Como é que a liberdade de imprensa na UE sobreviveu até agora sem a proteção dos burocratas de Bruxelas? Será que os consumidores dos meios de comunicação social alguma vez se perguntam: “Vou ser muito melhor informado agora que os poderes instituídos afirmam estar a trabalhar para me proteger da ‘desinformação’?”

A lista de sítios Web que requerem um VPN nunca foi tão longa. Por isso, perdoem o cepticismo do Contra quanto à ideia de que os mesmos responsáveis por esta restrição de acesso à informação são protectores da imprensa livre.

Os funcionários da UE estão prestes a aprovar uma nova “Lei Europeia da Liberdade de Imprensa“, promovida como uma iniciativa legislativa para proteger os jornalistas, a sua liberdade e o pluralismo da imprensa, mas que objectiva exactamente o oposto, num exercício de double speak que envergonharia o grande irmão de Orwell, mas que é deveras característico dos poderes corporativos que se cristalizaram no Ocidente do século XXI.

Devemos começar por perguntar como é que esta iniciativa legislativa compagina exactamente com a censura de cima para baixo sobre as vozes publicadas em plataformas que contrariam as narrativas estabelecidas, como a RT, por exemplo, a rede de comunicação social internacional russa.

A justificação da União Europeia para a interdição do acesso ao canal russo é o conflito na Ucrânia, mas já estavam à procura de uma desculpa muito antes disso. Em vez de deixarem que os reguladores nacionais dos meios de comunicação social façam o seu trabalho e citem quaisquer infracções ou provas específicas, estes grandes fãs da liberdade de imprensa e da democracia na UE bloquearam a RT unilateralmente.

Por isso, estão agora a aperfeiçoar uma lei destinada a “promover salvaguardas internas sobre a independência editorial e a transparência da propriedade dos meios de comunicação social” – que a UE nunca esteve muito interessada em promover quando se trata dos órgãos de imprensa corporativos.

Também tencionam introduzir medidas que incluem a proteção dos jornalistas contra o spyware. Mas na verdade o que esta vontade protectora traduz é a legalização da utilização de software de espionagem e hacking pelos governos contra os jornalistas. Mais uma vez, tal como aconteceu com as sanções “anti-russas” e o corte do seu próprio fornecimento de energia russa barata, a UE encontrou uma forma de conseguir precisamente o oposto das suas intenções declaradas.

Governos como o da França estão agora, alegadamente, a pedir isenções específicas e legislação correspondente para o uso estatal de software de vigilância dirigido a jornalistas, nos casos em que estes possam estar a lidar com fontes ou provas que envolvam crimes de “segurança nacional” ou outros crimes graves que possam fazer cair governos como… a pirataria de temas musicais. Exacto – porque a “segurança nacional” nunca foi usada como pretexto para as autoridades ocidentais protegerem os seus próprios interesses contra a dissidência. Que ideias. E estamos a falar de suspeitas de crimes, por isso basta um mero palpite para pôr o telefone de um jornalista sob escuta.

O pedido de isenção também deve levantar suspeitas sobre o que estes governos já estão a fazer sob o pretexto da segurança nacional.

Vários jornalistas franceses, por exemplo, já se manifestaram indignados no passado com o facto de serem espiados pelos serviços secretos ou pela polícia francesa. E para facilitar ainda mais a vida aos serviços de inteligência, uma comissão parlamentar francesa votou recentemente para permitir a activação remota e a geolocalização dos dispositivos tecnológicos de um dado alvo. As revelações sobre a utilização do software de espionagem israelita Pegasus por governos como o de Marrocos, para atingir jornalistas franceses, levantam outros problemas potenciais. Por exemplo, que poder teria a UE sobre países estrangeiros se, por exemplo, um Estado-Membro da UE decidisse subcontratar a vigilância a uma nação não pertencente ao bloco?E como saber qual o Estado que deu a ordem para o fazer?

A inclusão de quaisquer isenções à utilização de software de espionagem pelos Estados-Membros da UE não só anula todo o objectivo declarado da legislação, como também reduz grandemente as hipóteses das fontes falarem com a imprensa ou confiarem nela. Na prática, transforma todos os jornalistas num canal directo e inadvertido de informação para as ‘autoridades’.

Quem é que, no seu perfeito juízo, vai denunciar as irregularidades cometidas por poderosos actores estatais quando um pretexto obscuro pode, teoricamente, ser evocado pelo mesmo Estado para neutralizar o denunciante e a sua história antes que esta possa causar qualquer dano ao establishment? Este parece ser mais um caso em que a UE propõe uma lei relacionada com os meios de comunicação social sob o pretexto de proteger a informação e o discurso, quando na realidade os grandes beneficiários são os poderes instituídos.

Em 2018, a UE decidiu responder à exigência pública de controlo dos meios de comunicação social com uma directiva relativa aos serviços de comunicação social audiovisual. O principal objecivo era controlar o faroeste online, colocando-o sob o controlo da regulamentação audiovisual. Parecia bastante inocente, certo? Aparentemente, Bruxelas interpretou o encolher de ombros colectivo do público como um sinal de encorajamento. Desde então, foram introduzidas várias outras medidas, todas sugestivas do papel proteccionista que a UE tem tentado transmitir aos europeus, numa tentativa de justificar a sua própria existência.

A Lei dos Serviços Digitais tem como objectivo “garantir um ambiente em linha seguro e responsável”, de acordo com a propaganda da UE. Quando o dono do Twitter, Elon Musk, retirou a plataforma do cumprimento voluntário das medidas de moderação e controlo de conteúdos, o Comissário Europeu para o Mercado Interno, Thierry Breton, publicou este tweet:

 

 

O que não parece nada fascista, nem o oposto do tipo de liberdade que a UE pretende defender constantemente.

De acordo com o código da União, as plataformas tecnológicas como o Twitter estão ligadas a “verificadores de factos, à sociedade civil e a organizações terceiras com conhecimentos específicos sobre desinformação”. Por outras palavras, guardiões escrupulosos da narrativa oficial do bloco europeu. E, a 25 de agosto deste ano, a adesão deixará de ser voluntária e passará a ser mandatória, claro. A volição totalitária de Bruxelas não tem rédeas nem pudor.

Se a UE quisesse realmente proteger e incentivar a imprensa livre na Europa, legislava zero. Talvez então, os escassos jornalistas aqui na Europa que tentam dar o seu melhor para informar plenamente o seu público contra as barreiras de informação criadas pelas elites globalistas não tivessem de redirecionar as suas ligações à Internet para locais como o Vietname, o México, a Turquia ou o Brasil, a fim de aceder a informações e fontes de que a UE não gosta.