Os três músicos londrinos que vão tocar neste artigo tiveram duas vidas. Primeiro, quando ainda nem barba tinham, foram Fear of Flying, que nas suas próprias palavras era uma banda que debitava “Post-Indie Nu-Romantic pop”. Talvez porque ninguém percebeu bem que era raio era aquilo, a banda nunca atingiu grande notoriedade, apesar de ter gravado 2 singles e de ter actuado, como banda de suporte, na tour dos The Maccabees, em 2006.
Em 2007 porém, viraram o disco e não para tocar o mesmo. Depois de comporem uma série de canções cuja sonoridade não se enquadrava na já referida e intrincada categoria, rebaptizaram-se e, como White Lies, lançaram “To Loose My Life” um álbum que soava a uma mistura explosiva de Joy Division com Franz Ferdinand, ou de Echo & the Bunnymen com Interpol, o audiente podia escolher a combinação que mais lhe agradasse. Já neste trabalho, que foi direitinho para o topo dos charts britânicos, se percebia que o gosto da banda por sintetizadores de sonoridade analógica e por linhas de percussão digital não inibia nada a explosão de épicos e grandiloquentes riffs de guitarra. E que a voz de Harry McVeigh caia com coerência melodramática na sumptuosa pastilha elástica pós-punk que a banda fabricava com aparente paixão lírica.
Assegurada a atenção das massas e aceitando a máxima muito querida pelas editoras de todo o mundo de que não se deve tirar uma virgula à receita que gera vendas astronómicas, a banda continuou a produzir decibéis sobre decibéis dentro do seu compromisso estético e melódico. Em 2013 editaram e seu terceiro trabalho de estúdio e aquele que é talvez o seu apogeu artístico: “Big TV”. O disco, produzido por Ed Buller (que trabalhou com pesos pesados do pop-prck alternativo como os Suede, os Pulp e os The Courteeners) é uma tempestade perfeita em que o temperamento neo-romântico da instrumentação sintética converge lindamente com rasgos guitarrísticos de amplitude épica. O resultado é um triunfo total, bem ilustrado pelo tema que dá nome ao disco e que constitui, no humilde juízo do autor deste texto, uma das mais belas músicas que a Pop do século XXI alguma vez pariu.
Este ano, os White Lies regressaram com “As I Try Not To Fall Apart”, o seu sexto longa duração, que não traz grandes alterações ao registo da banda. É porém imperativo dizer que estes londrinos tâm o condão de não conseguir aborrecer ninguém. Estão há 15 anos a fazer a mesma coisa, mas a coisa não farta e ouvimos agora os homens feitos com a mesma alegria com que os escutávamos quando eram rapazolas. Os tímpanos não se cansam desta fórmula de fazer canções e logo à primeira audição rebenta um tema forte à brava, que deixa no ar uma questão pertinente: quem é que na verdade quer correr o risco de uma viagem interminável, super perigosa e difícil, para ir habitar um planeta deserto e hostil, onde a única aspiração possível a um ser humano é a de tentar sobreviver?
Mergulhando com maior profundidade na trama desta odisseia, o tema que lhe dá o mote, apesar de embrulhado num clip completamente idiota, salva-se e afirma-se, claro está, pela música e pelo aparelho lírico, que dentro do cadastro da banda se localiza algures entre o imaginário sorumbático dos Depeche Mode e a radiação mainstream dos Tears For Fears ou dos Human League ou coisa que o valha. O que interessa é que o rock nos sirva bem como muleta olímpica, nos esforços hercúleos e quotidianos que fazemos para evitar a queda; esse definitivo momento de silêncio.
Como, felizmente, não há cura para os melómanos, “As I Try Not To Fall Apart” funciona muito razoavelmente como terapia. Até porque de entre os recursos criativos que os White Lies possuem, um dos mais prodigiosos é a capacidade de criarem temas que progridem até à euforia total, num crescendo de intensidade superlativa, que do ruído faz a harmonia necessária ao alívio das dores estéticas.
Mais a mais, a temática deste disco, que é eminentemente escatológica, consegue milagrosamente escapar à depressão. Persistindo na hipótese do trambolhão existencial e evocando constantemente fobias de fim e manias apoplécticas, as dez variações sobre a morte certa que perfazem este trabalho não desanimam ninguém. O que é espantoso, por si só.
“As I Try Not to Fall Apart” não é de todo o melhor trabalho dos White Lies. E, como no caso do tema com que se fecha este texto, não é certo que a banda atinja os seus melhore níveis performativos quando puxa mais a brasa à sardinha dos Franz Ferdinand, embora esta opinião decorra talvez do facto de o ContraCultura não ser apologista incondicional da banda do arquiduque. Ainda assim trata-se de um disco poderoso e eloquente, muito bem gravado e interpretado, que satisfaz com certeza os fãs deste trio maravilha. E que promete novas aventuras. Porque no caso específico dos White Lies, mais do mesmo não é nada mau.
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