Jeremy Clarkson, o popular, irreverente e politicamente incorrecto apresentador de programas televisivos sobre automóveis (e não só), tem sobrevivido, mais ou menos incólume, à normalização personalística e política a que assistimos nos meios de comunicação social mainstream.

A estrela do velho Top Gear, uma das mais bem sucedidas plataformas mediáticas na história do entretenimento televisivo, sobreviveu ao facto de ser um incondicional dos motores de combustão interna e um negacionista climático. Sobreviveu ao constante ataque que desde sempre direccionou aos limites de velocidade e aos radares e à praga das bicicletas e das trotinetas, tanto como aos excessos fascistas do estado, à sua tirania tributária e à sua obsessão com a segurança.

Sobreviveu por centenas de vezes a constatações de facto, altamente assertivas, como esta aqui, por exemplo:

 

 

O resiliente e irredutível personagem da vida pública inglesa, para não dizer global, não sobreviveu porém a um artigo de opinião que escreveu há umas semanas atrás, no “The Sun”, onde confessa e justifica, em óbvio tom humorístico, um saboroso desdém por Meghan Markle. O artigo foi entretanto censurado, supostamente a pedido do autor, mas o ContraCultura transcreve as linhas mais significativas desses breves, satíricos e lúcidos parágrafos:

 

At night, I’m unable to sleep as I lie there, grinding my teeth and dreaming of the day when she is made to parade naked through the streets of every town in Britain while the crowds chant, “Shame!” and throw lumps of excrement at her.

(…)

I can tell you, with absolute certainty, what’s coming next.

Harold’s Spare book will be released.

Then she’ll do one called I Think I May Be God. And then she’ll have exhausted the whole royal thing — so will be off.

We will see Diana-style photographs of her, all on her own, outside the Taj Mahal.

And then she will be pictured gazing into the middle distance, on the back of a playboy’s superyacht and will marry a tech billionaire and they’ll have a child called something vomitty like Peace. Or Truth.

Or Love.

Harold, meanwhile, will be stuck in California with no friends, either there or here, no family to support him and an army of young girls who’ll believe Meghan’s story that the marriage break-up was all his fault because he’s, like, you know, sooooo a man.

 

A Jeremy Clarkson tudo até aqui tinha sido permitido, mas isto é que não. A desertora Duquesa de Sussex não pode ser assim sujeita à maldicência. É um pecado capital. Até porque parece que Meghan Markle é uma mulher. Até porque, contra todas as aparências, é uma mulher negra.

 

 

O ContraCultura é, por definição, inimigo declarado do movimento woke, da sua pulsão totalitária e da cultura de cancelamento e censura que instituiu sobre o livre discurso. Mas desta vez, há que dizer que Jeremy Clarkson foi apenas vítima de si mesmo. E porquê? Porque cometeu o máximo erro de lesa-dignidade: pediu desculpa. Duas vezes. E claro, não só as suas desculpas não foram aceites como a sua imagem pública foi obliterada no processo, sendo agora um pária no contexto das elites e dos meios de comunicação social britânicos.

Ajoelhou-se, foi cancelado. É bem feito. Porque raio foi pedir desculpa? E pedir desculpa porquê? Por não gostar da insuportável Duquesa de Sussex? Por ter escrito duas ou três verdades, num registo claramente humorístico? Que estupidez. Que fraqueza.

Jeremy devia saber, nesta altura do campeonato, que procurar o perdão junto da turba woke é completamente contraproducente. Essa gente nunca vai gostar dele ou perdoar-lhe seja o que for. E assim perdeu o respeito até daqueles, como este redactor, que admiravam a sua coragem, frontalidade, independência e sentido de humor.

Mas também devemos reflectir sobre o sucedido como um alerta muito preocupante. Porque se até figuras carismáticas e populares, com fortunas que possibilitam total independência, cedem, num constrangedor espectáculo de humilhação pública, à tirania mediática dos poderes instituídos, que remotas hipóteses de permanecer desalinhados temos nós, anónimos e comuns mortais?

No contexto dos ensinamentos de Epicteto, o Contra persiste na firme crença de que essas probabilidades aumentam na directa medida em que nos preocupamos mais com aquilo que controlamos (o nosso carácter, as nossas convicções, o nosso comportamento) e menos com aquilo que não controlamos (a opinião dos outros, por exemplo.)

E se Clarkson tivesse lido os estoicos, se calhar estava agora mais confortável sobre a vida e sobre a ideia que tem de si próprio.