Billy The Kid: o menino sanguinário.
“Nunca fui líder de nenhum gangue. Fui sempre pelo Billy.”
William Henry McCarty Jr. (1859-1881), eternizado como Billy The Kid e também conhecido por William H. Bonney, era um adolescente impertinente, ignorante e impetuoso, para quem a dúvida cartesiana se consubstanciava em cuspir no bourbon ou matar o barman. Embora se tenha gabado de ter abatido cerca de duas dúzias de homens, provavelmente não assassinou mais que dez, antes de ser morto a tiro, aos 21 anos, pelo xerife Pat Garrett.
Não se sabe grande coisa sobre os primeiros anos da sua vida, mas é um facto que nasceu nas favelas da cidade de Nova York e que ficou órfão aos 15 anos. Aos 16, já tinha sido preso por duas vezes. Escapado da prisão e irrequieto por natureza, transitou para o Oeste, onde viveu os seus escassos dias como fora-da-lei e pistoleiro.
No Novo México, assaltou uma lavandaria chinesa e por isso foi perseguido pelas autoridades locais. Fugindo para o Arizona, trabalhou como vaqueiro e tentou iniciar uma carreira como ladrão de cavalos, interrompida quando decidiu matar o ferreiro Francis P. “Windy” Cahill, depois de uma troca de insultos num bar. De novo perseguido pela justiça, regressou ao Novo México.
Soldado numa das facções da “Guerra do Condado de Lincoln”, em 1878, aproveitou o balanço da violência generalizada para assassinar os xerifes George W. Hindman e William J. Brady, o caçador de búfalos Buckshot Roberts e o contabilista Morris Bernstein. Atraído por uma proposta de amnistia à condição de prestar testemunho contra vilões ainda mais ferozes, foi encarcerado na prisão de Lincoln, mas depois de perceber que tinha caído numa armadilha, arranjou maneira de escapar.
Depois disto esteve, surpreendentemente, 2 anos sem arranjar sarilhos até que em Janeiro de 1880 voltou a matar, desta vez o pezinho mole Joe Grant, que lhe mexeu com os nervos num saloon de Fort Sumner. Em Novembro desse ano, com a cabeça a prémio e perseguido por um grupo de homens liderado pelo xerife James Carlysle, Billy entrou por um rancho a dentro e fez reféns. Como Carlysle se oferecesse para ser trocado pelos inocentes, Billy aceitou o negócio e assassinou o xerife com três tiros à queima roupa.
Capturado, julgado e condenado pelo assassinato do xerife William J. Brady, em Abril de 1881, consegui ainda assim voltar a fugir da prisão, terminando no processo a vida de mais um infeliz, o delegado James Bell. Poucos dias depois, porém, o mesmo xerife que o tinha capturado e conduzido a tribunal, Pat Garreth, encontrou-o nos arredores de Fort Sumner, preparou-lhe uma emboscada e matou-o com um tiro no coração. Estava terminada uma dos mais breves e brutais lendas do faroeste.
Jesse James: um Robin Wood ao contrário.
“Esperámos imenso tempo para apanhar o Jesse sem os seus revólveres.”
Robert Ford, o infame assassino de Jesse James
Jesse Woodson James (1847-1882), um dos mais famosos fora da lei do Oeste americano, começou por ser um guerrilheiro confederado, para depois se profissionalizar como líder de um bando de malfeitores, especializados em assaltos chorudos. Roubava aos ricos, mas menos para dar aos pobres do que para pagar as contas do saloon e as meninas do espectáculo.
Durante a guerra civil cometeu toda a espécie de crimes sobre os civis abolicionistas e a soldadesca inimiga, incluído o tristemente célebre massacre de Centralia, em 1864, em que foram chacinados 24 soldados da União, quando se encontravam sob prisão e desarmados.
Depois da guerra, para entreter o tédio, Jesse James e o seu irmão Frank incorporaram-se em vários bandos que se dedicavam a roubar bancos, diligências e comboios, um pouco por todo o Midwest.
Entre 1866 e 1876 operaram com o seu próprio gangue, e com bastante sucesso. Quando, como resultado da tentativa de assalto a um banco em Northfield, Minnesota, vários membros da quadrilha foram capturados ou mortos, os irmãos James teimaram por vários anos no seu percurso criminoso, recrutando novos membros, mas ficaram a partir daí sob crescente pressão das instâncias judiciais.
A 3 de Abril de 1882, Jesse James foi baleado e morto por Robert Ford, um novo recruta do bando que esperava receber uma recompensa pela cabeça de James e uma amnistia prometida pelos seus crimes anteriores. Ford acabou por morrer dez anos mais tarde, ao provar do seu próprio remédio, com um tiro no pescoço.
Para além dos cadáveres que deixou como soldado e guerrilheiro, Jesse James esteve envolvido em, pelo menos, 6 homicídios: o do estudante de 17 anos, George C. “Jolly” Wymore, o do Governador do Missouri, Thomas Clement Fletche, o do Mayor de Richmond, Charles Williamson, o do funcionário de um banco em Gallatin, Missouri, Capitão John Sheets, o de outro bancário em Northfield, Mississipi, Joseph Lee Heywood, e o do imigrante sueco Nicholas Gustafson, na mesma localidade.
Apesar dos retratos populares de Jesse James como uma personificação de Robin Hood, roubando aos ricos para dar aos pobres, este é um caso de revisionismo ultra-romântico, já que não há absolutamente nenhuma evidência de que ele ou o seu bando tenham compartilhado qualquer produto dos seus roubos fosse com quem fosse exterior às suas relações directas. Ainda assim, continua a ser uma das figuras mais famosas da época, e a sua vida foi dramatizada inúmeras vezes. O que não faltam, de resto, é facínoras transformados em heróis, na história rocambolesca e sanguinária do Oeste selvagem.
Sitting Bull: de profeta Sioux a guerrilheiro de circo.
“Quando era rapaz, os Sioux eram donos do mundo. O sol nascia e morria nas suas terras. Depois, enviaram dez mil homens para a guerra. Onde estão hoje esses guerreiros? Quem é que os matou? Onde estão as nossas terras? Quem é que é dono delas?”
Depois de chacinar todos – mas mesmo todos – os soldados do Sétimo de Cavalaria, em Little Bighorn, Sitting Bull (1831-1890) acabou rendido aos seus inimigos e chegou a trabalhar como palhaço na grandiosa produção teatral de uma outra lenda do faroeste: Buffalo Bill. A ironia não lhe deve ter escapado.
O líder dos Hunkpapa Lakota conduziu o seu povo durante anos de resistência contra as políticas e as forças militares do governo dos Estados Unidos. Nas primeiras guerras de rebelião, entre 1866 e 1868, as “Red Cloud Wars”, a sólida aliança entre os Sioux, os Cheyenne e os Arapaho permitiu uma sucessão de ataques bem sucedidos aos fortes da União, nos territórios de Wyoming e Montana. Nessa altura, Sitting Bull e os guerreiros que comandava cometeram atrocidades generalizadas sobre civis e soldados por igual.
Decidido a terminar esses horrores e castigar os responsáveis, o governo americano enviou o seu regimento de elite, com o firme intuito de esmagar a rebelião índia. Antes da Batalha de Little Bighorn, Sitting Bull teve uma visão em que muitos soldados, “gordos como gafanhotos”, caíam de cabeça para baixo sobre o seu acampamento, o que o seu povo tomou como o prenúncio de uma grande vitória. Cerca de três semanas depois, a 25 de Junho de 1876, as tribos Lakota e Cheyenne aniquilaram o 7ª de Cavalaria sob o comando do tenente-coronel George Armstrong Custer, parecendo confirmar a visão profética de grande chefe índio.
Mas a resposta do governo dos EUA voltou a não se fazer esperar e logo no ano seguinte foram enviados milhares de soldados para os territórios rebeldes, forçando muitos dos Lakota à rendição. Sitting Bull recusou a capitulação, levou um grupo de 147 nativos para além da fronteira norte e lá permaneceu até 1881, quando, subjugado pelo frio, a fome e o desespero, cedeu definitivamente.
Em 1885, foi autorizado a deixar a reserva onde estava confinado para fazer parte do elenco do “Wild West Show”, de Buffalo Bill. Mas se bem que o mundo do espectáculo o fascinasse, a integração na sociedade americana continuou a não correr nada bem. Quando voltou para a reserva no sul do Dakota, o agente do Indian Service em Fort Yates, James McLaughlin, temendo que o líder Lakota aderisse ao movimento rebelde “Ghost Dance”, ordenou sua prisão. Durante a luta que se seguiu entre os seguidores de Sitting Bull e as forças governamentais, o lendário Sioux foi baleado na cabeça. Um fim honroso para um guerreiro lendário.
Buffalo Bill: o aventureiro que fez do Oeste selvagem o maior espectáculo do mundo.
“Homens de fronteira, bons ou maus, pistoleiros renegados e inspirados profetas, foram os meus companheiros de acampamento. E por isso, conheço o país sobre o qual escrevo como poucos homens ainda vivos o conheceram.”
William Frederick “Buffalo Bill” Cody (1846 – 1917), soldado, maçon, condutor de diligências, caçador perito e batedor supersticioso, protagonista das mais inverosímeis aventuras e actor de si próprio, é um dos personagens primeiros da grande ópera do Oeste, tendo vivido mais vidas do que as que são reservadas a um mortal e, antes de se tornar globalmente conhecido pelo espectáculo circense que apresentou nas mais diversas geografias planetárias, foi factualmente o homem dos setes (vezes sete) ofícios.
Buffalo Bill começou a trabalhar aos onze anos, após a morte de seu pai, participou na Corrida ao Ouro da Califórnia e foi piloto do Pony Express aos 15 anos. Durante a Guerra Civil Americana, serviu a União de 1863 até o fim do conflito, em 1865. Mais tarde, operou como batedor civil para o Exército dos EUA durante as guerras com os índios, recebendo a Medalha de Honra do Congresso em 1872.
Ganhou a sua alcunha – e uma nova profissão – quando conseguiu fechar um contrato chorudo de abastecimento de carne de búfalo à Kansas Pacific Railroad. Cody era um caçador de produtividade arrepiante, responsável por mortandades que hoje consideraríamos obscenas, já que apenas em 18 meses, entre 1867 e 1868, chacinou 4.282 animais. A pretexto de preservar os direitos exclusivos sobre o nome pelo qual já era reconhecido e do qual dependia a sua reputação e personalidade mediática, Buffalo Bil exterminou, num concurso de tiro em que defrontava outros reputados pretendentes à coroa sanguinolenta, 68 animais no hiato de 8 horas.
A carreira artística de Buffalo Bill começou aos 23 anos, quando já participava em pequenos espectáculos teatrais que encenavam as aventuras e desventuras dos territórios de fronteira e dramatizavam batalhas contra os indígenas. Em 1883, montou o seu próprio circo e levou o Buffalo Bill’s Wild West Show em tour pelos Estados Unidos. A partir de 1887, apresentou-o na Grã-Bretanha e na Europa continental. Ao longo dos anos, fizeram parte do elenco personagens lendários como Sitting Bull, Wild Bill Hickock, Calamity Jane, Annie Oakley e Frank Butler.
No fim do século XIX, rico e famoso, Buffalo Bill assentou, fundou a cidade de Cody, dedicou-se à agricultura e foi responsável por um dos primeiros projectos de irrigação de terras agrícolas na história dos Estados Unidos. Morreu de causas naturais em 1917 e foi enterrado em Denver, com pompa, circunstância e elogios fúnebres do Rei Jorge V, do Kaiser Guilherme II e do Presidente Woodrow Wilson.
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Vol. I desta série
Vol. III desta série será publicado a 30 de Março de 2024
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