O acto eleitoral de domingo constituiu sobretudo um manifesto de resiliência da lesma, o molusco hermafrodita, mascote desta Terceira República, que no imaginário proverbial é alérgico à mudança. O regime não vai permitir que o Chega – que num mundo normal, com 48 deputados, seria a força que levaria a direita ao governo – ascenda aos gabinetes sagrados do Terreiro do Paço e Marcelo Rebelo de Sousa está em Belém para garantir isso mesmo.
Apesar das declarações eufóricas de vitória de Montenegro e da sua recauchutada AD, os resultados são de empate técnico entre os dois partidos do regime e considerando o desgaste do PS, são sintomáticos da total desqualificação do líder social democrata – que tem o carisma de um criado de quarto e a visão política de um guarda-livros – e a prova provada que o CDS já não existe.
Apesar do resultado atípico do Livre, fruto de uma outra morte anunciada, a do BE, e dos socialistas terem ainda assim conquistado significativas vitórias nos distritos de Lisboa, Santarém, Leiria, Castelo Branco e em todo o Alentejo, não deixa de ser risonho o facto de a esquerda, somada por inteiro e contando com a Iniciativa Liberal, fique a milhas de uma maioria absoluta.
O resultado da CDU – um teimoso mas erodido vestígio arqueológico do século passado – empurra os comunistas para a segunda divisão da política portuguesa, que já de si vegeta numa liga distrital da política europeia. Esta despromoção resulta inteiramente de um tiro no pé, já que ninguém na verdade consegue perceber que razões insondáveis estão por trás da cooptação de Paulo Raimundo para líder do partido.
O Chega é de facto o único partido que tem razões para declarar triunfos, com destaque para a vitória no Distrito de Faro e o segundo lugar nos distritos de Beja, Portalegre e Setúbal. Mais a mais e pela primeira vez, Ventura parece ter de facto resgatado uma percentagem significativa de eleitores à abstenção, processo que será sempre um factor crítico no potencial de crescimento do seu partido. Ainda assim, e dado o contexto regimental, também esta vitória é de Pirro. Tudo o que Ventura pode fazer até ao próximo acto eleitoral é espernear na Assembleia da República e despejar memes nas redes sociais.
Os resultados eleitorais dificilmente permitirão a formação de um governo estável. Sem o Chega, o PSD não tem apoios que lhe permitam escapar ao mau perder da esquerda, que também se vê impotente para uma solução de poder. Mais tarde ou mais cedo, já neste ciclo, ou no próximo, o PS e o PSD vão ver-se obrigados a um bloco central, que será a força mais sinistra já experimentada em cinco décadas de Terceira República, mas que se apresentará com certeza como uma iniciativa “para salvar a democracia”.
A alternativa é forçar o Chega a uma reconversão ideológica, como aconteceu com Meloni, em Itália e está a acontecer com Marine Le Pen, em França. Ou procurar interditar o partido de Ventura, como está a acontecer com o Afd na Alemanha.
E é neste contexto que a resiliente lesma entra num bar e lá encontra Marcelo Rebelo de Sousa:
– Então Lesma, tudo bem? – Pergunta o Presidente, enquanto saboreia um batido de algas.
A lesma, que está visivelmente martirizada, escorrega lentamente para a cadeira que Marcelo lhe oferece e lá consegue dizer, em tom apreensivo:
– Vai-se andando, Presidente.
– Está desanimada? Percebo. A ameaça do populismo e isso tudo, não é? Mas olhe que enquanto eu for Presidente, não há cá alterações à ideologia do regime!
A lesma demora-se uma eternidade na resposta. Pede um sumo de alface, acomoda-se no assento e, num súbito e raro rasgo de astúcia, proclama:
– Considere porém, Presidente, o conselho perito desta lesma: Às vezes, é preciso que alguma coisa mude para que tudo fique na mesma.
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