Para que exista vida na Terra, tiveram que ocorrer uma quantidade imensa e estatisticamente improvável de fenómenos conducentes à criação de condições favoráveis è eclosão de organismos unicelulares, primeiro, e depois de organismos multicelulares mais complexos e, muito mais tarde, de espécies altamente evoluídas, adaptadas e especializadas, como os mamíferos. Por fim, deu-se o caso da surgir sobre a terra o pedestre e pedante mamífero a que chamamos Sapiens, o único animal que conhecemos capaz de se perguntar como é que isto foi tudo possível.

Um dos factores que contribui decisivamente para a eclosão da vida da Terra e para a a estabilização do seu ecossistema, rico em água em estado líquido e oxigénio, é a permanência duradoura sobre as eras da sua magnetosfera.

Entendemos por magnetosfera a região celeste em redor de um planeta, na qual partículas carregadas são afectadas pelo seu campo magnético. Esse campo magnético é criado no interior do planeta por um dínamo activo.

Planetas com magnetosferas activas, como a Terra, são capazes de mitigar ou bloquear os efeitos da radiação solar e da radiação cósmica, protegendo todos os organismos vivos das suas consequências prejudiciais. Marte, por exemplo, não tem uma magnetosfera activa. Essa é uma das razões pelas quais é um planeta deserto e estéril, sujeito aos efeitos nefastos das várias formas de radiação sideral.

Acontece que a Terra também podia muito bem não ter um campo magnético que a protegesse. E esteve até muito perto dessa catástrofe quando, há cerca de 565 milhões de anos atrás, a força desse campo magnético diminuiu para 10% daquilo que é hoje mensurável. Mas nessa altura, misteriosamente, algo aconteceu no núcleo do planeta que permitiu a recuperação do campo magnético, e exactamente a tempo da era Câmbrica, que testemunhou a explosão da vida multicelular na Terra.

De acordo com um recente estudo levado a cabo por uma equipa de cientistas da Universidade de Rochester, esse rejuvenescimento, que aconteceu dentro de apenas algumas dezenas de milhões de anos – lapso temporal excessivamente rápido no contexto das muito lentas alterações geológicas – coincidiu com a formação do núcleo interno sólido da Terra, sugerindo que esse núcleo é provavelmente responsável pelo restabelecimento da magnetoesfera e pela sua estabilização nos últimos 500 milhões de anos.

A razão pela qual se deu essa súbita solidificação do núcleo interno está ainda por explicar, embora o estudo contribua para o reforço da “Hipótese da Terra Rara”, que estipula que a emergência de vida complexa multicelular no nosso planeta requereu uma combinação muito improvável de eventos e circunstâncias astrofísicas e geológicas. Esta hipótese resolve o célebre Paradoxo de Fermi (“Se a vida é comum no universo, por que não a conseguimos detectar?”), reforça os argumentos do Princípio Antrópico, colocando o homem numa posição singular – e protagonista – no contexto cósmico e, se nos recusarmos a atribuir a vida na Terra ao factor sorte, vai de encontro às crenças religiosas das religiões monoteístas.

Por outro lado, a ideia de que podemos estar realmente sós no universo não deixa de ser inquietante.

Anton Petrov articula o assunto, analisando o método do estudo dos investigadores de Rochester e sintetizando as suas conclusões.