Nunca numa democracia ocidental do pós-guerra os cidadãos foram tão mal amados pelos seus líderes como são agora declaradamente mal amados. Esta nova forma que os dirigentes políticos adoptaram para destratar aqueles que governam, muito ao gosto de Davos e mal disfarçando o ódio e a repulsa que lhes dedicam, é hoje extremamente comum. Parece que insultar, rebaixar e desqualificar o eleitorado alheio à agenda globalista/elitista/woke, por muito volumoso que seja, é um pertinente estratagema político.

São válidas as dúvidas de que assim seja. No mínimo, a estratégia divide a sociedade em trincheiras. No máximo, convida ao conflito civil.

Vilipendiar e marginalizar e demonizar e reprimir largas faixas de cidadãos não é nada de novo na história das ditaduras, como sabemos e com resultados tenebrosos, que também conhecemos bem. Mas nas democracias ocidentais é realmente inédito. Ou realmente prova material de que já ninguém vive em democracia, no Ocidente.

Neste primeiro artigo sobre o tema, o ContraCultura analisa o comportamento de 4 líderes do panorama político contemporâneo que são verdadeiros logótipos do desprezo assumido que os eleitos nutrem pelos eleitores, numa inédita relação de amor não correspondido, já que estes últimos continuam diligentemente a votar nos seus queridos líderes, quando deviam, muito provavelmente, tê-los como inimigos de estimação.

 

Biden, o desagregador.

Na quinta-feira passada, Joe Biden fez um “discurso à nação” que deve ter arrepiado qualquer americano cujo cérebro ainda não foi completamente lavado. Enquadrado numa cenografia que não esconde a nostalgia por regimes despóticos do passado, o presidente americano deixou um recado que não pode ser mais orwelliano: dividiu em nome da divisão, ameaçou em nome da paz, mentiu em nome da verdade, excluiu em nome da inclusão, lançou sombras em nome da luz e apelou à concórdia democrática em nome do uníssono totalitário.

 

 

Se a situação tivesse sido encenada para fins ficcionais nunca seria tão eloquente, tão visceral, tão teatral. O regime está a esfregar-nos na cara todo um programa gráfico e semântico de inspiração totalitária como se nada fosse. Como se a história tivesse deixado de existir. Como se não tivéssemos obrigação de saber como é que isto vai acabar. Como se a dimensão dramatúrgica dos pesadelos tivesse penetrado definitivamente o tecido da realidade.

 

 

Tucker Carlson pegou neste momento sinistro praticamente enquanto ele decorria, tal foi o flagrante delito iconográfico e discursivo do inquilino da Casa Branca, para colocar o seu proverbial dedo na chaga aberta: que género de federação sobrevive a um presidente que identifica metade da população como a primeira ameaça à segurança interna?

 

 

No seu extenso monólogo de vinte minutos, Tucker faz o possível por deixar uma mensagem de esperança aos americanos, satiricamente baseada na incompetência dos democratas: se os eleitores republicanos têm sólidas e evidentes razões para pensar que as estruturas de poder do seu país os odeiam de morte e que os Estados Unidos caminham rapidamente para um regime de partido único, os operacionais dessa transformação regimental serão de tal forma imbecis e incapazes que não vale a pena temê-los.

Voltam aqui, porém, a serem pertinentes as objecções à validade histórica deste argumento. Os criminosos raramente são inteligentes. Se fossem inteligentes, não precisavam de ser criminosos.

Mas a guerra que a administração Biden declarou à metade da América que não votou nele não é de agora, começou logo na cerimónia de inauguração do mandato, cujo perímetro foi fechado com grades e arame farpado e protegido por 25.000 soldados. Em Junho de 2021, o homem que prometeu unir os americanos mas que parece trabalhar arduamente para desagregar a América ameaçou os defensores da segunda emenda (cláusula constitucional que permite o porte de arma aos cidadãos da federação) com caças F-15 e armas nucleares. Em Dezembro de 2021, a Casa Branca endereçou votos de festas felizes aos americanos vacinados e votos de doença e morte aos não vacinados.  Em Janeiro de 2022 insinuou que os americanos que tinham votado em Trump eram uma cambada de terroristas. Quando em Maio deste ano, o leite de fórmula escasseou no retalho de muitos dos estados da federação (por causa de problemas de distribuição de que a administração era a primeira responsável) a secretária de imprensa da Casa Branca culpou as mães que não tinham como alimentar os seus neonatos e o presidente até tentou fazer humor sobre o assunto. Neste mesmo mês o Presidente proferiu uma declaração de guerra (mais uma) a metade dos cidadãos que dirige. E sob um falso pretexto, ainda por cima. O movimento MAGA (que corresponde hoje a cerca de 90% do eleitorado republicano) não é claramente mais extremista do que a Antifa, os Black Panters ou o KKK, por exemplo. Aliás, o movimento MAGA é muito, mas mesmo muito menos extremista do que a actual e radical administração residente na Casa Branca.

 

A afirmação de Biden prova por si só o argumento. Nenhum líder moderado acusaria uma substancial fatia da população que lidera de extremismo recordista, como é óbvio. Como nenhum líder moderado se lembraria de criar um ministério da verdade (este projecto orwelliano foi entretanto abortado), ou de utilizar o FBI como polícia política, ou de defender o endoutrinamento de crianças por activistas LGBT, ou de desejar a morte àqueles que recusaram uma vacina experimental. Considerando a estratégia adoptada em relação à guerra na Ucrânia até é sensato suspeitar que a administração Biden é uma das organizações políticas mais extremistas e perigosas da história universal, já que todos os dias estica despreocupadamente a corda do apocalipse termonuclear.

No final de Agosto Biden voltou a afirmar que os americanos que acreditam na segunda emenda têm que se munir de caças F-15 para fazerem valer o direito de porte de armas sobre a vontade (inconstitucional) do estado.

 

 

Pior ainda: dias antes, o Presidente dos Estados Unidos rotulou de “semi-fascistas” todos os que em 2021 votaram em Trump.

 

 

E a secretária de imprensa da Casa Branca não tem problema nenhum em acusar 80 milhões de americanos de constituírem uma ameaça para a democracia, porque toda a gente que não concorda com Karine Jean-Pierre é uma ameaça à democracia.

 

 

Concluindo: Joe Biden é o perfeito exemplo de um líder que odeia uma boa parte da população que governa. A que não votou nele, sim, mas considerando as suas políticas económicas, também não parece morrer de amores até por aqueles que o elegeram.

 

 

Macron, o elitista.

Emmanuel Macron é outra bela ilustração do desamor declarado que os políticos dedicam aos seus compatriotas, embora seja justo referir que já De Gaulle era conhecido como o homem que amava a França mas que detestava os franceses. Depois de, durante a pandemia, ter destratado e marginalizado os não vacinados de variadas e sádicas e inconstitucionais formas, esticando a corda da vulgaridade retórica ao ponto de ser difícil de acreditar que um chefe de estado se dirija com estes modos de tirano reles aos cidadãos da república que dirige, Macron conseguiu voltar a ganhar eleições, o que é por si só espantoso.

Encorajado com essa vitória, o presidente francês tem tomado liberdades de discurso que revelam o seu comprometimento com a agenda elitista e globalista do World Economic Forum, organização que de qualquer forma não morre de amores pela condição humana. E no outro dia, saiu-se com esta pérola:

 

 

É por certo a primeira vez na história da humanidade que os políticos prometem a miséria aos eleitores. Que lhes obliteram a esperança. Que lhes retiram um sonho de prosperidade. E Macron, é um dos máximos intérpretes desta teoria: Vais ser miserável e viver em ditadura. Vais abdicar do teu direito à propriedade e ser feliz. Vais ser pobre e obedecer. Vais passar briol no Inverno e pagar a gasolina ao preço do caviar para salvar o planeta. Vais fazer toda a espécie de sacrifícios por causa do Putin não ser um globalista. Vais ser sujeito às terapias genéticas experimentais com que eu te decidir injectar. Vais ser confinado sempre que eu achar que te devo retirar os direitos mais fundamentais. Vais ser desempregado e inutilizado porque o que não falta em França é gente provinda de outras geografias que dá mais valor ao ordenado mínimo. Vais ser espoliado e humilhado e censurado em nome da liberdade que eu tenho para te espoliar, humilhar e censurar.

Caso contrário és um inimigo do estado e pagarás o preço.

 

 

Boris, o beligerante.

Sobre a escassa estima e nenhuma consideração que Boris Johnson alimenta para com os ingleses é possível escrever um tratado com vinte centímetros de lombada. Mas dois dos mais recentes desenvolvimentos da actividade do seu governo sintetizam esplendidamente essa mal querença.

A 22 de Abril, a Rússia e a Ucrânia estavam prestes a assinar um tratado de paz. A Rússia ficava com Donbass e a já conquistada Crimeia e a Ucrânia prometia não integrar a NATO. Agora adivinhem quem é que impediu que as partes beligerantes firmassem esse acordo?

 

 

Portanto, a crise energética que promete arrasar a economia ocidental e transformar o Inverno num inferno para os europeus podia muito bem ter sido evitada. Em vez disso foram os líderes europeus e americanos que forçaram a sua eclosão, com grande protagonismo de Boris, ao pressionarem a Ucrânia no sentido de recusar o tratado de paz.

Consequência deste amor pela guerra e desamor pelos ingleses: as famílias britânicas vão pagar em 2022, em média, 3.500 libras por ano (4.100 euros por ano, 350 euros por mês) em contas de electricidade e gás. Prevê-se que em 2023 vão pagar 6,500 libras por ano (7700 euros por ano, 640 euros por mês). Esta cálculo não inclui os custos relacionados com a mobilidade (gasolina, gasóleo, preço dos transportes).

Acresce que a rede eléctrica inglesa pode muito bem entrar em colapso no próximo inverno, porque mesmo a preços astronómicos, não existe capacidade instalada para fazer frente às necessidades da população e da actividade económica. Metade das famílias britânicas vão decair para um nível de “pobreza energética” nessa altura.

Da política externa para a interna, Boris, que por ironia foi a cara do Brexit (cujo principal fundamento era o de estancar a imigração e restaurar a integridade das fronteiras do seu país), manteve enquanto permaneceu no poder uma lógica globalista de relaxe fronteiriço, contrária ao mandato que o tinha eleito. Eis um caso paradigmático de como essa visão vai contra os interesses dos cidadãos comuns da nação que dirige:

Imagine o criativo leitor que vive numa pequena e pitoresca vila inglesa com cerca de 700 residentes.
A seguir, imagine que o governo anuncia de repente a instalação de 1500 imigrantes oriundos do Médio Oriente e do Norte de África nessa pacata localidade.
Onde vão morar? Ninguém sabe.
Que empregos poderá a vila proporcionar-lhes? Não interessa.
Que direito tem um governo de violar assim uma comunidade? A comunidade é nativa, pelo que não tem direitos.
Que medidas de segurança são garantidas à população residente? Pergunta racista.

É só mais um exemplo aberrante do desprezo que os dirigentes políticos ocidentais nutrem pelos cidadãos que os elegeram.

 

 

O que é incrível é ainda haver gente que vota em políticos que depois de eleitos fazem tudo o que é possível para prejudicar os seus eleitores.

 

 

Trudeau, o cínico.

 

“Over the span of just a few years, Trudeau has turned a nation long famous for Molson and sled dogs and niceness into a relentlessly punitive surveillance state. People have long whispered in dead seriousness that Justin Trudeau is the biological son of Fidel Castro. You could laugh it off, but now it’s becoming pretty easy to believe. Trudeau has used systematically COVID to short circuit democracy in Canada and to end organized Christianity there. Canadians can no longer travel freely within their own country, they can all go return to their own country at certain parts. Pastors have been imprisoned for holding church services. The unvaccinated can be sent to jail for buying certain products in stores.”

Tucker Carlson . Fevereiro de 2022

 

Um dos discípulos favoritos do World Economic Forum, Justin Trudeau transformou, em dois ou três anos o regime do seu país numa tirania federal, sendo reconhecido pela forma desdenhosa e maldicente com que se dirige aos cidadãos do seu país que não votaram nele ou que não concordam com as suas políticas draconianas.

Depois de medidas punitivas inimagináveis tomadas a propósito da Covid-19, que incluíram confinamentos recordistas em duração e intensidade de restrições, campos de concentração para infectados e sobretaxação, perseguição e retirada de direitos de cidadania aos não vacinados; o primeiro-ministro canadiano encontrou um primeiro obstáculo  sério ao seu despotismo na reacção dos camionistas. Confrontados com a obrigatoriedade de apresentarem um passaporte de vacinação para exercerem a sua actividade profissional, os motoristas de pesados decidiram organizar um protesto em forma de comboio, que chegou a integrar mais de 50.000 veículos e que se dirigiu ao centro da capital administrativa do país, Ottawa, acampando na praça onde estão instalados os máximos organismos do poder federal.

O movimento de protesto foi pacífico e altamente civilizado do princípio ao fim e cumpriu com as normas constitucionais e legais do Canadá. Mas para Trudeau, como para qualquer tiranete, um protesto contra as políticas governamentais é inadmissível e logo tratou de, enquanto o protesto decorria, acusar os manifestantes de militância de extrema-direita e supremacia branca, caracterizando-os como um punhado de terroristas com pontos de vista inaceitáveis (todos os pontos de vista não partilhados por Trudeau são inaceitáveis).

Depois de muito rapidamente alterar as leis dos país e declarar o estado de emergência (que nunca até aí tinha sido invocado no Canadá) para poder perseguir os manifestantes como lhe desse na real gana, obliterou o protesto com cargas de cavalaria e forças policiais e militares armadas até aos dentes (os destacamentos incluíram carros de assalto equipados com metralhadoras pesadas, forças especiais do exército, snipers colocados em pontos estratégicos do centro da cidade, etc.). Uma vez esmagado o movimento, apreendeu veículos pesados, congelou contas bancárias dos manifestantes e prendeu os seus líderes, chegando ao ponto de exterminar os animais de estimação de camionistas que tinham sido encarcerados. Não satisfeito com isto, o seu governo foi atrás dos pequenos negócios da restauração de Ottawa que serviram os manifestantes e dos cidadãos que contribuíram financeiramente, nas plataformas electrónicas criadas para esse efeito, para o sucesso do movimento.

 

 

Nos dias que correm, Trudeau está na vanguarda dos modernos métodos fascistas de controlo do pensamento, do discurso e da mobilidade. Dois exemplos: o sistema educativo canadiano está agora a ensinar às crianças que a liberdade de expressão é problemática e um instrumento do “discurso de ódio”; e o governo canadiano, em parceria como o WEF (quem haveria de ser?) está a implementar um sistema de identificação digital que limita a possibilidade de viajar em função de créditos atribuídos pelo estado aos seus cidadãos, como o que existe já na China e que premeia a obediência ao estado e penaliza a dissidência.

 

 

Aberto o precedente, outros bandidos com as mesmas intenções vão já a seguir implementar estes sistemas noutros países, claro. Até que o mundo seja uma imensa cidade de Shangai.

Mas o que mais choca em Trudeau, para além da sua óbvia vocação totalitária, é o cinismo. Depois de ter paralisado a economia canadiana durante dois anos por causa de um vírus com um índice de mortalidade marginal, este personagem do arco da velha teve o desplante de acusar os camionistas de terem prejudicado os comerciantes de Ottawa (que ele próprio perseguiu por terem vendido produtos e serviços aos manifestantes):

 

 

Justin Trudeau enche constantemente a boca com conceitos de que é o primeiro inimigo, como justiça, democracia, tolerância e igualdade perante a lei. Quem o ouve falar não consegue evitar o choque dialéctico entre as palavras que o senhor diz e a sua praxis política. Talvez por isso seja actualmente um dos personagens mais satirizados pela inventiva mimética.

 

 

Nada que ele não mereça, claro. Porque um líder que odeia os cidadãos que lidera vai, mais tarde ou mais cedo, ser odiado de volta.