“Eu não tenho um cérebro quando ninguém está a olhar para ele.”
Donald Hoffman
No contexto do limitado corpo de conhecimento científico e filosófico sobre o complexo problema da consciência humana, Donald Hoffman, professor do departamento de ciências cognitivas da Universidade da Califórnia, é um dos neuro-cientistas mais assertivos do nosso tempo.
E isto deve-se ao facto de Hoffman dedicar uma boa parte do seu tempo ao estudo da percepção da realidade, tema platónico que é completamente iniciático para esta conversa. Mas também à sua humildade, que é raramente detectável na comunidade científica contemporânea. Sabemos muito pouco, ou nada, sobre o eixo essencial que organiza o interface entre a mente biológica e a mente consciente. E convém admitir isso. Por exemplo: quando cheiramos o aroma do café, não há nenhuma explicação, não há nenhuma teoria materialista barra científica que consiga explicar como é que os neurónios transformam os inputs químicos na sensação que experimentamos. É algo que nos acontece várias vezes por dia. Algo banal. Mas é um imenso mistério.
Voltando porém à questão da percepção: será que o ser humano vê a realidade como ela é? Donald Hoffman acha que não. Acha que, se respeitarmos os princípios darwinianos que imperam nas academias contemporâneas, os nossos sentidos são parte de um interface que nos permite funcionar de forma óptima no contexto dessa realidade. Apenas isso. Vemos e sentimos o que nos permite sobreviver. Vemos e sentimos o que nos torna mais aptos. Isso não significa que vemos ou sentimos a realidade com precisão ou na sua morfologia total.
Hoffman oferece uma boa analogia para o entendimento desta divergência entre a percepção e a realidade: quando compomos e enviamos um email, lidamos com um interface daquela que é realmente a tecnologia do email, um intrincado e complexo sistema híbrido de hardware e código que felizmente não observamos directamente nem precisamos de saber manipular, caso contrário a esmagadora maioria dos utilizadores de correio electrónico passariam uma vida inteira para enviar um único email. O interface amigável do outlook ou do browser permite-nos superar essa densidade invisível e funcionar esplendidamente, em tempo real, com a ferramenta informática. O mesmo poderá passar-se com os mecanismos de apreensão da realidade do ser humano, que retiram do plano sensorial tudo aquilo que pode ser impeditivo para a eficiência do organismo no contexto do seu meio, de forma a potenciar a sua aptidão e índice de sucesso genético.
O problema de ordem epistemológica que se coloca a partir daqui, e que é um bocadinho infernal, é que se estamos ontologicamente condicionados a uma percepção parcial, filtrada e construída da realidade, qualquer atitude científica está também condenada a uma certa insuficiência. No caso, o neurologista que observa o cérebro humano poderá não estar a observar aquilo que é na realidade o cérebro humano, mas apenas a dimensão que é perceptível para o seu quadro sensorial. O cérebro será, assim, apenas uma espécie de logótipo da consciência.
Mais: se a realidade perceptível é uma construção neuronal, ela só existe quando é percepcionada. E se isto se passa com a realidade, passa-se necessariamente com o cérebro humano, que só existe, quando é observado. E se assim é, então a consciência não reside no cérebro nem se pode reduzir ao âmbito materialista. Porque a consciência, não sendo observável, existe em contínuo.
Esta última conclusão, absolutamente épica, liberta uma importante nuance no pensamento de Hoffman. Pensando como um darwinista, o professor está a demonstrar a falência técnica e filosófica do darwinismo. Porque das duas uma: ou assumimos que a lógica da sobrevivência do mais apto implica necessariamente a imposição de limites ao conhecimento e o conceito de espaço-tempo como fabricação sensorial, ou um outro modelo científico terá que ser formulado, para que o ser humano progrida cognitivamente sobre os mistérios do cosmos.
Para aqueles que têm interesse em neuro-ciências e em filosofia da ciência, o Contra aconselha vivamente o consumo dos seguintes 40 minutos de luminosa clarividência. Ou, pelo menos, daquela que é possível dentro dos limites da percepção humana.
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