No seu livro “Homenagem à Catalunha”, o escritor George Orwell descreve o tempo que passou a combater na Catalunha durante a Guerra Civil Espanhola. Esta experiência serviu-lhe de inspiração para “O Triunfo dos Porcos”. Orwell ficou desiludido com o que viu e viveu nestes tempos conturbados e descreveu o caos das ambições humanas e dos emaranhados ideológicos que encontrou:
“Um caleidoscópio de partidos políticos e sindicatos, com os seus nomes enfadonhos. Comparado com as enormes misérias da guerra civil, este tipo de disputas internas entre partidos, com as suas inevitáveis injustiças e falsas acusações, pode parecer trivial. Mas acredito que calúnias e campanhas de imprensa deste tipo, e os hábitos mentais que indicam, são capazes de causar os danos mais mortais.”
Este foi o encontro directo de Orwell com a região catalã de Espanha, durante uma época de grande agitação política, económica e social, entre 1936 e 1939.
Fast Forward para Novembro de 2023: Nas ruas das cidades de toda a Espanha ouvem-se os cânticos de dezenas de milhares de manifestantes. “Espanha é cristã e não muçulmana!” Alguns cantavam a Ave Maria. Alguns rezavam o terço. Alguns seguravam cartazes chamando traidor ao actual primeiro-ministro em exercício, Pedro Sánchez.
MADRID
‘Spain is Christian not Muslim’ pic.twitter.com/nIUChQx5Zx
— Catholic Arena (@CatholicArena) November 11, 2023
Independentemente do cartaz ou do cântico, a mensagem era a mesma. Os cidadãos espanhóis estão fartos de assistir ao golpe socialista a apertar cada vez mais o cerco a uma nação que conhece bem os problemas que surgem quando se tenta roubar a identidade de um país. Protestaram solidariamente, como já o fizeram muitas vezes, contra forças que, independentemente do rótulo que usem para se identificarem ou encobrirem as suas intenções, pretendem tirar a Espanha o que é seu: identidade, cultura, religião, liberdade e dignidade.
O mundo assiste agora à revolta dessa Espanha traída e esquecida, como já aconteceu muitas vezes, na história deste país retalhado por nacionalismos, credos, tradições e um caleidoscópio de partidos regionais, poderes locais, movimentos de insurreição independentista.
THIS IS MASSIVE 🇪🇸
Hundreds of thousands of patriots gather in anti-socialist protest in Spain.
The media won’t show you this👇pic.twitter.com/qOFniI6yhD
— PeterSweden (@PeterSweden7) November 12, 2023
Thousands of Spanish patriots have taken to the streets
Spain will NOT be taken by socialists
The people are rising up pic.twitter.com/xfmUWJxtKd
— Jack Poso 🇺🇸 (@JackPosobiec) November 12, 2023
Os protestos resultam dos planos de Pedro Sánchez, líder interino do governo socialista, para criar uma “geringonça” (Sánchez sempre elogiou Costa por conseguir ser primeiro-ministro sem ganhar eleições), de forma a garantir mais um mandato, oferecendo amnistia aos que participaram na tentativa ilegal e falhada de independência da Catalunha, há seis anos, em 2017. Sanchez começou por fechar um acordo com um partido separatista – a Esquerda Republicana Catalã (ERC), que está no poder na região nordeste de Espanha. Os seus negociadores chegaram depois a um acordo com o partido mais radical, o Juntos pela Catalunha (Jxcat), liderado por Carlos Puigdemont, que liderou o último movimento independentista, mas que fugiu para Bruxelas para evitar ser preso.Que é, para todos os efeitos, um criminoso fugido à justiça. O acordo prevê uma amnistia para Puigdemont e todos os envolvidos na tentativa falhada de independência da Catalunha em 2017. Depois do fora-da-lei ter ido para o exílio em 2017, nove outros líderes catalães foram presos por sedição antes de serem perdoados por Sanchez em 2021. O crime de sedição foi entretanto retirado do código penal. Mas Puigdemontt continua a ser acusado de desobediência e de desvio de fundos públicos.
De acordo com as páginas do acordo, o projecto de amnistia abrange acusações desde o início da luta pela independência da Catalunha, em 2012, até 2023, mas não faz referência a nenhum indivíduo. O Jxcat irá propor a realização de um “referendo de autodeterminação sobre o futuro político da Catalunha, nos termos da Constituição espanhola”, enquanto o Partido Socialista afirma que irá defender o “amplo desenvolvimento” da autonomia da Catalunha por meios legislativos. O texto também faz referência a processos judiciais que o Jxcat afirma terem sido utilizados para perseguir politicamente figuras públicas. Puigdemont disse que o acordo representa um passo em frente na resolução do conflito histórico entre a Catalunha e a Espanha. Pudera.
O negociador do Partido Socialista espanhol, Santos Cerdan, não esconde que precisa destes votos renegados para que Sánchez permaneça no poder, dizendo a propósito das negociações que lidera:
“É necessário formar o mais rapidamente possível um governo progressista que dê estabilidade a Espanha e que cumpra o mandato do povo nas últimas eleições”.
O “mandato do povo” não é o da permanência do PSOE no poder.
A proposta de lei de amnistia, que se aplicaria a centenas de pessoas que participaram no esforço unilateral de secessão de Espanha, já deu origem a uma série de protestos violentos em frente à sede de Madrid do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE). Enquanto o líder do PSOE e primeiro-ministro interino, Pedro Sanchez, argumenta que o acto de clemência ajudaria a promover a coexistência após a tumultuosa crise política e territorial de 2017, os seus opositores criticaram a medida como um meio cínico e egoísta de permanecer no poder.
A questão da amnistia surgiu após as eleições gerais inconclusivas de Julho. À semelhança do que já aconteceu em Portugal, o conservador Partido Popular (PP), que ficou em primeiro lugar, não conseguiu formar um governo, mesmo com o apoio do Vox, um poderoso partido populista nacional, e de outros grupos mais pequenos. No entanto, o PSOE e os seus parceiros da Aliança Sumar, de extrema-esquerda, conseguiram o apoio dos dois principais partidos catalães pró-independência, prometendo em troca a amnistia. Sánchez está agora em condições de conseguir a aprovação do Congresso para ser reconduzido no cargo de primeiro-ministro, num debate e votação que deverão ter lugar no final desta semana.
No domingo, realizaram-se protestos em cidades de todo o país, incluindo Madrid, Barcelona, Sevilha e Valência.
— Jack Poso 🇺🇸 (@JackPosobiec) November 12, 2023
As pessoas que se encontravam na Praça Puerta del Sol, na capital, carregavam efígies de Sánchez como Pinóquio. Os manifestantes entoaram gritos de “Prisão para Pedro Sánchez” e levaram cartazes com mensagens como “A democracia em Espanha está em risco”, “Sanchez é um traidor” e “Não à amnistia para o terrorismo”.
Na Puerta Del Sol, o líder do Partido Popular, Alberto Nunez Feijoo, acusou o primeiro-ministro interino de “comprar a sua investidura em troca de dar impunidade judicial aos seus parceiros” e disse que os espanhóis não vão ficar calados perante a amnistia.
“Os espanhóis querem democracia, igualdade, justiça e dignidade. O cargo de primeiro-ministro de Espanha não pode ser objecto de compra e venda. A Espanha nunca se vendeu e o PSOE tentou encobrir o facto de ter perdido. O primeiro-ministro de Espanha será sempre a pessoa que ganhou as eleições.”
A sua colega Isabel Diaz Ayuso, a populista líder distrital de Madrid, foi mais longe e disse que Sanchez tinha finalmente revelado o seu “projecto totalitário”:
“Decidiu que não vai perder o poder, custe o que custar a Espanha, e que nada nem ninguém lho tirará. Decidiu dinamitar as regras do jogo e suprimir as instituições e os poderes do Estado.”
O líder do Vox, Santiago Abascal, descreveu o acordo de Sánchez com os partidos catalães como
“Um golpe de Estado em letras maiúsculas”.
E acrescentou:
“Este é o momento mais delicado da política espanhola nos últimos 40 anos. Apelo à mobilização permanente e pacífica que vá muito além destas manifestações.”
Entretanto, o próprio Sánchez, com a desvergonha que caracteriza a esquerda europeia contemporânea, apelou à aceitação dos resultados eleitorais (!!!) e instou o PP a mostrar “bom senso”, enquanto acusava os adversários políticos de um comportamento “reaccionário”:
“Pedi-lhes que respeitassem o resultado das urnas e a legitimidade do governo que iremos formar em breve. Pedi-lhes que fossem corajosos e dissessem não ao abraço de urso da extrema-direita e que abandonassem o caminho reacionário que estão a seguir em direção ao abismo. Vamos governar para todos os espanhóis, para mais quatro anos de progresso social e de convivência.”
A verdade é que os negócios sujos do PSOE com os independentistas catalães, as últimas de uma longa série de decisões desrespeitosas da esquerda e da extrema-esquerda, foram a gota de água para os conservadores espanhóis. E não como aconteceu em Portugal, em que o gado permitiu que Costa subisse tranquilamente ao poder sem ganhar eleições, as ruas das principais cidades espanholas explodiram de indignação.
Pedro Sánchez vai, tudo indica e com mais ou menos protestos, continuar a governar. Mas este seu mandato não vai ser nada fácil: meia Espanha está em pulgas para correr com ele. E a tensão política está a chegar a um ponto insustentável.
E entretanto, em Portugal, é isto:
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