O último livro do eminente historiador Victor Davis Hanson, “The End of Everything” (literalmente: “O Fim de Tudo), examina as causas de colapsos civilizacionais históricos, integrando por isso alguns avisos importantes – e sinistros – para os incautos dos dias de hoje.
No famoso Discurso do Liceu de 1838, no início da sua carreira política, Abraham Lincoln alertou para a maior ameaça que a América enfrentava. O então deputado estadual do Illinois declarou:
“Devemos esperar que algum gigante militar transatlântico atravesse o oceano e nos esmague de um só golpe? Nunca! Todos os exércitos da Europa, Ásia e África juntos, com todos os tesouros da terra (excepto o nosso) no seu baú militar, com um Bonaparte como comandante, não poderiam nem em mil anos, pela força, conquistar o Ohio ou abrir caminho no Blue Ridge.”
Embora os Estados Unidos fossem, nessa altura, uma nação jovem e despovoada em comparação com potências imperiais como a Grã-Bretanha ou a França, a dimensão geográfica da nação, a sua distância dos continentes europeu e asiático e a sua capacidade de repelir as forças britânicas durante a Guerra da Independência pareciam provar o carácter inatacável da república americana.
Simetricamente, os grandes vultos do Império britânico do fim do século XIX, estavam longe de imaginar, que em cinquenta anos perderiam o domínio dos mares e as colónias do seu vasto império, sobre o qual o sol nunca caía.
Quase duzentos anos depois do discurso de Lincoln e cem anos depois da queda do império vitoriano, continuam os EUA a ser uma nação de “homens livres” que “devem viver para sempre ou morrer por suicídio”? Está a civilização ocidental vulnerável perante a extinção violenta, perpetrada por potências rivais? Um novo estudo histórico do conceituado historiador Victor Davis Hanson, The End of Everything: How Wars Descend Into Annihilation, avisa que aquilo que parece inimaginável pode, dadas certas circunstâncias, tornar-se inevitável.
Estudos de caso sobre o colapso de grandes civilizações.
Hanson, membro sénior de História Militar e Clássica na Hoover Institution da Universidade de Stanford, autor de inúmeros livros aclamados e um dos mais proeminentes pensadores do conservadorismo americano contemporâneo, apresenta quatro exemplos de colapsos inesperados de civilizações ao longo de quase dois milénios de história: Tebas clássica, Cartago púnica, Constantinopla bizantina e os astecas de Tenochtitlan. Em todos os casos, a civilização foi destruída por uma guerra abrupta centrada num centro cultural, político, religioso ou social que resultou no desaparecimento do governo desse Estado, no arrasar das suas infra-estruturas e na morte, escravidão e dispersão da maior parte da população.
Porquê? Escreve Hanson:
“A ingenuidade, a arrogância, as avaliações erradas das forças e fraquezas relativas, a incapacidade de dissuasão, as novas tecnologias e tácticas militares, as ideologias totalitárias e o recuo para a fantasia podem explicar porque é que estes acontecimentos catastróficos, normalmente raros, continuam a ocorrer”.
Como é habitual, Hanson mostra o seu extraordinário dom para contar histórias. O seu capítulo sobre a Tebas clássica, destruída pelo exército macedónio de Alexandre, o Grande, em 335 a.C., começa com uma frase arrebatadora:
“A ingenuidade colectiva pode levar à morte de um povo vulnerável.”
A partir daí, a queda de Tebas, que governava o que era visto como o epicentro do mundo cultural grego, lar de grandes personagens mitológicas como Hércules e de lendárias personagens trágicas como Antígona, prossegue a um ritmo assustador. Apesar de ter sido uma das mais temidas cidades-estado gregas, Tebas, abandonada pelos seus vizinhos e antigos aliados, viu-se confrontada com um invasor que, nos anos seguintes, colocaria de joelhos o enorme Império Persa.
Essa mesma força narrativa define os futuros capítulos sobre Cartago, Constantinopla e os Astecas, recheados de pormenores que mesmo aqueles que conhecem bem estes episódios históricos acharão fascinantes. Os cartagineses, por exemplo, procuraram inicialmente negociar com os romanos, entregando as suas armas, para depois se aperceberem de que os romanos pretendiam não só a sua rendição, mas também a sua destruição. No entanto, os corajosos cartagineses resistiram no seu reduto do Norte de África, com cerca de 500.000 habitantes, durante quase três anos. Os constantes e proverbiais apelos dos romanos à aniquilação total do seu inimigo – Cartago delenda est (“Cartago tem de ser destruída”) – não tinham na verdade justificação, já que quase nenhum observador antigo, incluindo os próprios romanos, conseguiu explicar racionalmente a obliteração de Cartago, uma vez que a humilhação da cidade na Segunda Guerra Púnica a tinha pacificado, transformando-a num entreposto comercial militarmente inofensivo.
O capítulo sobre os aztecas é também deveras penetrante. Embora a conquista do grande Império Azteca por Hernán Cortés seja hoje retratada como um ganancioso empreendimento colonialista, Hanson mostra que os Aztecas eram eles próprios uma potência imperial – e brutal – que não só subjugava outros povos da Mesoamérica, como também sacrificava anualmente milhares dos seus inimigos aos deuses. Essa parte da história, pelo menos, deve ser familiar para aqueles que possuem algum conhecimento, mesmo que passageiro, da extinção da civilização asteca.
O que é menos conhecido é que mesmo as outras tribos mesoamericanas que se juntaram aos espanhóis na guerra contra os seus brutais senhores aztecas eram elas próprias canibais que sacrificavam os cativos aos seus deuses. Continua a ser discutível até que ponto Cortés estava motivado pelo desejo de pôr fim a estas práticas horríveis, em vez do seu também óbvio desejo de conquista, mas o que não se pode negar é que os espanhóis eram muitas vezes observadores relutantes do sacrifício sangrento dos seus próprios compatriotas capturados, do cimo dos imponentes templos de Tenochtitlan. De facto, a tendência dos astecas para preferirem capturar em vez de matar os seus adversários no campo de batalha – uma tática impulsionada pelo seu sistema de sacrifícios – contribuiu para o triunfo dos conquistadores espanhóis.
Um poderoso aviso aos incautos e aos arrogantes.
O Fim de Tudo é uma leitura fascinante. Mas qual é a lição para o Ocidente? Hanson adverte, ameaçadoramente, no início do livro:
“Quanto mais as coisas mudam tecnologicamente, mais a natureza humana permanece a mesma – uma lei que se aplica até mesmo aos Estados Unidos, que muitas vezes acreditam estar isentos dos infortúnios de outras nações, do passado e do presente”.
O seu epílogo desenvolve essa advertência, registando vários pontos em comum entre estas civilizações devastadas, tais como a soberba, o declínio cultural, tecnológico e militar, a decadência das instituições e dos valores morais, uma esperança vã em ajudas que nunca surgiram, uma avaliação irrealista do perigo enfrentado, facciosismo e divisão a nível interno e uma resistência fanática que acelerou involuntariamente a destruição da civilização. Algumas destas qualidades definem certamente a América actual, em particular, e o Ocidente, em geral.
Hanson termina o livro referindo várias ameaças à segurança global, incluindo a guerra em curso entre a Rússia e a Ucrânia, as ameaças perenes da Coreia do Norte ao seu vizinho do Sul e aos Estados Unidos, e as tensões entre a China e Taiwan, o Irão e Israel, a Índia e o Paquistão, a Turquia e a Grécia, e o Azerbaijão e a Arménia. Tudo isto, sem dúvida, apresenta riscos para a América e os seus aliados que podem provocar um enorme derramamento de sangue. Hanson escreve:
“A civilização moderna enfrenta um paradoxo tóxico. Quanto mais a humanidade tecnologicamente avançada desenvolve a capacidade de eliminar os inimigos em tempo de guerra, mais desenvolve uma concepção pós-moderna de que a guerra total é um exercício obsoleto.”
Hanson chama a este tipo de raciocínio, e com razão, arrogância.
Hanson não faz referência às baixas taxas de alistamento militar dos EUA e na Europa que se registam actualmente, e que não têm precedentes históricos, nem à deficiente capacidade industrial do bloco ocidental face aos seus rivais, mas a Rússia produz três vezes mais munições que todos os países da NATO e a capacidade de construção naval chinesa supera já a americana.
As forças armadas dos EUA têm também oferecido ao mundo eloquentes espectáculos de incompetência na Somália, na Líbia, na Síria, no Afeganistão e, mais recentemente, no Mar Vermelho.
Estas, e muitas outras tendências, representam um enfraquecimento do poder e da influência americana e ocidental no mundo e, presume-se, são precisamente o tipo de fenómenos que Hanson acredita que temos de enfrentar para manter vantagens estratégicas num mundo cada vez mais instável.
Além disso, como observam muitos analistas e especialistas, a América parece estar tão dividida cultural e politicamente como nos anos que precederam a Guerra Civil. Embora seja possível que um inimigo externo deixe os EUA de joelhos, a aposta mais sólida é a de que a maior ameaça existencial que a Federação enfrenta reside precisamente nos seus conflitos internos.
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