A Suíça tem mantido uma política de neutralidade desde 1815 e não apoiou nenhum dos lados em nenhuma das duas guerras mundiais. Hitler, Mussolini, Estaline, Ceausesco, Jaruzelski, Metaxás ou qualquer outro ditador europeu nunca foi capaz de incomodar a sensibilidade filosófica, humanística, política ou geo-estratégica dos suiços, que se mantiveram orgulhosamente neutros desde a queda de Napoleão.

Mas logo após o início do conflito na Ucrânia, a Suíça impôs sanções à Rússia e enviou ajuda económica a Kiev, porque o Kremlin de Putin é uma ameaça maior para os banqueiros e os relojoeiros e os chocolateiros da federação acantonada nos Alpes do que alguns dos maiores genocidas na história da humanidade.

Até agora porém, a Suíça tem disfarçado o seu favoritismo ao recusar-se a fornecer armas ou a permitir que outros países enviassem armas ou munições de fabrico suíço, ou através da Suíça, para a Ucrânia. Mas até isso pode estar a mudar, porque os líderes  do sector da defesa estão a pressionar as restantes esferas do poder no sentido de estreitar os laços com as potências ocidentais e com a NATO.

De facto, a Suíça vai intensificar a sua cooperação militar com a NATO “tanto quanto possível”, de acordo com um documento oficial do exército recentemente divulgado. Mas enquanto os líderes militares do país têm pressionado por uma maior integração com o bloco liderado pelos EUA há já algum tempo, os legisladores em Berna estão preocupados que a sua famosa neutralidade esteja em risco.

As tropas suíças já participam em alguns exercícios de treino além fronteiras, mas os chefes militares vão agora “expandir essa cooperação bilateral e multilateral tanto quanto possível”. Embora as unidades da força aérea e das forças especiais treinem por vezes com os países da NATO, o relatório defende que as tropas terrestres da Suíça devem participar nos exercícios conjuntos do bloco ocidental e operem de acordo com a doutrina da NATO.

O relatório também argumenta a favor da integração da Suíça no quadro de defesa da Cooperação Estruturada Permanente (PESCO) da UE e na Iniciativa Escudo do Céu Europeu – um programa de defesa aérea em todo o bloco anunciado pelo chanceler alemão Olaf Scholz, no ano passado.

Estas medidas são necessárias devido à “guerra de agressão russa contra a Ucrânia”, afirma o relatório, acrescentando que

“a época de paz na Europa está a chegar ao fim”.

Uma facção do governo suíço pretende afrouxar essa neutralidade tradicionalmente rígida. A ministra da Defesa suíça, Viola Amherd, e o chefe do exército, Thomas Sussli, apelaram a uma maior participação da Suíça nos exercícios da NATO, incluindo os exercícios do Artigo 5, em que o bloco treina para responder em uníssono a um ataque a um único membro.

Este bélico entusiasmo suscitou preocupações em Berna, com o Partido Social-Democrata e o Partido Popular a insistirem que qualquer cooperação com a NATO põe em risco séculos de neutralidade. Depois de Sussli ter apelado a uma “cooperação intensiva” com o bloco ocidental, em Março deste ano, Mauro Tuena, do Partido Popular afirmou:

“A certa altura, a NATO dirá que é tempo de parar com o nosso envolvimento selectivo. Nessa altura, é claro, acaba-se a neutralidade”.

Os suíços, no entretanto, podem dar graças a Deus pelo secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, que não aceita a ideia de acolher soldados suíços nos exercícios do bloco enquanto a política de Berna sobre o trânsito e o fornecimento de armas e munições à Ucrânia não mudar.

“Vários aliados têm reservas porque a Suíça não lhes permitiu passar munições para a Ucrânia. Estamos a pedir a todos os nossos parceiros, incluindo a Suíça, que pelo menos permitam a reexportação de armas e munições”.

É portanto uma questão de tempo, de pouco tempo, até que a Suíça se comece a comportar relativamente à questão ucraniana como todas as nações da Europa Ocidental, ou seja: vergonhosamente.