Os pilares do Estado britânico já não são os bastiões do conservadorismo que costumavam ser. A Igreja de Inglaterra, que se flagela com as suas “ligações à escravatura”, ajoelha-se perante o evangelho Black Lives Matter e os cânones do culto woke. O director do Eton College – que educou 20 dos primeiros-ministros britânicos – também já aderiu à ideologia transgénero e às restantes directrizes radicais do politicamente correcto. Os juízes continuam a usar as suas togas e perucas, mas agora falam dos dogmas da teoria da crítica da raça. Os funcionários públicos britânicos, outrora conhecidos pela sua eficiência, desperdiçam o seu tempo em intermináveis palestras sobre diversidade. E a presidir a tudo isto está o chamado Partido Conservador, que de conservador tem apenas o mobiliários dos clubes que os seus membros frequentam, e que permitiu que a imigração britânica, tanto legal como ilegal, atingisse novos máximos e sob o qual o serviço nacional de saúde britânico classifica os recém-nascidos segundo a sua identidade de género. A revolução cultural britânica foi de tal forma bem sucedida e brutal que “esvaziou todos os símbolos da sua antiga natureza, de modo que nada mais é o que afirma ser”, como conclui Peter Hitchens, um dos mais proeminentes cronistas deste decaimento da identidade do reino.

Ainda assim, nada nem ninguém ilustra esta triste realidade tão eloquentemente como a figura do rei Carlos III. No início deste mês, Carlos discursou na conferência anual sobre alterações climáticas COP28, no Dubai, a capital dos Emirados Árabes Unidos (ao que parece, os clérigos do clima não resparam na contradição de se deslocarem piedosamente ao Estado do Golfo para disseminarem o seu evangelho da descarbonização). Há muito que Carlos é obcecado pelo ambientalismo, tendo discursado na COP26 em Glasgow, em 2021, quando ainda era Príncipe de Gales. Mas agora que é o monarca constitucional da Grã-Bretanha, é obrigado a ser politicamente neutro, seguindo o exemplo dado por sua mãe, a Rainha Elizabeth II, durante seu longo e estoico reinado. “Eu, intrometer-me como rei?”, assegurou à BBC em 2018, “não sou assim tão estúpido”.

Mas, lamentavelmente, é de facto estúpido assim.

O discurso de Carlos no COP28 foi muito mais do uma impensada intromissão em assuntos que devia evitar, por definição do seu cargo. Apelou a que fossem investidos triliões de dólares em tentativas de transformação da economia global, de modo a atingir emissões líquidas zero de carbono. E, para angariar apoio para a causa, o seu discurso foi impregnado de nuances apocalípticas, o motivo alarmista preferido das elites globalistas. Atribuindo vários dos recentes fenómenos meteorológicos extremos às alterações climáticas, num exercício de pseudociência que faria corar qualquer vendedor de pomadas para os bicos de papagaio, chamou à queima de combustíveis fósseis uma “experiência assustadora” que está a levar o mundo para um “território perigoso e desconhecido”. A “esperança do mundo”, afirmou, reside na fé verde, para que não tenhamos de enfrentar um futuro “mais negro e mais cruel”.

Não pode haver dúvidas de que o discurso do Rei foi uma intervenção política, na medida em que a tese do apocalipse climático é exclusivamente política. A imprensa corporativa pareceu reconhecê-lo como tal: o Guardian saudou-o como um “apelo às armas”; o New York Times elogiou a “urgência evangélica” de Carlos; e para o Politico Europe, foi um “grito de guerra”. Afinal, a agenda das alterações climáticas tem pouco de científico e tudo de ideológico. A procura do santo graal que é o Net Zero levaria o mundo a abandonar os combustíveis fósseis que representam mais de 80% da produção energética mundial, optando, em vez disso, por soluções renováveis insuficientes em relação à procura, pouco fiáveis e deveras dispendiosas. Isto teria enormes implicações para a economia, para a indústria e para o nível de vida das pessoas, como é fácil de concluir. O racionamento energético e alimentar, considerado necessário para atingir o Net Zero, significará comer menos carne, viajar menos, passar frio e, em geral, ser mais pobre. Há milhões de súbditos de Carlos que estão longe de concordar com esta agenda de austeridade ecológica, mesmo que tenham pouca ou nenhuma representação no unipartido de Westminster. Ao associar imprudentemente a Coroa a esta questão mais que polémica, Carlos corrói o terreno de neutralidade em que assenta o seu papel constitucional. Deixa de ser rei dos britânicos e passa a ser apenas o rei WEF.

No entanto, não é apenas na área da ideologia verde que Carlos, como bom discípulo de Klaus Schwab, surge como um rei activista. Recentemente, o governo britânico envolveu-se numa polémica com o governo grego sobre o facto de o Museu Britânico continuar a ser proprietário dos mármores de Elgin, escavados em Atenas no início do século XIX pelo conde com o mesmo nome. Durante o seu discurso no COP28, o Windsor, um conhecido helenófilo cujo falecido pai era grego, usou uma gravata e um lenço que evocavam a bandeira grega – sinal da sua simpatia pela causa helénica. O gesto não passou nada despercebido, com a imprensa grega a gabar-se da “mensagem óbvia” de apoio. Não se trata, portanto, de uma mera escolha excêntrica de vestuário, mas de um acto de traição: o Rei colocou-se do lado de uma potência estrangeira numa disputa diplomática. Independentemente do que possamos pensar sobre a legitimidade da posse deste património pelos britânicos (O Contra sublinha apenas que os materiais foram recuperados, legalmente, enquanto a Grécia estava sob o domínio do Império Otomano), a verdade é que esta decisão do monarca, que sugere uma simpatia pelas eternas exigências de devolução dos mármores para atenuar a alegada culpa colonial, é no mínimo bizarra, já que a sua prioridade deve ser a defesa dos interesses do seu país.

No seu primeiro ano como Rei, Carlos provou estar mais do que disposto a colocar a sua coroa aos pés da turba woke. Começou mal em Dezembro passado, quando uma frágil acusação de racismo por parte de uma funcionária de uma instituição de caridade e activista negra foi o que bastou para que o Palácio de Buckingham despedisse a antiga assistente de Sua Majestade, Lady Susan Hussey, de 83 anos. No mês passado, num evento pouco antes do Dia do Armistício, Carlos usou uma “Black Poppy Rose” para além da tradicional Remembrance Poppy vermelha, aparentemente para comemorar as contribuições dos militares afro-caribenhos na guerra. No entanto, a organização Black Poppy Rose não é nada benigna: celebra ditadores marxistas negros e líderes da brutal Revolução Haitiana, e o seu fundador é um defensor de reparações pelos pecados da escravatura. É um sinal preocupante, de facto, que Carlos subverta a tradição britânica de homenagem a quem lutou e perdeu a vida a defender o império britânico – e a civilização ocidental – para cair na graça de tais pessoas.

Além disso, depois de ter manifestado o seu “pesar pessoal” pelo tráfico de escravos no início deste ano, Carlos abriu a porta às reparações. Com a sua bênção, os historiadores estão a vasculhar os arquivos reais para investigar as possíveis ligações da família real ao tráfico transatlântico de escravos. As nações das Caraíbas já estão a exigir 33 mil milhões de dólares em pagamentos por parte dos países ocidentais, pelo que, quando forem inevitavelmente encontradas algumas ligações, o coro das reparações poderá revelar-se impossível de ignorar. Um tal espetáculo, se acontecesse, seria uma humilhação da qual a monarquia talvez nunca recuperasse.

No entanto, apesar de toda esta sinalização de (falsas) virtudes, a monarquia nunca será suficientemente woke. Não há retórica verde ou humilhação ritual que convença os seus detractores de que uma instituição que encarna a tradição, a religião e a hierarquia há mais de mil anos é amiga da esquerda radical contemporânea. Em vez disso, o facto de o rei Carlos abraçar causas esquerdistas simplesmente afasta os apoiantes naturais da monarquia – os conservadores – ao mesmo tempo que se revela uma responsabilidade embaraçosa para a Grã-Bretanha na cena mundial. Nos próximos anos, Carlos e os seus sucessores poderão arrepender-se da sua decisão de submeter esta instituição, que deveria transcender a política, aos modismos transitórios do momento actual.

Carlos III abdicou de ser rei de todos os britânicos: é o monarca WEF da agenda globalista, da turba woke e do apocalipse climático. Talvez essa escolha se revele dramática, para o futuro da coroa Windsor.