O amigo leitor certamente terá ouvido, algum dia, os acordes da clássica canção de Louis Armstrong “What a Wonderful World”. Não sou exactamente o maior admirador deste trumpetista – sua voz soa-me como a de um monstro, no “Muppet Show” – mas tudo, em tal melodia e letra, me remete a tempos onde a humanidade era, realmente, civilizada.
Dos reinos e impérios de tempos imemoriais até meados da década de sessenta vivemos, nos grandes centros e nos burgos mais bem-sucedidos, rodeados pelo conforto e civilidade não só das conquistas humanas como, também, pela evolução do convívio em sociedade e suas normas básicas de conduta – sim, eis que não há convivência possível sem um mínimo de etiqueta e compostura.
Crianças e jovens almejavam ser adultos o mais breve possível, para que pudessem desfrutar do maravilhoso mundo que os rodeava. Desejavam usar boas roupas, dirigir carros, ir a bailes em companhia de glamorosas senhoritas, beber whiskies e fumar cigarros, preferencialmente com o sorriso cínico dos galãs de cinema.
Já os adultos – à parte a luta cotidiana pelo sustento e progresso de suas carreiras – orgulhavam-se de ser quem eram, tendo como últimas ambições uma bela aposentadoria rodeada de netos, bem como plenos da sabedoria e experiência de vida, que só os anos trazem.
As cidades eram limpas e funcionavam, os códigos de conduta facilitavam sobremaneira a interação social – sabíamos exatamente como nos portar, como agir, o que fazer e dizer na maioria das situações – e tudo seguia dentro de uma normalidade segura e tranquilizante, em nada permeável a sobressaltos, indecências ou escândalos revolucionários de comportamento e fatos cotidianos.
Mas um dia o empreendedorismo norte-americano descobriu alguns jovens, que haviam conseguido combinar a música negra com o regionalismo country e inventado o rock and roll. Tal receita – agitada, balançante e extravasadora de hormônios – caiu sob medida no colo da garotada yankee, meninada essa com os bolsos cheios de dinheiro fornecido pelas mesadas de seus pais, prósperos trabalhadores em um mercado pós-guerra em ebulição.
O teor comportamental subversivo do rock não passou despercebido aos comunistas locais, que prontamente reportaram o fato aos cabeludos ouvidos de uma KGB e a receita final – criada em laboratório – logo ficou pronta: era preciso louvar o jovem, dar poder a eles e, por fim, estabelecê-los como o “fiel da balança” nas questões mundiais. Sim, a sabedoria estava com os jovens!
Auxiliado por terapeutas e psicólogos esquerdistas, que preconizavam que pais e mães jamais contrariassem seus filhos, tal intento formou gerações que acreditavam piamente terem nascido já com todas as respostas para todas as questões do mundo – e daí para contestar o sistema vigente foi um pulo.
Tal contestação ganhou um corpo global em meados dos anos 60, com a mais perversa ideologia travestida de “nova consciência”: o movimento hippie. Logo, o que era velho não prestava; as regras – fossem quais fossem – não mais valiam e eram apenas “rematada hipocrisia”; as cidades eram centros de opressão e foram objeto de seus desprezos, sendo pichadas e vandalizadas até os dias de hoje. E o resultado de tudo isso, mesmo com o fim do movimento hippie, foi na posse da sabedoria pelos jovens e a exaltação de suas imaturidades.
Hoje ninguém mais ambiciona ser adulto: crianças, adolescentes e homens feitos vestem-se – e comportam-se – exatamente da mesma maneira; o passar dos anos e suas marcas físicas é tido como vergonhoso, bem como a sabedoria oriunda é abertamente desprezada, rotulada como nocivo “fascismo”, “reacionarismo” ou quaisquer coisas retrógradas que o valham.
O aspecto das pessoas nas ruas lembra um depósito de mendigos, bem como a paisagem urbana é decrépita, arruinada. Comportamo-nos como trogloditas, usamos vocabulário de marginais e nenhuns objetivos de vida jamais foram cogitados.
Sim, o mundo hoje é bárbaro e feio, a civilização ruiu – mas viva os jovens e abaixo os velhos!
Que o leitor perdoe a digressão pessoal a seguir, mas confesso-me uma alma velha. Sim, um “old soul” anacrônico, deslocado em um barbarismo decrépito, sem regras ou leis, e sempre controlado pela inevitável dependência da internet, que todos – em maior ou menor grau – possuímos.
Os modos que aprendi quando criança são objeto de deboche. Minhas ambições são ridicularizadas e mesmo aspirações materiais – carros, etc – não mais se fabricam. As músicas que escuto são de décadas atrás, com raríssimas exceções, e as roupas que uso são, hoje em dia, de velho.
Sim, com meus 60 anos sou um velho. Mas reconheço-me ancião desde os 20, nos anos 80, quando dirigia meu Ford Mustang 1965 e escutava Creedence Clearwater ao invés de U2.
Creio, entretanto, não ser o único “old soul” no mundo, e atrevo-me a pensar que seremos nós, com nosso anacronismo, que poremos ordem na casa quando o pior acontecer.
Consolo-me com a letra da canção “Rich Men North of Richmond”, de Oliver Anthony – “what a damn ol sould”, como eu. Segue um trecho:
“Livin’ in the new world
With an old soul
These rich men north of Richmond
Lord knows they all just wanna have total control
Wanna know what you think
Wanna know what you do
And they don’t think you know
But I know that you do
‘Cause your dollar ain’t shit
And it’s taxed to no end
‘Cause of rich men north of RichmondI’ve been sellin’ my soul, workin’ all day
Overtime hours for bullshit pay”
WALTER BIANCARDINE
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Walter Biancardine foi aluno de Olavo de Carvalho, é analista político, jornalista (Diário Cabofriense, Rede Lagos TV, Rádio Ondas Fm) e blogger; foi funcionário da OEA – Organização dos Estados Americanos.
As opiniões do autor não reflectem necessariamente a posição do ContraCultura.
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