Perante a infantilidade dos mais proeminentes ateus que a desgraçada civilização ocidental tem para oferecer nos tempos que correm danados, São Tomás de Aquino levanta-se do seu sagrado túmulo e, através da razão e da lógica, arruma-os na gaveta onde se guardam as ideias tontas.

 

Um equívoco sobre a natureza de Deus.

Demasiadas vezes cometemos o erro de pensar que Deus é simplesmente o Ser mais poderoso do universo – como nós, só que sem as nossas limitações. Mas esta visão errónea, popular mesmo entre os teístas, é responsável em parte pelo triunfo dos ateus e pelo seu desdém para com aqueles que afirmam a existência de Deus. Um exemplo prototípico desse desdém provém do biólogo evolucionista Richard Dawkins, que afirmou:

“Há quem diga que, porque a ciência pode explicar quase tudo mas não tudo exactamente, é errado pensar que não precisamos de Deus. Também é, suponho, errado dizer que não precisamos do Monstro do Esparguete, dos unicórnios, de Thor, de Júpiter, ou de fadas no fundo do jardim. … Se não há a mínima razão para acreditar em nenhuma dessas coisas, porquê o incómodo? O ónus é de alguém que diz, quero acreditar em Deus, no Monstro do Esparguete Voador, nas fadas, ou seja lá no que for. Não nos cabe a nós refutá-lo.”

Eis a concepção defeituosa, para não dizer imbecil, de Deus em todo o seu miserável esplendor. Como unicórnios, monstros de esparguete e fadas, Dawkins assume que Deus é apenas mais um ser no universo – um ser que simplesmente não foi descoberto pela ciência e que, portanto, não deve existir. No entanto, não parece ter ocorrido a Dawkins que Deus pode não ser o tipo de coisa que se esconde algures no cosmos, simplesmente à espera de uma descoberta científica. De facto, como veremos, teístas clássicos como Aquino nunca tiveram uma visão tão caricatural de Deus.

É por isso que a melhor maneira de começar discussões desta natureza é pela pergunta: “O que é Deus?” Só então saberemos exactamente o que (ou quem) estamos a dizer que existe (ou não existe).

De facto, não seria surpresa para alguém como Aquino que a ciência moderna não tenha conseguido encontrar o deus que Dawkins propôs ou o céu que Sam Harris, recorrendo a um nível retórico de quarta classe mal tirada, quer ver com um telescópio.

 

 

Para Aquino, Deus não é um ser residente neste tempo e neste espaço. Sendo causa e razão deste tempo e deste espaço está para além dessas coordenadas. Por conseguinte, a ciência, que observa e categoriza o mundo material, não pode julgar questões sobre a existência de Deus. Procurar Deus no Cosmos que Deus criou é o mesmo que procurar a presença física do programador no código que escreveu. Boa sorte.

Como os filósofos clássicos compreenderam durante milénios, Deus não existe no mundo, mas na plenitude da própria existência. Por outras palavras, o criador não existe connosco, limitado às quatro dimensões da nossa realidade material, mas é a fonte e o sustentáculo de tudo o que existe, incluindo o próprio universo. Portanto, não é de admirar que a ciência, que de qualquer forma está de tal forma embrulhada nas suas contradições teóricas e falências técnicas que tem cada vez mais dificuldade em dominar até os mais básicos conhecimentos sobre a matéria, não o tenha encontrado à espreita algures nas profundezas do cosmos ou nas infinitudes da realidade sub-atómica.

 

O papel da razão.

No entanto, embora a ciência não possa descobrir Deus, Aquino mostrou que a razão pode, de várias formas.

De facto, as suas “Cinco Vias” incluem argumentos de Movimento (ou mudança), Causa, Contingência, Graus de Ser e Ordem, que o Contracultura já dissecou aqui. Vale a pena notar que Aquino não emprega um raciocínio probabilístico. Ou seja, ele não argumenta que é provável que Deus exista. Pelo contrário, emprega um método de demonstração filosófica tal que, se o seu raciocínio for sólido, a existência de Deus decorre necessariamente (não provavelmente) das premissas. As cinco vias de Tomás de Aquino provam não que Deus pode muito bem existir, mas que ele deve absolutamente existir. Caso contrário, o mundo trazido até nós pelos nossos sentidos simplesmente não teria razão de ser.

Este raciocínio não só nos leva a Deus, mas também nos ajuda a desembrulhar os atributos que necessariamente daí decorrem, atributos tais como unicidade, perfeição, omnisciência, omnipotência, imutabilidade, eternidade e bondade.

O conhecimento destes atributos vem em parte através do conhecimento de Deus por negação – por saber o que Deus não é. Por exemplo, sabendo que Deus não existe dentro do tempo, sabemos que deve, portanto, existir completamente fora do tempo (que é eterno).

No entanto, o nosso conhecimento de Deus não está inteiramente limitado à negação. Podemos, por exemplo, falar de Deus por analogia, dado que vemos certas qualidades exibidas universalmente no nosso mundo, e também dado o princípio de que os efeitos devem, de alguma forma, residir dentro da sua causa. Por outras palavras, algo não pode vir do nada.

A física contemporânea ainda não respondeu a uma pergunta muito simples e fundamental: porque é que existe alguma coisa em vez de nada? Mas a resposta já foi dada há muito tempo, por crentes convictos como S. Tomás de Aquino, Santo Agostinho e Santo Anselmo. E ao contrário do que é hoje aceite como dogma inquestionável pelas elites bem pensantes, a razão está intimamente ligada à convicção religiosa.

Em 1959, Carl Jung foi questionado por John Freeman num talkshow da BBC se acreditava em Deus. O genial pensador respondeu:

“Não preciso de acreditar. Eu sei.”

Não é por acaso que, como o Contra já problematizou, o Evangelho de João, no original grego, começa pela afirmação de que

No princípio era o logos.

Antes até de Deus, João evoca a razão e a forma de a expressar.

Por outro lado, a presença do mal absoluto no mundo pode – e deve – também levar-nos à conclusão de que o seu oposto será da mesma forma imanente: e o bem absoluto é uma das mais perfeitas formas de definirmos o Deus cristão.

 

O problema de um ‘Deus das Lacunas’.

É lamentável, mas as pessoas são hoje mais desconhecedoras do pensamento filosófico de Aquino do que eram antes do Iluminismo, muito porque a filosofia perdeu entretanto o elevado estatuto que reteve durante milénios. Como resultado, quando os teístas defendem Deus hoje em dia, dão muitas vezes argumentos “probabilísticos”. Estes argumentos tendem a partir do conhecimento científico actual e prosseguem argumentando que Deus explica melhor as descobertas físicas ou biológicas do que uma explicação naturalista.

Mas tal abordagem, que mesmo o Contra se sente tentado a adoptar, concede demasiado terreno filosófico à ciência, o que leva a um “deus das lacunas”. Este quadro relega Deus para os vazios cognitivos da ciência moderna. O problema é que as pessoas, erradamente, têm a sensação de que ciência tem vindo a colmatar progressivamente essas lacunas e com o aparente ou alegado desaparecimento delas, Deus desaparece também. Nada ilustra melhor o subproduto deste processo que a citação de Dawkins colocada no início deste texto.

O método de Aquino, tal como o método do teísmo clássico de forma mais ampla, não compete com a ciência e, portanto, os avanços científicos, reais ou meramente mediáticos, não o ameaçam. Teologia, filosofia e ciência são disciplinas distintas, mas complementares: devemos estudá-las concomitantemente para enriquecer a nossa compreensão tanto da existência humana como da natureza de Deus.