi um erro perigoso. Até o New York Times acabou por pedir desculpa por o seu conselho editorial ter defendido a revogação dessa Lei.

As apostas que o JPMorgan Chase fez com os depósitos com garantia federal foram tão escandalosas que a Subcomissão Permanente de Investigações do Senado dos EUA passou nove meses a investigar o assunto para entregar um relatório final de 300 páginas, que referia o seguinte:

“As transacções Wahle do JPMorgan Chase constituem um caso histórico surpreendente e instrutivo de como os derivados de crédito sintéticos se tornaram uma fonte de risco de vários milhares de milhões de dólares no sistema bancário dos EUA. Demonstram também como práticas inadequadas de avaliação de derivados permitiram que os operadores ocultassem perdas substanciais durante meses a fio; e como práticas de cobertura pouco rigorosas obscureceram a questão de saber se os derivados estavam a ser utilizados para compensar ou assumir riscos. As violações dos limites de risco forma rotineiramente ignoradas; os modelos de avaliação de risco forma manipulados para minimizar artificialmente a incerteza; a supervisão reguladora foi muito facilmente contornada ou bloqueada; e os resultados financeiros foram deturpados para investidores, reguladores, decisores políticos e para o público contribuinte que, quando os bancos perdem muito, pode ser obrigado a financiar resgates de vários milhares de milhões de dólares.”

Desde o desastre de 2012, e sob a direção de Dimon, o JPMorgan Chase admitiu cinco acusações criminais apresentadas pelo Departamento de Justiça dos EUA e celebrou três acordos de acusação diferida e dois acordos de não acusação. E, no entanto, não há qualquer indicação de que o seu apetite pelo crime para aumentar os lucros tenha sido satisfeito. O Procurador-Geral das Ilhas Virgens Americanas apresentou provas credíveis no tribunal federal de Manhattan de que o JPMorgan Chase “participou activamente” no tráfico sexual de menores de Jeffrey Epstein, ignorando uma década de lavagem de dinheiro dentro do banco – a mesma conduta de lavagem de dinheiro que levou o banco a admitir duas acusações criminais em 2014 por décadas de prestação de “serviços” bancários ao mestre da vigarice, Bernie Madoff. Em ambos os casos, o banco não apresentou à Financial Crimes Enforcement Network (FinCEN) os relatórios de actividades suspeitas legalmente exigidos, apesar das comunicações internas mostrarem que estava bem ciente de que as transacções financeiras eram altamente suspeitas.

Não obstante esta onda de crimes sem precedentes no JPMorgan Chase, e a capacidade de Jamie Dimon de se manter ao leme do maior banco dos EUA e de se tornar bilionário com as opções de compra de acções que lhe foram concedidas pelo seu Conselho de Administração, os reguladores federais provaram ser os bajuladores que milhões de americanos suspeitam que sejam, quando permitiram que o JPMorgan Chase aumentasse em 200 mil milhões de dólares o seu capital garantido na Primavera passada.

O professor de Direito da Universidade George Washington, Art Wilmarth, autor de “Taming the Megabanks: Why We Need a New Glass-Steagall Act”, explicou durante a conferência da Better Markets exactamente o que aconteceu nesta Primavera, quando os reguladores entregaram ao JPMorgan Chase o banco falido, First Republic:

“Quando o First Republic faliu, os reguladores não invocaram a excepção do risco sistémico. Na minha opinião, esse foi um erro claro e bastante chocante. Aceitaram a proposta do JPMorgan para comprar a maior parte dos activos e assumir todos os depósitos do First Republic. O JPMorgan registou um lucro de quase 3 mil milhões de dólares com essa transação. O Fundo de Garantia de Depósitos reconheceu uma perda de, pelo menos, 13 mil milhões de dólares, que poderá ser ainda maior, nessa transação. Trata-se de um resultado difícil de explicar e não creio que a Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) o tenha tentado justificar e não creio que o consiga. Assim, o que fizeram foi impor uma perda de 13 mil milhões de dólares ao Fundo de Garantia de Depósitos, que tem de ser reembolsada por todos os bancos, não apenas os grandes, nem sequer os bancos com mais de 5 mil milhões de dólares – todos os bancos -, enquanto davam ao JPMorgan um lucro de 3 mil milhões de dólares; aumentavam a dimensão do JPMorgan em mais de 200 mil milhões de dólares e permitiam que o banco crescesse para mais de 4 biliões de dólares. Ainda por cima, dispensando também qualquer análise anti-trust porque o First Republic Bank era um banco falido, pelo que essa análise não precisava, em teoria, de ser realizada”.

Wilmarth continua explicando que, em muitos aspectos, as falências bancárias da Primavera passada foram uma repetição da crise financeira de 2008 em termos de como os reguladores federais abordaram o problema. O JPMorgan Chase foi autorizado a comprar o maior banco falido durante a crise financeira de 2008, o Washington Mutual, na altura o maior banco falido na história dos EUA. Esta primavera, o JPMorgan Chase foi autorizado a comprar o segundo maior banco falido na história dos EUA – o First Republic Bank.

Tal como em 2008, a Reserva Federal interveio para apoiar bancos com flagrante má gestão, concedendo financiamento de emergência ao abrigo de um programa de empréstimos opaco, em que o nome do banco que contrai o empréstimo e o montante do mesmo não são divulgados durante anos, nos termos da legislação de “reforma” financeira Dodd-Frank de 2010. Desta vez, o programa de resgate do Fed foi chamado de Programa de Financiamento Bancário a Prazo (BTFP) e forneceu empréstimos de até um ano de duração. De acordo com a legislação estatutária, a Reserva Federal só está autorizada a fazer empréstimos de curto prazo contra garantias sólidas. Ao abrigo do BTFP, a Reserva Federal está a eliminar essa ressalva, pagando 100% do valor nominal das obrigações utilizadas como garantia, apesar das obrigações estarem afundadas em termos de valor de mercado.

Quanto à eficácia da promessa de acabar com o too-big-to-fail da legislação de reforma financeira Dodd-Frank de 2010, Wilmarth disse o seguinte:

“Essencialmente, os reguladores fizeram o mesmo jogo que usaram em 2008 e 2009, antes da aprovação da Dodd-Frank. Protegeram todos os depositantes não segurados de grandes bancos de sofrerem perdas e encorajaram a venda de bancos falidos a bancos ainda maiores, intensificando assim as questões too-big-to-fail e fornecendo linhas de liquidez ilimitadas a grandes bancos em dificuldades.”

Wilmarth também levantou a questão do mesmo tipo de falta de responsabilidade que proliferou durante a crise bancária de 2008 e as suas consequências, perguntando:

“Onde está a responsabilidade dos funcionários e directores destes bancos falidos? Tanto quanto sei, não foi tomada qualquer medida contra os administradores ou directores de qualquer um dos três bancos que faliram na Primavera passada: Silicon Valley Bank, Signature Bank e First Republic Bank. Tanto quanto sei, não houve qualquer recuperação dos bónus que receberam com as suas estratégias de alto risco. Mais uma vez, onde está a responsabilidade? Na minha opinião, as promessas da Dodd-Frank tornaram-se letra morta com os acontecimentos deste ano e são necessárias medidas urgentes para alterar esta situação”.

A ação urgente que é necessária reside no título do livro de Wilmarth. Até que a Lei Glass-Steagall seja restaurada, o sistema financeiro dos EUA continuará a ser precariamente mantido com programas de empréstimos de emergência elaborados à pressa pela Fed e fusões bancárias inconcebíveis, organizadas por reguladores desesperados e/ou comprometidos.

A corrupção do sistema financeiro americano continua de vento em popa. Como se 2008 não tivesse acontecido.