I . A ciência já foi um clube eclesiástico. Agora é um culto ateísta. Num caso como noutro, a superstição acontece.
“Este lindíssimo sistema do sol, dos planetas e dos cometas só pode proceder do conselho e do domínio de um ser poderoso e inteligente”
Isaac Newton . Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, vol. 2 (Londres: 1729)
Ao contrário do que podes pensar, gentil leitor, a Ciência nem sempre se apresentou divorciada da Religião. Na sua génese, desenvolvimento conceptual e maioritário corpo epistemológico, o espírito científico está umbilicalmente ligado às igrejas cristãs. Foram ferozes católicos e convictos protestantes que inventaram a Coisa e que fizeram dela a glória que pensamos que é.
Copérnico, Espinoza, Giordano Bruno, Bartolomeu de Gusmão, Ockham, Bacon, Mendel e Lemaître eram clérigos católicos.
Kepler estudou para ministrar a lei protestante; Newton, Leibniz e Pascal notabilizaram-se como teólogos; Descartes dedicou-se febrilmente à constituição de um argumentário racional em favor da necessidade de um criador plenipotenciário e seria muito difícil convencer esta gente que o cosmos é afinal orfão da inteligência divina e criadora. Os seus gloriosos trabalhos académicos destinavam-se a entender as leis universais que Deus tinha estabelecido sobre a realidade. E é isto.
Na verdade, até ao primeiro terço do século XX, a fé e a razão sempre se deram lindamente. James Watt, o pai da Revolução Industrial, era um presbeteriano indefectível; Morse, o inventor do telégrafo, um calvinista dos sete costados; Maxwell, que descobriu os princípios da electro-magnética, era acólito da igreja evangélica; Nikola Tesla nunca abandonou o credo ortodoxo e Max Planck, para todos os efeitos o fundador da Física Quântica, massacrava toda a gente com um luteranismo evangelizador e fundamentalista. Pouco antes da sua morte, em 1970, Kurt Gödel, talvez o mais genial matemático do seu século, dedicou-se, na senda de Santo Anselmo, à elaboração de uma prova ontológica da existência de Deus, aproveitando o balanço filosófico das conclusões a que chegara sobre a incompletude dos sistemas aritméticos.
Ainda assim, as disciplinas exactas foram sendo convertidas ao materialismo espúrio, primeiro e depois, ao credo ateu: inicialmente, talvez, com a irreverência filosófica de Voltaire, depois com a teoria da selecção natural de Darwin e, em definitivo, com o triunfo escolástico, dogmático e mediático dos físicos germânicos como Bohr, Heisenberg e Einstein, dos matemáticos marxistas da laia de Bertrand Russel e de niilistas como Carl Sagan e Stephen Hawking.
Há aqui, porém, um paralelo curioso: a força laicizante destes personagens surge precisamente quando a História da Ciência entra num labirinto de incertezas. Todos estes ateus na verdade só têm a convicção lúcida de que Deus não existe e de que o universo não tem um especial significado. Do resto, não sabem tanto como isso e assim sendo, este ateísmo militante mostra-se, a cada dia que passa mais e mais, um acto de fé.
Este testemunho de John Lennox, o decano professor de Matemática de Oxford, começa por colocar em causa toda a ética e toda a lógica ateístas das academias ocidentais. Mas termina precisamente no assunto específico deste texto. Sem o Cristianismo, a Ciência, como (mal) a entendemos hoje, não existiria. Ponto final, parágrafo.
II – Chegados ao Século XXI, ainda sabemos muito pouco sobre a natureza da matéria ou como a realidade física permanece metafísica.
“Enquanto a mãe Ignorância viver, não é seguro que a sua filha Ciência especule sobre as causas ocultas da realidade.”
Johannes Kepler
Munique, 2016, Universidade Ludwig-Maximilians: um notável conjunto de físicos debate, com um outro notável corpo de filósofos convidados, sobre um assunto espantoso: dados os evidentes limites colocados à progressão do conhecimento humano, continuará a teoria científica a necessitar de demonstração empírica? (1) A esta pergunta de natureza eminentemente religiosa, alguns filósofos responderam pressurosa e surpreendentemente que não. Que o bom e velho Método é completamente inútil à ciência contemporânea.
De facto, torna-se cada vez mais complicado justificar através do cânone científico teorias como a das Cordas, que implica a existência de 10 a 24 dimensões – e a da sua correspondente directa – A Teoria do Multiverso – que propõe a existência de uma plataforma primordial, não consumidora de energia, geradora de universos aleatórios sem dificuldade nenhuma e em quantidade infindável. Sábios mediáticos como Jim Holt (2), Lawrence Krauss (3) ou Neil deGrasse Tyson (4) defendem, com a maior cara de pau que lhes é possível fazer, que este nosso universo é apenas mais um entre um conjunto infinito de universos com propriedades diferentes e leis distintas. Num sistema assim, qualquer cenário que queiras imaginar, criativo leitor, não é só possível: é provável. As coisas existem porque podem existir e é tudo. A realidade é um fenómeno aleatório, probabilístico, banal e indecifrável, e ao Spaiens resta a resignação. Ora, isto é de tal forma disparatado, é de tal forma indemonstrável com as ferramentas técnicas e sensoriais que temos ao nosso dispor, que não contribui em nada para o entendimento do cosmos (5). E muito menos para o consolo do Homem.
Teorias como a de Holt e a de Krauss e desesperos de causa como o da conferência de Munique, proliferam hoje em dia e por claras razões: uma teoria unificadora das realidades celestes e quânticas mostra-se cada vez mais difícil de conseguir, seja por causa de todos os conceitos incompatíveis que tem necessariamente de compatibilizar, seja porque essa chave para o mistério não está simplesmente ao alcance ontológico do Sapiens Um Ponto Zero (6).
Seria talvez preferível começar pelo princípio. Seria talvez preferível determinar algo de definitivo acerca da natureza da matéria, dado o embaraçoso facto de desconhecermos tudo (menos o peso) sobre a Matéria Negra e a Energia Negra, elementos que constituem apenas 95% do tecido cósmico. E dos 5% de matéria que sobra, e que conhecemos mais ou menos bem, acontece que um terço não tem paradeiro (7). Não sabemos onde se pode encontrar, num dado momento. Isto ao ao nível macro-cósmico, claro, porque ao nível sub-atómico a cegueira é maior. A grande característica da Física contemporânea é portanto a ignorância sobre a natureza, a mecânica e a localização da matéria, domínios que perfazem precisamente o seu principal objecto de estudo.
Para além de não percebermos grande coisa sobre a matéria no seu estado presente, parece que afinal somos ignorantes também sobre a sua origem. A clássica e nem por isso imaginativa Teoria do Big Bang tem problemas conceptuais e metodológicos graves (8), o primeiro dos quais diz respeito à própria detecção da radiação de micro-ondas, que é só a mais importante demonstração da sua validade (9). As primeiras imagens do James Webb Space Telescope também têm posto a teoria de um início explosivo em causa (10).
No Século XX, os astrofísicos adoravam esta tirada:
‘Um físico precisa de um filósofo como um pássaro precisa de um ornitólogo’.
No Século XXI já não são assim tão arrogantes. A não ser quando nos tentam convencer que o cosmos é uma realidade insignificante, sem glória, nem virtude, nem Deus.
______________
(1) A Fight for the Soul of Science . Natalie Wolchover . Quanta Magazine . 2015
(2) Why Does the World Exist? An Existential Detective Story . Jim Holt . W. W. Norton & Company . 2012
(3) A Universe from Nothing . Lawrence Krauss . Free Press . 2012
(4) Cosmos – A Spacetime Odyssey . Neil deGrysse Tyson . Fox . 2014
(5) In a Multiverse, What Are the Odds? . Natalie Wolchover . Peter Bryne . Quanta Magazine . 2014
(6) The End of Science: Facing the Limits of Knowledge in the Twilight of the Scientific Age . John Horgan Broadway Books . 1997
(7) Where is the universe hiding its missing mass? . Chandra X-ray Center . Phys.Org . 2019
(8) Did the big bang really happen? . Marcus Chown . New Scientist . 2005
(9) The Herouni Antenna – The Death of the Big Bang . Pierre-Marie Robitaille . Youtube Sky Scholar . 2019
(10) O Big Bang Morreu . Blogville . 2022
III – Não é por atirarmos protões uns contra os outros que ficamos mais sábios. Muito antes pelo contrário.
‘Agora sabemos que nunca saberemos.’
Werner Heisenberg“Se pensas que entendes a Mecânica Quântica é porque não entendes a Mecânica Quântica.”
Richard Feynman
Em 1927, Werner Heisenberg postulou, no seu célebre Princípio da Incerteza, a impossibilidade de determinar com exactidão a posição de uma partícula num dado momento. Tudo o que podemos mensurar na mecânica quântica são probabilidades e não mais que probabilidades e quanto mais rigorosos queremos ser, pior serão os resultados, porque a gesta científica está condenada a alterar a natureza e o comportamento do objecto em estudo.
Não era por certo essa a intenção do célebre físico germânico, mas a verdade é que o seu famoso Princípio determina, num certo e grave sentido, o fim da ciência. A impossibilidade técnica de conhecer a matéria é uma ferida epistemológica muito difícil de sarar.
Ainda por cima, o universo sub-atómico é deveras fantasmático. Dependendo da temperatura e da velocidade que traz, um bosão pode ser uma partícula agora e uma onda depois; pode estar aqui e ali ao mesmo tempo, passar simultaneamente por duas fissuras paralelas, atravessar paredes como se nada fosse e emaranhar-se com outro bosão a 15.000 kms de distância, de tal forma que se sujeitarmos um deles a um input qualquer, os dois vão responder da mesma maneira. É tudo muito estranho.
Em Junho de 2018, H. J. D. Miller e J. Anders publicaram um paper na Nature Communications que acrescenta às incertezas topográfica e cronológica, a indeterminação termo-dinâmica: estipular a temperatura de uma partícula sub-atómica é um exercício de loucos. A partícula pode ter duas temperaturas em simultâneo (ou nenhuma, na verdade), como o gato de Schrödinger pode estar morto ou vivo, na caixa onde pode ou não decair o isótopo radioactivo. Sempre que tentamos saber, sempre que tentamos medir, o termómetro ensandece.
Dada esta disposição da matéria subatómica para não se deixar conhecer, e a sua radical incompatibilidade com as leis da física dos corpos celestes e da realidade em que existimos, tem sido cada vez mais doloroso o processo de encontrar leis unificadoras, que tragam alguma consistência ao modelo materialista de entendimento do cosmos. Esta dificuldade transformou-se rapidamente num desespero e do desespero resultam as teorias insanas e absolutamente indemonstráveis que infectam o ambiente académico contemporâneo.
Recusando abandonar a velha e nitidamente anacrónica ambição positivista de que tudo no universo pode ser conhecido e mensurado, a comunidade científica tem convencido governos, universidades, fundações e outros incautos filantropos a construir estruturas faraónicas como o LHC, que procura obter respostas concretas sobre os mistérios da quântica atirando partículas umas contra as outras a velocidades próximas da luz. Os resultados têm sido extremamente fraquinhos: para além de termos percebido que o célebre bosão de Higgis existe de facto, não sabemos porém e agora mais sobre a natureza da matéria do que sabíamos antes e o que sabíamos antes é basicamente o que Platão já nos tinha ensinado há coisa de 24 séculos atrás: essa quimérica equação que resolve e erradica o mistério, não nos é dada.
Azar dos azares.
IV – Parece que a realidade é constituída por bits de informação. Falta descobrir a identidade do programador.
“It takes a programmer to make a program.”
Stephen Meyer . Darwin’s Doupt . 2013.
Entre Demócrito e Max Planck há um momento em que biólogos e astrofísicos e filósofos e matemáticos de todos os tempos parecem estar de acordo: a realidade é um fenómeno de natureza atómica, no sentido em que é divisível em bits de informação, pequenos e aterefados dígitos constituintes de um complexo código que faz o universo funcionar. No DNA como no teu telemóvel, amável leitor, há uma manifestação cibernética comum, binária, encriptada, um fluxo informacional ininterrupto que está por de trás da engenharia cósmica.
Sabemos porém, pela experiência empírica de todos os dias, que não há informação sem quem a reporte e que não há código sem programador. E sabemos também que não há jornalismo, nem informática, sem inteligência. O gato Rex pode ser uma estrela no Youtube, mas só porque o seu dono sapiens, para fugir ao tédio, reportou a fofura. Coisas e animais, regra geral, não codificam aplicações nem chegam a chefes de redacção. Só o Sapiens, que se saiba, é capaz desse género extravagante de actividades. Mas sendo certo que não foi nenhum humano que criou o código da criação, quem foi esse génio? Que hacker omnipotente está por trás da concepção e implementação do cosmos? Não temos maneira de saber. Mas podemos com certeza ir perguntando por ele.
Tanto mais que, se calhar, o bill gates disto tudo deixou pistas espalhadas por aí. Por exemplo, o estranho e omnipresente Pi, número irracional que domina a matemática das pirâmides de Gizé, das curvas dos rios, da órbitas planetárias, e de tudo o que se apresenta redondo na natureza, pode encerrar mais informação do que a sua infinita e aparentemente aleatória progressão decimal deixa perceber ao olho menos atento.
Não há, por exemplo, razão probabilística que justifique a presença de seis noves a partir da casa decimal 762 deste famoso número. O ponto Feynman (foi o célebre professor que o descobriu) não faz sentido se pensarmos que a progressão decimal de Pi será aleatória. Nesse caso, a probabilidade de um algarismo igual surgir seguido nove vezes é de 0,08%. Mais recentemente, um computador com a missão de calcular decimais de Pi encontrou na posição decimal 17.387.594.880, a sequência 0123456789, fenómeno ainda mais improvável.
Como também acontece com a sucessão dos números primos, não sabemos que padrões estão escondidos na imensidão decimal de Pi, muito simplesmente porque não conseguimos calcular mais que uma ínfima parte da sua infinita ordenação. Mas essa ignorância não significa, claro, que relevante informação sobre os segredos da criação não esteja lá encriptada, à espera que a humanidade a descodifique.
Acontece que a ignorância pode e deve ser um motor da curiosidade. E aqueles que negam, de forma que a cada dia que passa parece mais e mais dogmática, a hipótese de um criador do cosmos, alimentam na verdade uma atitude muito pouco científica: estão a impossibilitar o conhecimento.
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