Esta é uma rubrica muito pessoal, que introduz a banda sonora de uma vida. Não há grandes regras a não ser a de seguir uma sequência (mais ou menos) cronológica, escolher não mais que um disco por banda ou autor e inserir não mais que um videoclipe por álbum, para que a coisa mantenha um tom adequadamente telegráfico.

 

Reggatta de Blanc – Police

O que é que se pode dizer sobre este disco que nunca tenha sido dito ou escrito por alguém? Aluado, inquieto e despenteado, “Regatta de Blanc”, a segunda tentativa de alcançar a perfeição rítmica dos The Police, seria um disparate autista se não fosse uma obra prima. Não é por acaso que, quando pensamos em New Wave, pensamos na banda dos três louros e este disco é mesmo uma onda fresca e insana de possibilidades inéditas, truques de percussão, linhas de baixo que nos levam ao alto, versos secretos, encapsulados em garrafas perdidas no oceano do pop/rock. Quando ouvimos “Walking on the Moon”, somos obrigados ao passo largo do astronauta, como se a gravidade de repente obedecesse aos acordes de Sting e em “The Bed’s Too Big Without You” sentimos de facto a falta da amada, mesmo quando o beliche mal serve o tamanho do corpo único. Este disco está para além de ser iniciático (apesar de não ser o primeiro da banda). A ambição que encerra, a novidade que sugere, a altiva indiferença em relação ao ruído do mundo que traduz, é excessivamente genial para ser comparado ou catalogado. É uma coisa única e insólita. Só possível numa era em que tudo era permitido à criação artística. Foi gravado e lançado em 1979. Há 45 anos. Mas continua novinho em folha, se o ouvirmos agora.

 

AsiaAsia

1982. Quatro músicos lendários (John Wetton dos Uriah Heep, Steve Howe e Geoff Downes dos Yes e Carl Palmer dos Emerson, Lake & Palmer) saem dos anos 70 com uma ideia em mente: fazer rock progressivo num formato que fosse amigável com as estações de rádio, ou seja, com temas que não se estendessem eternamente, que tivessem uma estrutura convencional, com bridge e refrão, e que, já agora, fossem desenhados para conquistar as tabelas de vendas. Resultado: logo à primeira tentativa, 10 milhões de discos vendidos. Bum. E percebe-se perfeitamente porquê. Este primeiro trabalho de estúdio da banda é uma operática e solene e grave maneira de fazer colidir a vertente pop com o virtuosismo instrumental, num registo homérico, quase pretensioso, mas técnica e criativamente irrepreensível. Temas como “Only Time Will Tell” e “Heat of the Moment” vão marcar uma época, inspirar gerações e criar raízes profundas na cultura popular. Há até certos acordes e maneirismos que vão ser literalmente copiados, por muito boa gente. E, neste sentido, podemos dizer que “Asia” é mais que apenas um disco. É uma espécie de plataforma para aventuras futuras.

 

True – Spandau Ballet

Se tivesse que definir esta banda com uma palavra, diria: Classe. Os Spandau Ballet foram produto da cena pós-punk e neo-romântica londrina da transição entre os anos 70 e a década de 80, mas na verdade pareciam saídos do mais posh clube britânico que se possa imaginar. Tony Hadley, o vocalista, era o retrato do perfeito gentil homem, apresentando-se invariavelmente revestido por elegantes fatos de excelsa alfaiataria, e todo o ambiente sonoro que resultava do esforço colectivo transpirava polimento e boas maneiras e cuidados aristocráticos por todo o lado. “True” é um disco tão bem educado que é até impróprio ouvi-lo em cuecas. Precisamos de estar bem vestidos, bem sentados e bem acompanhados (talvez por um copo de bom malte escocês) para o ouvir como ele merece ser ouvido. É uma coisa tremendamente civilizada, que, podendo ser dançável, recomenda a cortesia de um cadeirão novecentista. E romântico, como por definição é, não deixa de ser britânico até à raiz da pauta, pelo que não é dado a promiscuidades. É conservador, sofisticado e snob. É nostálgico, desde o momento em que foi gravado.