Uma empresa privada de serviços secretos, designada por “Uber para zonas de guerra”, prepara-se para criar o que Israel espera que seja o modelo para suplantar o domínio do Hamas em Gaza.

A administração Biden aprovou o envio de mil mercenários privados treinados pela CIA como parte de um plano conjunto dos EUA e de Israel para transformar a apocalíptica paisagem de escombros de Gaza numa distopia de alta tecnologia.

Começando por Al-Atatra, uma aldeia no noroeste da Faixa de Gaza, o plano prevê a construção daquilo a que o diário israelita Ynet chama “bolhas humanitárias” – transformando os restos de aldeias e bairros em minúsculos campos de concentração isolados, rodeados e controlados por mercenários.

Isto acontece numa altura em que Israel leva a cabo massacres diários e limpezas étnicas no norte de Gaza, pondo em prática a proposta conhecida como “O Plano dos Generais”, originalmente elaborada pelo antigo chefe da segurança nacional Giora Eiland para transformar Gaza num “lugar onde nenhum ser humano pode existir”.

O plano, aprovado pelo conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, exige que as forças armadas israelitas eliminem as bolsas de resistência palestiniana, o que ainda não foi conseguido, como é demonstrável pela recente morte do coronel israelita Ehasn Daksa, o oficial de mais alta patente a perder a vida na guerra que dura há um ano.

Depois de eliminada a resistência, o arrepiante programa vai erguer muros de separação à volta dos bairros, obrigando os seus residentes a entrar e a sair utilizando uma identificação biométrica sob o controlo dos contratados da CIA e interditando a entrada de pessoas não residentes. Quem não aceitar o regime biométrico não terá acesso a ajuda humanitária.

Este plano, noticiado pela primeira vez pelo jornalista israelita Shlomi Eldar, atribui 90 milhões de dólares aos residentes para reconstruirem as suas casas e prevê a nomeação de um “sheik local” para o cargo de “chefe do conselho”.

O plano é uma reinicialização no século XXI do infame e falhado Programa Estratégico Hamlet que Washington ensaiou durante a guerra do Vietname nos anos 60, actualizado com um moderno programa de vigilância electrónica que o complexo militar-industrial dos EUA incorporou nas suas operações desde o início da chamada “Guerra ao Terror”. Os Estados Unidos criaram mesmo uma agência pouco conhecida chamada Defense Forensics and Biometrics Agency (Agência de Defesa Forense e Biométrica) para promover este programa.

 

‘Uber para zonas de guerra’

A empresa que está na vanguarda deste plano chama-se Global Delivery Company (GDC), descrita nos seus materiais promocionais como uma “Uber para zonas de guerra”. É propriedade do empresário israelo-americano Moti Kahana e emprega vários oficiais de topo dos serviços secretos militares israelitas e americanos, incluindo o capitão reformado da Marinha dos EUA Michael Durnan, o capitão reformado das Forças Especiais dos EUA Justin Sapp, o antigo chefe da divisão dos serviços secretos militares israelitas Yossi Kuperwasser e o antigo chefe dos serviços secretos militares israelitas David Tzur.

Kahana desempenhou um papel fundamental na guerra contra a Síria na década de 2010 e trabalhou com o Exército Sírio Livre, apoiado pela CIA, para fornecer alimentos e cuidados médicos a militantes e civis. O GDC também esteve envolvido na Ucrânia, onde colaborou com a organização sionista American Joint Distribution Committee para operar um campo de refugiados na Roménia, perto da fronteira com a Ucrânia. Tem também estado em negociações para libertar a antiga agente dos serviços secretos militares israelitas Elizabeth Tsurkov, que foi detida no Iraque em 2023.

O plano de Kahana para Gaza está a ser elaborado desde, pelo menos, Fevereiro de 2024. O empresário apresentou o plano para estabelecer os cantões eletrónicos – que o Jewish News chamou eufemisticamente de “condomínios fechados” – à Casa Branca, ao Departamento de Estado e ao Departamento de Defesa, bem como a Netanyahu. As autoridades americanas não responderam. Embora os militares israelitas tenham concordado, o primeiro-ministro sionista rejeitou a ideia. “Qual é a pressa?”, gracejou.

O exército israelita também tem estado em conversações com Kahana para destacar os seus mercenários para proteger o corredor de Netzarim, que divide a Faixa de Gaza.

Os mercenários do GDC teriam o controlo total da ajuda humanitária, suplantando assim o Hamas e pondo fim à sua governação, atingindo o objectivo a longo prazo da guerra sionista.

Shlomi Eldar asalientou a este propósito:

“Se o projecto-piloto for bem sucedido, será o modelo para a reabilitação de Gaza e resultará na supressão do controlo civil do Hamas na Faixa de Gaza”.

O plano assemelha-se a uma proposta publicada na revista do Departamento de Defesa dos EUA, escrita pelo pensador Likudnik Omer Dostri, que foi nomeado porta-voz do primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu em Agosto de 2024.

O plano de Dostri apresentava quatro opções para o futuro de Gaza:

1) Um regime colaboracionista instalado;
2) A renovação da administração da Autoridade Palestiniana;
3) Um mandato internacional ou regional em Gaza, ou
4) A ocupação militar israelita directa a longo prazo, que ele descreveu como a melhor opção.

No entanto, como o Hamas tem mantido o seu controlo civil em toda a Faixa de Gaza e Israel não conseguiu derrotar os grupos de resistência armada, o governo de Netanyahu está a contar com os EUA para cumprir o seu programa.

O último plano parece ser uma combinação de vários elementos do documento de Dostri, envolvendo uma ocupação militar israelita a longo prazo em combinação com um mandato internacional. Embora a proposta exigisse que os Emirados Árabes Unidos, o Bahrein ou a Arábia Saudita assumissem o controlo civil da Faixa de Gaza, isso não se concretizou, o que levou os Estados Unidos a aprovar o destacamento de contratados da CIA.

Embora Israel tenha forçado milhares de civis palestinianos a marchar para sul, a resistência armada em Gaza, ainda bastante activa, pode contrariar estes planos.