A esperança de que, pelo menos, algumas personalidades associadas ao conservadorismo anglo-saxónico abandonassem o grupúsculo dos NeverTrumpers concretizou-se. Bastou que o atual presidente dos Estados Unidos da América (EUA) fosse deixado a fazer o seu trabalho e a hostilidade a Trump no movimento conservador ficou cada vez mais reduzida à insignificância. Não que eu não tenha reservas quanto ao caráter de Trump e mesmo em relação a algumas de suas políticas, mas acredito que é observando as alternativas e os comportamentos de muitos de seus adversários que o movimento “anti-Trump” se esvazia rapidamente.
Em primeiro lugar, lembro-me frequentemente do jornalista e especialista em assuntos do Oriente Médio, Daniel Pipes. Presidente do Middle East Forum, um think tank sediado em Filadélfia, Pensilvânia. Pipes já havia mudado de ideia em 2020, poucos meses antes da declaração de vitória de Joe Biden. É importante ressaltar que, em 2016, Pipes não votou em Hillary Clinton, mas sim em Gary Johnson, o então candidato pelo Partido Libertário. Em 2015 e 2016, Pipes estava convencido de que o candidato Donald J. Trump, ideologicamente, correspondia à definição de fascismo do dicionário Merriam-Webster: exaltação “da nação e, frequentemente, da raça acima do indivíduo” e defesa de “um governo autocrático centralizado chefiado por um líder ditatorial, com regimentação econômica e social e supressão forçada da oposição”. Isso porque, entre outras razões, numa entrevista concedida em 2016, Trump, o então candidato pelo Partido Republicano, queixando-se da comummente referida perda do prestígio dos EUA, prometeu fazer com que outros países respeitassem “o nosso país” e o “nosso líder” através da criação de uma “aura de personalidade”.
No entanto, o especialista em assuntos do Oriente Médio não demorou a mudar de opinião. Em junho de 2020, o jornalista, acadêmico e investigador publicou, na revista semanal Newsweek, um artigo de opinião afirmando que votaria em Donald Trump, que havia governado como um “resoluto conservador”. Considerou que sua política externa, durante o primeiro mandato, foi conservadora, tendo envolvido: a exigência de que os aliados contribuíssem com a parte que deviam ao orçamento do Tratado do Atântico Norte (NATO), o confronto com a China e com o Irão e o tratamento de Israel como verdadeiro aliado dos EUA e como o único país ocidental no Oriente Médio. Aqui, a ambição de fazer com que “nosso país” e seu presidente fossem respeitados no exterior parecia uma conquista, e não um defeito da primeira administração Trump (como pensava Pipes em 2016). Não que a forma como Trump expressou a sua intenção de recuperar o respeito pela América não fosse um tanto duvidosa e evitável, começando pela referência a uma “aura de personalidade”. Também, Pipes não esconde os efeitos das políticas da administração Trump nas áreas de educação, fiscalidade e meio ambiente, chegando a avaliá-las como “mais ousadas do que as de Ronald Reagan”. Politicamente, Pipes ainda se mostrou incomodado com o que chama de “protecionismo” defendido pelo atual presidente, pela sua insuficiente disposição para confrontar o presidente turco Erdogan, pela sua “hostilidade diante dos aliados” e os seus “perigosos encontros com Kim Jong-un”.
Numa entrevista concedida em agosto de 2024, Pipes revelou ser favorável à ideia de que o caráter de Kamala Harris é “presumivelmente melhor” e que “está com os democratas”, por exemplo, “na Ucrânia”. Contudo, concorda que, numa análise global das políticas implementadas e prometidas, as de Trump são melhores.
O historiador escocês e norte-americano Niall Ferguson também já não ficou convencido ao afirmar que o atual presidente, em 2021, incitou “uma multidão a uma tentativa de golpe para anular o resultado da eleição” presidencial de 2020. Compreensivelmente, é patente no ar um sentimento de comoção e de partilha de vitória quando um homem que se propõe a governar o país mais importante do planeta regressa ao poder, depois de quatro anos de uma das administrações mais incompetentes que os EUA já tiveram. Isso porque Donald Trump não é um candidato qualquer, mas alguém que voltou vitorioso depois de ter sobrevivido a mais de uma tentativa de assassinato e de tentar contrariar as histórias e as informações tal como são relatadas por uma parte substancial da imprensa.
Apesar de ter chamado Trump de “tirano” e “demagogo” que se esquivou ao dever de respeitar a Constituição norte-americana no dia 6 de janeiro de 2021, Ferguson opina que: o sistema é capaz de “neutralizar quaisquer impulsos que ele tenha ou tenha tido no passado”; “o eleitorado americano” refletiu moderadamente sobre a atitude do presidente dos EUA no início de 2021, percebendo que não foi um evento tão violento como foi apresentado pela imprensa e que não foi tão corrosivo para a carreira política de Trump como se poderia ter esperado. Hoje, Ferguson admite que houve uma verdadeira “combinação de uma crença genuína (…) de que a eleição foi roubada e um falhanço catastrófico do policiamento que parece não ter sido inteiramente acidental”. Ele compara os acontecimentos de 6 de janeiro de 2021 com as manifestações que sucederam à morte de George Floyd, chamando-as de episódios da “Loucura da Pandemia”.
Antigo conselheiro na candidatura de John McCain durante as presidenciais de 2008, Ferguson não hesita em reforçar que a hipótese de Kamala Harris governar os EUA seria muito mais desastrosa do que uma legislatura de Donald Trump. Quem assistiu à presidência de Biden confirmou a maleabilidade do ex-congressista e ex-presidente democrata às facções mais radicais de seu partido e como isso contribuiu para que os EUA deixassem de ser vistos como o país autêntico pelo qual foram reconhecidos durante pelo menos um século. Ferguson também assume a estima que tem pelo “apelo excepcional e incomparável” de Trump “para os eleitores conservadores” e pela sua “capacidade única de estender esse apoio para além de um eleitorado central”.
O facto de um número considerável de antigos NeverTrumpers terem passado a aceitar Donald Trump como candidato pelo Partido Republicano e presidente com uma agenda efetivamente conservadora tem a ver, na minha opinião, com a observação cuidada do que a esquerda norte-americana (e global) faz para preservar o seu poder real e simbólico. Recordemos como os liberais e progressistas norte-americanos, frequentemente representados pelo Partido Democrata, buscaram deslegitimar qualquer reclamação sobre (eventuais) irregularidades ocorridas durante e até a eleição de 3 de novembro de 2020. No seu artigo “Was the US Election Stolen?”, publicado em 17 de novembro de 2020 no site do Gatestone Institute, o professor de relações internacionais e membro do think tank espanhol Grupo de Estudios Estratégicos, Soeren Kern, explica como a suspeita de que a corrupção e a fraude permeiam as eleições nos EUA há algum tempo não é propriamente partidária. Nem começou com Donald Trump e seus apoiantes do Make America Great Again (MAGA).
Em janeiro de 2020, as autoridades eleitorais no estado do Texas rejeitaram o uso de máquinas das empresas Dominion e Smartmatic, que vendem software e hardware de votação eletrónica, invocando razões de segurança. Um relatório publicado nesse mês pela Secretaria de Estado do Texas observou que “relatórios anteriores identificaram múltiplos problemas de hardware e software” associados aos equipamentos fornecidos por essas empresas, o que determinou que o sistema Democracy Suite 5.5-A não “satisfazia cada um dos requisitos de voto estabelecidos no Código de Eleição do Texas”. Segundo os relatórios, o sistema não operava de forma coerente e eficiente, nem era protegido contra fraudes ou manipulações não autorizadas.
Em junho de 2017, o especialista em informática Alex Halderman testemunhou, diante do Comité de Inteligência do Senado dos EUA, sobre a possível interferência russa nas eleições de 2016:
“Há dez anos, fiz parte da primeira equipa académica responsável por uma análise abrangente da segurança de uma urna eletrónica. (…) O que descobrimos foi perturbador: podíamos reprogramar a máquina para, invisivelmente, fazer qualquer candidato ganhar. Também criámos software malicioso – códigos capazes de roubar votos – que se podiam espalhar de máquina em máquina como um vírus de computador e, silenciosamente, alterar o resultado da eleição. (…) Especialistas em cibersegurança encontraram vulnerabilidades severas que permitiram aos atacantes sabotar máquinas e alterar votos. (…) Um atacante pode sondar diferentes áreas de um estado decisivo à procura de vulnerabilidades, encontrar as áreas com proteção mais fraca e atacar ali. Numa eleição apertada, mudar alguns votos pode ser o suficiente para inverter o resultado e um atacante pode escolher onde – e em qual equipamento – roubar esses votos.”
Em abril do ano seguinte, Halderman, que trabalhava para o New York Times, simulou uma eleição (“mock election”) para demonstrar a fragilidade das máquinas de voto produzidas pela Dominion. Em um vídeo, Halderman disse:
“Estou aqui para dizer que as urnas eletrónicas (…) são uma péssima ideia. Isso porque pessoas como eu podem hackeá-las muito facilmente”.
Em dezembro de 2019, três senadores democratas alertaram para as vulnerabilidades das urnas eletrónicas produzidas pela Dominion e duas outras empresas. Numa carta escrita por eles, disponível desde 6 de dezembro de 2019, os três senadores alertaram para algumas realidades alarmantes verificadas em 2018 (ano de eleições locais nos EUA): eleitores no estado da Carolina do Sul queixaram-se de “máquinas (urnas eletrónicas) que trocavam os seus votos depois de inseridos”, “ecrãs que não reconheciam boletins de voto” no estado do Missouri, e de máquinas estragadas que, no estado do Indiana, causaram enormes filas; “investigadores revelaram, recentemente, vulnerabilidades não divulgadas em cerca de três dezenas de processos eleitorais em 10 estados”; naquele ano, depois que o contador eletrónico de votos do candidato democrata ter mostrado que ele havia recebido uns improváveis 164 votos de 55.000, durante as eleições judiciais no estado da Pensilvânia em 2019, uma secretária do Partido Republicano de um condado desse estado admitiu que algo de errado tinha acontecido.
Não faltam evidências de que o processo eleitoral nos EUA apresenta, no mínimo, algumas lacunas. E os problemas tecnológicos não vêm sozinhos. Pelo visto, aqueles que colocaram a vida e a integridade física de muitos americanos em risco durante protestos “anti-racistas”, em memória de George Floyd, não se esforçaram em ser contidos na ambição de levar às urnas o maior número possível de pessoas. Mesmo que, para isso, tenham feito troça do estado de direito.
Um projeto-lei, inicialmente conhecido como “For the People Act”, apresentado pela primeira vez pelo congressista democrata John Sarbanes, a 3 de janeiro de 2019, no ano seguinte à conquista da maioria pelos democratas na Câmara dos Representantes, foi rejeitado pelos republicanos sob a liderança de Mitch McConnell, que tinham a maioria no Senado. Segundo Wendy Reisser, supervisora do Programa de Democracia do think tank liberal/progressista Brennan Center for Justice, o projeto-lei introduziria o registo eletrónico e automático de eleitores, um número mínimo de dias para voto antecipado e inspeções mais rigorosas na demarcação e delimitação de distritos eleitorais e nas leis de financiamento de campanhas nos EUA, com o objetivo de aumentar a participação eleitoral (e erodir das regras do jogo durante as eleições). É claro que Schumer, o então líder dos democratas no Senado, nunca deixou de chamar esse projeto de “pacote de reformas há muito esperadas para proteger” a democracia americana.
Mais tarde, em 2022, os democratas, regozijando-se de ainda controlarem a Casa Branca e a Câmara dos Representantes, apresentaram uma nova versão do projeto-lei, chamada agora “For the People Act” (também conhecida como lei HR1). O geopolitólogo francês Guy Millière, na sua obra “Après la démocratie?: L’Amérique et le monde au temps de l’administration Biden”, relata que esse projeto legalizaria muitas das práticas que tornaram a eleição de 3 de novembro de 2020 uma eleição fraudulenta, como o envio de boletins de voto por correspondência a todos os habitantes de cada estado, a coleta de votos por correspondência ao domicílio, a interdição de exigir qualquer meio de identificação para votar e a contagem de votos por correspondência recebidos após o dia da eleição.
Não tendo conseguido novamente atingir seus objetivos, os democratas na Câmara dos Representantes, sob a liderança de Nancy Pelosi, apresentaram uma terceira versão do projeto-lei, chamada agora de “John R. Lewis Voting Rights Advancement Act” (ou lei HR4). Mais uma vez, eufemismos como “promoção do direito de voto” e acusações de racismo e segregacionismo contra os opositores do projeto foram usados. Passou na Câmara dos Representantes, mas não no Senado.
Finalmente, veio uma última reformulação do projeto-lei, agora com o nome “Protecting the Right to Vote Act”, que, mais uma vez, não foi adotada pelo Senado a 3 de novembro de 2021.
Na entrevista a Dan Perry, de agosto do ano passado, Daniel Pipes descreveu um conservador como alguém que não se considera “tão esperto” e que, por isso, vive “cautelosamente” e “trabalha com a tradição”, disposto a “mudar a tradição” apenas onde for necessário. Para os liberais, segundo o historiador e especialista em assuntos do Médio Oriente, têm a ideia que se acham “tão espertos” que pensam poder agir “por conta própria”, sem referência a qualquer tradição. Esta definição abrange os liberais (da América) e aos progressistas. Daí que, ao contrário dos conservadores, os progressistas não aceitem que, durante a maior parte da história humana, a existência de apenas dois géneros nunca foi questionada. Os progressistas, com ambição de transformar a natureza humana, tentam convencer-nos de que podem existir “setenta géneros”.
E, para normalizar suas ideias e visão de mundo, os progressistas não economizam esforços para normalizar acusações que, se analisadas com cuidado, não têm fundamentos sólidos. Por isso, enquanto fingem estar isentos da responsabilidade pelo incêndio de carros, pela destruição de habitações e estátuas e pela poluição nas ruas de grandes cidades, acusam pessoas como Donald Trump, membros do Partido Republicano e conservadores de serem uma ameaça à democracia. Quando, na realidade, são eles os mais sedentos por atenção e poder. Muito provavelmente, foi também a reação do atual presidente dos EUA a isso que justificou o afrouxamento do movimento anti-Trump.
LOURENÇO RIBEIRO
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Lourenço Ribeiro é licenciado em Sociologia pela FLUP e é mestrando em Políticas Públicas pelo ISCTE. É filiado do Instituto Trezeno.
As opiniões do autor não reflectem necessariamente a posição do ContraCultura.
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