Donald Trump tem agora que lidar com 4 acusações judiciais, de que vai tentar defender-se enquanto procura a reeleição para presidente dos EUA. Desta vez foi indiciado pela investigação criminal conduzida por promotores estaduais da Geórgia sobre supostos esforços para anular a eleição presidencial de 2020 neste estado.

O ex-chefe de gabinete da Casa Branca de Trump, Mark Meadows, e seus colaboradores directos como Rudy Giuliani, Sidney Powell, Jenna Ellis, Kenneth Chesebro, Jeff Clark e John Eastman, entre outros, também foram acusados.

As acusações incluem violação do Georgia RICO Act – o Racketeer Influenced And Corrupt Organizations Act; Solicitação de Violação de Juramento por Funcionário Público; Conspiração para Cometer a Personificação de um Funcionário Público; Conspiração para Cometer Falsificação em Primeiro Grau; Conspiração para Cometer Falsas Declarações e Escritos; Conspiração para Cometer Arquivamento de Documentos Falsos; Conspiração para Cometer Falsificação em Primeiro Grau; Apresentação de Documentos Falsos e Solicitação de Violação de Juramento por um Funcionário Público.

A procuradora distrital do condado de Fulton, Fani Willis, estipulou que Trump e os restantes acusados terão que se entregar às autoridades judiciais até 25 de Agosto. Willis disse na noite de segunda-feira durante uma conferência de imprensa que gostaria que o julgamento ocorresse dentro de seis meses. Antes das eleições presidenciais, mas em plena campanha eleitoral, portanto.

Na acusação, podemos ler:

“O réu Donald John Trump perdeu a eleição presidencial dos Estados Unidos realizada a 3 de novembro de 2020. Um dos estados em que perdeu foi a Geórgia. Trump e os outros réus recusaram-se a aceitar a derrota e, consciente e intencionalmente, conspiraram para alterar ilegalmente o resultado da eleição em seu favor. Essa conspiração continha um plano e propósito comum para cometer dois ou mais actos de actividade de extorsão no condado de Fulton, na Geórgia, em outras partes do estado da Geórgia e em outros estados.”

A acusação de 97 páginas contém 41 acusações criminais contra Trump e os 18 réus, alegando que os réus

“conspiraram ilegalmente e esforçaram-se para conduzir e participar numa actividade criminosa no condado de Fulton, na Geórgia, e em outros lugares. (…) Constituíram uma organização criminosa cujos membros e associados se envolveram em várias actividades criminosas relacionadas, incluindo, mas não limitadas a, falsas declarações e escritos, personificação de um funcionário público, falsificação, apresentação de documentos falsos, influência de testemunhas, roubo de computador, invasão de computador, invasão de privacidade de computador, conspiração para defraudar o estado, actos envolvendo roubo e perjúrio.”

A acusação afirma que os réus compareceram em audiências no condado de Fulton, na Geórgia, perante membros da Assembleia Geral da Geórgia em dezembro de 2020 e

“fizeram declarações falsas sobre fraude nas eleições presidenciais de 3 de novembro de 2020. O propósito dessas declarações falsas era persuadir os legisladores da Geórgia a rejeitar os votos eleitorais legais lançados pelos eleitores presidenciais devidamente eleitos e qualificados da Geórgia. Os réus solicitaram a corrupção de legisladores da Geórgia para que nomeassem ilegalmente seus próprios eleitores presidenciais.”

A acusação também alega que os réus

“solicitaram de forma corrupta funcionários da Geórgia, incluindo o Secretário de Estado e o Presidente da Câmara dos Representantes, a violar os seus juramentos à Constituição da Geórgia e à Constituição dos Estados Unidos, alterando ilegalmente o resultado da votação de 3 de novembro de 2020, em favor de Donald Trump. (…) Solicitaram de forma corrupta funcionários de alto escalão do Departamento de Justiça dos Estados Unidos para fazer declarações falsas a funcionários do governo no condado de Fulton, na Geórgia, incluindo o governador, o presidente da Câmara dos Representantes e o presidente interino do Senado. Num caso, Donald Trump declarou ao procurador-geral interino dos Estados Unidos: ‘diga apenas que a eleição foi corrompida e deixe o resto comigo e com os congressistas republicanos'”

A acusação afirma ainda que Trump e os outros réus tentaram que o então vice-presidente Mike Pence cometesse actos ilegais.

Os réus também são acusados de supostamente roubar dados incluindo imagens de cédulas, software de equipamentos de votação e informações pessoais de eleitores.

Quanto às acusações de extorsão, a acusação diz que em 4 de novembro de 2020, Trump fez um discurso televisivo em que

“declarou falsamente a vitória nas eleições presidenciais de 2020. Aproximadamente quatro dias antes, por volta de 31 de outubro de 2020, Donald John Trump discutiu o rascunho de um discurso com um co-conspirador não indiciado, cuja identidade é conhecida pelo Grande Júri, que declarava falsamente a vitória e alegava falsamente fraude eleitoral. O discurso foi um acto aberto em prol da conspiração.”

Esta é a quarta vez que Trump é indiciado, sendo o primeiro ex-presidente na história dos Estados Unidos a ser acusado criminalmente.

Após a eleição presidencial de 2020, foi reportado que Trump insistiu, durante um telefonema com o secretário de Estado da Geórgia, Brad Raffensperger, que havia ganho as eleições na Geórgia e instou o funcionário a “encontrar” votos suficientes para reverter os resultados desse estado.

A Geórgia certificou os resultados das eleições que deram ao oponente democrata de Trump, Joe Biden, a vitória na eleição estadual de 3 de novembro, por 11.779 votos.

Nas semanas seguintes à eleição, Trump recusou-se a conceder a vitória de Biden, e a sua campanha lançou uma série de procedimentos legais destinados a invalidar as eleições em vários estados, sem resultados práticos. Trump instou também os estados com legislaturas e governadores republicanos a anular as vitórias de Biden.

Um grande júri no Condado de Fulton, na Geórgia, divulgou este ano partes de um relatório detalhando as descobertas da investigação. Esse relatório indicou que a maioria dos membros desse júri acredita que uma ou mais testemunhas podem ter cometido perjúrio nos seus depoimentos e recomenda que os procuradores abram acusações contra elas.

O grande júri passou cerca de sete meses a ouvir depoimentos de testemunhas, incluindo aliados de alto perfil de Trump, como o advogado Rudy Giuliani e o senador Lindsey Graham, da Carolina do Sul, e altos funcionários da Geórgia, incluindo Raffensperger e o governador Brian Kemp.

Em Julho, Trump foi indiciado pela investigação do procurador especial Jack Smith sobre o motim do Capitólio a 6 de Janeiro de 2021. Declarou-se inocente de todas as acusações.

Smith também acusou Trump, em Junho, sobre uma suposta retenção indevida de documentos classificados da sua presidência. Trump declarou-se inocente de 37 acusações.

E em Abril, o ex-presidente declarou-se inocente de 34 acusações promovidas pela procuradoria distrital de Nova York, em que é acusado de falsificar documentos fiscais relacionados com pagamentos clandestinos feitos durante a campanha de 2016.

O problema central da mais recente acusação não é se Trump é culpado das acusações que lhe são dirigidas. Todos sabemos que o então presidente tentou de facto pressionar as autoridades eleitorais da Geórgia para anularem os resultados das eleições nesse estado-chave. A questão fundamental é esta: tinha o magnata de Queens razão para desconfiar que o processo eleitoral não era fiável e que foi corrompido de várias formas? Trump e todos os que na altura o apoiaram nunca conseguiram provar essas suspeitas no plano judicial, tanto a nível estadual como federal. E não porque as provas da corrupção desse acto eleitoral não existissem, mas porque o aparelho republicano, dividido entre as bases populistas e as lideranças comprometidas com os poderes instituídos em Washington, não foi capaz de levantar um processo coerente nesse sentido.

Donald J. Trump está agora a pagar o preço da sua ingenuidade, tanto como da sua coragem. O establishment nunca lhe perdoou a ousadia da dissidência e é certo que entre as 4 acusações, alguma há-de vingar. Se, ainda assim, ganhar as eleições de 2024, poderá perdoar-se. Se as perder, e não há razão para supor que o processo eleitoral corra de forma menos corrupta do que correu em 2020, vai provavelmente morrer na prisão.