Neste inacreditável artigo da Wired, fantasia-se um mundo sem gente branca, a propósito de um estapafúrdio romance em que as pessoas desta compleição sofrem uma súbita e inexplicável alteração no pigmento epidérmico.

O romance consegue, ainda assim e aparentemente, ser menos detestável que o artigo e, ficção à parte, um futuro sem pessoas brancas com que a redacção da revista sonha todos os dias implica um momento de extermínio, certo?

Ou, no mínimo, a miscigenação ou a esterilização forçadas. À escala global.

O próprio autor da recensão crítica ao livro de Mohsin Hamid reconhece que os brancos, mesmo que a sua pele mude de cor, vão continuar a ser insuportavelmente brancos. E está-se mesmo a ver que terá que ser encontrada uma solução final para esta tenebrosa brancura, que traz ao mundo a soma de todos os males.

“A transformação merece ser explorada. E se a brancura desaparecesse de repente? A ordem social da vida seria desfeita? Alguma coisa mudaria?”

Claro que não e não há nada a fazer. Na perspectiva de Jason Parham, os brancos, mesmo que sejam negros, continuam a ser brancos. E como brancos serão racistas e privilegiados, mesmo que não tenham consciência do preconceito, que não registem prática de discriminação ou usufruam do privilégio (como redactor da Wired, Jason Parham deve viver melhor que 60% dos brancos na América, independentemente da cor da sua pele). Os brancos são inerentemente brancos, logo são inerentemente racistas. E inerentemente privilegiados. Não é difícil ler as entrelinhas deste texto absolutamente imbecil:

Para que não nos esqueçamos, a identidade é mais do que um distintivo de carne. A brancura diminui fisicamente, mas nunca desaparece completamente. Tem um controlo psicológico. As novas “pessoas negras” do épico de Hamid parecem abraçar perspectivas diferentes, mas, na verdade, o que aconteceu foi mais uma troca de roupa do que um ajustamento da alma. A transformação é uma miragem, um dispositivo através do qual as personagens falam, mas que nunca aceitam verdadeiramente. Funcionam numa espécie de arrastamento cultural, sepultados num eu irreconhecível, uma espécie de elegia viva da sua anterior brancura. O que antes era marcado como diferença não é compreendido de novo; em vez disso, continuam a ver através de olhos brancos, apesar da sua pele castanha.

Há-de ser deveras difícil escrever um parágrafo mais racista que este. A discriminação racial, o genocídio étnico ou a prática de engenharia social de base eugénica estão agora no campo das possibilidades, no caminho para a utopia.

E, por puro exercício retórico, vamos supor que um romancista escrevia esta mesma história, mas com uma diferença de detalhe: as pessoas que começavam a mudar de pigmento eram os negros. Seria a Wired ainda assim capaz de lhe fazer o elogio?

É claro que não. Os activistas desta revista que um dia até já foi bem gira saltavam logo para as redes sociais com exigências de censura, pelo menos.

Dizia o outro que a história não se repete, mas que rima. Digo eu que rima, sim, mas que se repete, também.

A rapaziada dos Lotus Eaters trata o assunto, e a forma como a novela de Mohsin Hamid tem sido sublimada pela imprensa corporativa, como o assunto deve ser tratado: com escárnio e mal dizer.