Há organizações para tudo e mais alguma coisa, porque o ser humano gosta de se juntar em rebanho, e parece que até há uns quantos tontos, aglomerados numa agremiação ironicamente apelidada de Economist Intelligence Unit (EIU), que se dedicam a mensurar a saúde da democracia no mundo. Deve ser um trabalho bastante deprimente porque é claro que a democracia não só está gravemente doente, como é minoritária: de acordo com o labor da EIU a maior parte dos seres humanos no planeta (54,3%) não experimentam as suas virtudes e apenas 5,4% da humanidade parece confortavelmente instalada em democracias plenas.

 

 

Ou mais ou menos, porque este mapa é falacioso de uma ponta à outra e não sobrevive ao cuidado breve de uma segunda leitura. Mas vamos por partes.

Segundo a própria organização, o método de apuramento da existência e saúde das democracias no mundo é o seguinte:

1. O Índice de Democracia é baseado em 60 indicadores, agrupados em cinco categorias: processo eleitoral e pluralismo, liberdades civis, funcionamento do governo, participação política e cultura política.
2. Os países recebem uma classificação numa escala de zero a dez, e o índice global é a média das cinco classificações totais das categorias.
3. Cada país é então agrupado em quatro tipos de regime, com base na sua pontuação média: democracias completas, democracias com falhas, regimes híbridos e regimes autoritários.

Acontece que este método de validação estará certamente infectado por erro, por preconceito ou por ambas as corruptelas. O Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia só são democracias plenas na Terra do Nunca ou para quem se enfiou num caverna socrática nos últimos 3 anos. A África do Sul é um país mais democrático que a Polónia? Sim, num planeta imaginário. A Índia, uma sociedade eugénica, estruturada por castas, pode ser considerada uma democracia? Pode, na cabecinha doida desta gente maluca. E porque ensandecida razão se considera que estão instalados na Suécia e no Uruguai regimes mais democráticos do que em França ou no Reino Unido, respectivamente? Haxixe de má qualidade ou whisky em excesso, só pode.

A ideia, acarinhada por um certo bem pensar da esquerda, de que os países nórdicos são uma espécie de paraíso político, éden gelado onde triunfa a liberdade, a tolerância e a diversidade, não compagina com as altas taxas de suicídio, que são históricas, o uníssono dos media e do discurso político, que têm décadas, e os assustadores índices de criminalidade urbana, que transformaram a Suécia contemporânea num dos países mais perigosos da Europa. Por exemplo.

E sendo verdade que o Reino Unido está a decair rapidamente para uma oligarquia dominada pelo eixo Oxford-Davos, não se percebe que ensinamentos uma república como a do Uruguai, que para todos os efeitos é dominada por um só partido, o Colorado, pode oferecer aos bretões. Alías, o ContraCultura é capaz de apostar a totalidade das suas páginas que, caso o Colorado fosse um partido de direita, os senhores do EIU classificariam o regime uruguaio de forma diametralmente diversa.

A este propósito, será de crer que, com a eleição de Lula, o mapa da democracia no mundo de 2023 trará uma classificação muito superior para o Brasil. Não que a qualidade do sistema eleitoral ou o espectro das liberdades civis ou seja que critério for tenha sofrido entretanto qualquer alteração no país, claro. Mas o shift ideológico justificará por certo e por si só, uma avaliação mais generosa.

Para além dos duvidosos valores atribuídos às democracias, a classificação das regimes híbridos e totalitários é também deveras discutível. A Bielorússia apresenta mais ou menos a mesma classificação que a China, e a Turquia do tirano Erdoğan é aparentemente um estado mais progressista que a Rússia. O activismo anti-moscovita é aliás e não surpreendentemente flagrante: o regime liberal-nazi da Ucrânia está melhor classificado que o sistema do Kremlin, talvez porque a rapaziada do EIU desconheça, por exemplo, o que é que o governo ucraniano instalado pela CIA gosta de fazer aos jornalistas dissidentes em particular e aos desgraçados de etnia russa em geral.

Seja como for, a diferença de cinco pontos entre o Canadá de Trudeau e a Rússia de Putin é, para sermos simpáticos, hilariante. Não há registo de que Putin congele contas bancárias a cidadãos que manifestem dissidência política. E se é verdade que o ex-KGB tem por passatempo envenenar com isótopos radioactivos os seus inimigos políticos, também não é mentira nenhuma que o faz preferencialmente em território estrangeiro e que se limita às figuras proeminentes da oposição à sua vontade de poder. Já o discípulo WEF que comanda os destinos dos canadianos, nacionalizou a imprensa, proibiu protestos políticos e persegue implacavelmente todos os cidadãos dissidentes, de perfil público ou anónimo, numa ambição totalitária digna de Mao Zedong.

Contas feitas, este índice é na verdade e apenas um mal fabricado documento de propaganda. E nesse sentido, um esforço contraproducente: porque quanto mais objectos fraudulentos deste género forem fabricados, menos democracia conseguimos produzir. E menos credibilidade tem o Ocidente junto de países e culturas que consideram estapafúrdia esta ideia peregrina de dar às massas algum controlo sobre os seus destinos.