O poeta Anatole France repetiu incessantemente que “a lei, na sua majestosa igualdade, proíbe tanto os ricos como os pobres de dormir debaixo das pontes, de mendigar nas ruas e de roubar pão”. O que France certamente não previu é que um país inteiro – e um país ostensivamente progressista – decidiu levar o seu sarcasmo ao pé da letra e à sua conclusão natural.
Desde o ano passado, a lei canadiana, em toda a sua igualitária majestade, assiste e financia o suicídio de ricos e pobres, quando, no entender do regime, são excessivamente destituídos para continuar a “viver com dignidade”. O que não faz é gastar dinheiro que lhes permita essa digna existência.
Porque os regimes elitistas-globalistas do neo-liberalismo são promotores da morte, favorecendo invariavelmente a eutanásia, o aborto, as vacinas Covid, o controlo da natalidade, a esterilização das populações desfavorecidas, a guerra, o empobrecimento da classe média e a ideologia de género; variáveis – todas elas – conducentes à falência demográfica do Ocidente (ou da população branca do Ocidente, para sermos mais precisos).
Em 2015, o Supremo Tribunal do Canadá reverteu 22 anos da sua própria jurisprudência ao declarar inconstitucional a proibição do suicídio assistido no país, rejeitando alegremente os receios de que a decisão iniciasse um tenebroso caminho para o homicídio patrocinado pelo estado sobre os mais vulneráveis. No ano seguinte, o Parlamento promulgou legislação que permitia a eutanásia, mas apenas para aqueles que sofriam de uma doença terminal cuja morte natural era “razoavelmente previsível”.
Foram necessários apenas cinco anos para a queda deste princípio “humanista” num inferno de práticas criminosas se tornasse evidente, quando o parlamento canadiano promulgou o projecto-lei C-7, uma lei de eutanásia abrangente que revogou o requisito “razoavelmente previsível” – e também o requisito de que a doença fosse “terminal”. Agora, desde que alguém sofra de uma doença ou deficiência que “não possa ser aliviada em condições que considere aceitáveis“, pode beneficiar gratuitamente daquilo que é eufemisticamente designado como “assistência médica na morte” (MAID).
Os canadianos descobriram rapidamente que, embora fossem saudáveis e preferissem viver, eram demasiado pobres para melhorar as suas condições de vida de forma “aceitável”.
Não por acaso, o Canadá tem uma das mais baixas despesas com cuidados sociais de qualquer país industrializado, os cuidados paliativos só são acessíveis a uma minoria e os tempos de espera no sector público de saúde podem ser insuportáveis, ao ponto de o mesmo Supremo Tribunal que legalizou a eutanásia ter declarado, em 2005, esses longos períodos de espera como uma violação do direito à vida.
Muitos profissionais do sector da saúde chegaram à mesma conclusão. Mesmo antes do projecto-lei C-7 ter sido promulgado, os relatos de abusos eram frequentes. Um homem com uma doença neurodegenerativa testemunhou perante o Parlamento que enfermeiros e um especialista em ética médica de um hospital tentaram coagi-lo a suicidar-se, ameaçando-o de falência com custos adicionais ou expulsão do hospital, e negando-lhe água durante 20 dias.
Como o Contra já documentou, uma veterana das forças armadas, deficiente motora, solicitou ao Estado canadiano que lhe instalasse um elevador na residência de dois pisos. O governo informou-a que não podia ajudar a satisfazer essa necessidade, mas que se a senhora quisesse morrer, teria todo o prazer em prestar-lhe a assistência necessária.
Praticamente todos os grupos de defesa dos direitos dos deficientes do país se opuseram à nova lei. Sem qualquer efeito: por uma vez, o governo achou conveniente ignorar estes grupos, de resto impecavelmente progressistas.
Desde então, as coisas só têm piorado. Em Ontário, uma mulher foi forçada à eutanásia porque o subsídio de habitação não lhe permitia obter uma casa melhor, que não agravasse as suas alergias incapacitantes. Outra mulher deficiente pediu para morrer porque “simplesmente não tem meios para continuar a viver”. Outra procurou a eutanásia porque a dívida relacionada com a Covid a deixou incapaz de pagar o tratamento que mantinha a sua dor crónica suportável.
Sob o actual governo, os canadianos deficientes receberam 600 dólares de assistência financeira adicional durante a Covid; os estudantes universitários receberam 5.000 dólares.
Quando a família de um deficiente de 35 anos, que recorreu à eutanásia, chegou ao lar onde ele vivia, deparou-se com “urina no chão… pontos onde havia fezes no chão… pontos onde os pés ficavam colados. Por exemplo, se estivéssemos à cabeceira da cama e nos afastássemos, o nosso pé ficava literalmente preso”. De acordo com o governo canadiano, a lei do suicídio assistido tem por objectivo “dar prioridade à autonomia individual dos canadianos”; mas podemos e devemos interrogar-nos sobre a autonomia de um homem deficiente, deitado na sua própria imundície, ao ponderar a morte em vez da vida.
O dinheiro fala. A imprensa não.
Apesar da insistência do governo canadiano de que o suicídio assistido tem tudo a ver com a autonomia individual, também tem estado atento às suas vantagens fiscais. Mesmo antes de o projecto-lei C-7 ter entrado em vigor, o responsável pelo orçamento do Parlamento canadiano publicou um relatório sobre as poupanças que iria criar: enquanto o antigo programa MAID poupava 86,9 milhões de dólares por ano – uma “redução líquida de custos”, nas palavras sinistras do relatório – o C-7 iria criar poupanças líquidas adicionais de 62 milhões de dólares por ano. Os cuidados de saúde, em particular para os que sofrem de doenças crónicas, são dispendiosos; mas o suicídio assistido custa ao contribuinte apenas 2.327 dólares por “caso”. E, claro, aqueles que têm de depender totalmente do sistema público de saúde representam um fardo muito maior para o erário público do que aqueles que têm poupanças ou seguros privados. Matar os pobres faz todo o sentido contabilístico.
E, no entanto, os meios de comunicação social canadianos, generosamente subsidiados pelo regime Trudeau, têm manifestado, com algumas honrosas excepções, muito pouca curiosidade acerca do aberto assassínio de cidadãos destituídos, num dos países mais ricos do mundo. Talvez, como muitos médicos, os jornalistas tenham medo de serem acusados de não serem tão progressistas como deviam por questionarem a nova cultura da morte, uma acusação fatal nos círculos elitistas deste desgraçado país. A emissora pública canadiana, que em 2020 garantiu aos canadianos que não havia “qualquer ligação entre a pobreza e a escolha da morte medicamente assistida”, pouco tem a dizer sobre os desenvolvimentos subsequentes.
No próximo ano, as comportas abrir-se-ão ainda mais quando as pessoas que sofrem de doenças mentais – outro grupo desproporcionalmente pobre – se tornarem elegíveis para o suicídio assistido, embora médicos e enfermeiros mais entusiastas se tenham antecipado à lei. E até já se fala em permitir que os “menores maduros”, ou seja, adolescentes, também tenham acesso à eutanásia – talvez a pensar nas poupanças que o estado conseguirá obter pela eliminação dos custos de segurança social inerentes ao percurso vivencial dos mais jovens. No fim do processo, o estado canadiano irá por certo começar a matar crianças.
Um quarto dos canadianos apoia a eutanásia para pobres e sem-abrigo. Metade, defende o processo quando destinado a pessoas com deficiência.
O regime progressista e a mentalidade liberal prevalecente no Canadá, em concomitância com a hostilidade declarada às religiões cristãs, outrora dominantes no país, conduziu as massas a extremos niilistas, e milhões de canadianos consideram agora que os sem-abrigo e os pobres devem ser elegíveis para uma morte sancionada e financiada pelo Estado.
Uma sondagem divulgada em Maio do ano passado revelou que mais de um quarto dos canadianos considera que a pobreza ou as dificuldades em encontrar habitação são razões suficientes para um médico injectar um cocktail de medicamentos mortais em alguém.
Um número ainda maior de inquiridos afirma que o suicídio assistido deve estar disponível para pessoas com deficiências (50%), doenças mentais (43%) ou que não possam receber tratamento médico (51%).
Este horror à pobreza, este nojo às dificuldades e aos dramas que são próprios da existência, esta incapacidade de investir na melhoria das condições de vida dos mais desfavorecidos, preferindo o seu assassinato, é, talvez (porque não faltam no país outras variáveis tenebrosas), a demonstração conclusiva do inferno em que se transformou o Canadá.
Mais de 10.000 pessoas terminaram as suas vidas ao abrigo da lei C-7 em 2023.
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