Vário títulos da imprensa corporativa como a Reuters e a NBC noticiaram esta semana que a diplomacia americana e europeia está a pressionar Zelensky para se sentar à mesa das negociações com Putin e considerar aquilo que pode sacrificar para chegar à paz. É no entanto de prever que o Kremlin assuma uma posição de força, dada a situação favorável no teatro das operações.

De acordo com altos funcionários norte-americanos familiarizados com as discussões, as conversações incluíram linhas gerais sobre o que a Ucrânia poderia ter de renunciar para chegar a um acordo com Moscovo. Algumas das conversações, que as autoridades descreveram como delicadas, tiveram lugar no mês passado durante uma reunião de representantes de mais de 50 nações que apoiam a Ucrânia, incluindo membros da NATO, conhecida como o Grupo de Contacto de Defesa da Ucrânia.

As discussões são um reconhecimento da dinâmica militar no terreno e das circusntâncias políticas nos EUA e na Europa, reflectindo as preocupações entre o bloco ocidental de que a guerra chegou a um impasse e sobre a capacidade de continuar a fornecer ajuda à Ucrânia. Aparentemente, o regime Biden também chegou agora à conclusão, que era óbvia desde o início da operação militar russa, que a Ucrânia não tem capacidade demográfica, industrial e logística para uma guerra prolongada, enquanto a Rússia tem recursos humanos e tecnológicos quase inesgotáveis. Kiev está a ter dificuldades com o recrutamento e, recentemente, assistiu a protestos públicos sobre alguns dos requisitos de recrutamento sem prazo definido do Presidente Volodymyr Zelenskyy.

Há acrescidamente o inconveniente político da guerra entre Israel e o Hamas, que está a desviar o interesse da opinião pública e o empenhamento do Capitólio da Europa Oriental para o Médio Oriente. Os líderes políticos em Washington e Bruxelas têm consciência que essa mudança de foco vai dificultar a obtenção de ajuda adicional para Kiev.

Alguns oficiais militares dos EUA começaram a usar em privado o termo “impasse” para descrever a actual batalha na Ucrânia, e a resumirem a questão a qual dos lados consegue manter o braço de ferro por mais tempo. Nenhum dos lados está a fazer grandes progressos no campo de batalha, que alguns oficiais dos EUA descrevem agora como uma guerra de centímetros. Os diplomatas também têm dito em privado que a Ucrânia terá apenas até ao final do ano ou pouco depois disso para iniciar negociações de paz.

Esta questão é critica porque aquilo que o bloco ocidental chama impasse – e a narrativa que quer criar sobre esse conceito – não compagina com a visão russa da situação actual no terreno, e o Kremlin dificilmente negociará seja o que for com base nessa premissa. Os objectivos do Kremlin, aliás, são os mesmos desde o início do conflito, estão praticamente atingidos e qualquer perspectiva de contrariar a sua prossecução à mesa das negociações é, realisticamente, risível.

As declarações públicas dos americanos, no entanto, não traem o que se passa nos bastidores, embora abram de facto a porta a negociações de paz. Adrienne Watson, porta-voz do Conselho de Segurança dos EUA, afirmou num comunicado:

“Quaisquer decisões sobre negociações cabem à Ucrânia. Estamos empenhados em continuar a apoiar firmemente a Ucrânia na defesa da sua liberdade e independência contra a agressão russa”.

 

Os recursos humanos e financeiros estão a escassear.

Porém, de acordo com fontes oficiais, na Casa Branca há quem esteja a perder o sono por causa do esgotamento das forças militares ucranianas. Uma das fontes disse à NBC:

“A mão de obra está no topo das preocupações da administração neste momento. Os EUA e seus aliados podem fornecer armas à Ucrânia, mas se eles não tiverem forças competentes para usá-las, não adianta muito”.

Biden solicitou ao Congresso que autorizasse um financiamento adicional a Kiev, mas, até agora, o esforço não avançou devido à resistência de alguns republicanos do Congresso. A Casa Branca, num ataque de esperteza saloia, associou a ajuda à Ucrânia à ajuda a Israel, no seu pedido mais recente. Essa proposta tem o apoio de alguns republicanos do Congresso, mas outros legisladores do Partido disseram que só votarão num pacote de ajuda exclusiva a Israel.

Antes do início da guerra entre Israel e o Hamas, os funcionários da Casa Branca expressaram publicamente a confiança de que o financiamento adicional para a Ucrânia seria aprovado pelo Congresso antes do final deste ano, embora em privado admitissem preocupações sobre a sua aprovação.

 

Putin está disposto a negociar?

O regime Biden não tem nenhuma indicação de que o presidente russo Vladimir Putin esteja disponível para negociar seja o que for com Zelensky. O Presidente russo tem o factor tempo a seu favor e pode muito simplesmente esperar que as forças militares ucranianas caiam de exaustão ou que as baixas cheguem ao ponto de delapidar completamente a população em idade de recrutamento ou que, entretanto, o regime de Zelensky acabe por ser deposto internamente, ou ainda que o Ocidente desista de apoiar a Ucrânia.

A Rússia aumentou a produção de munições de artilharia e, nos próximos dois anos, poderá ser capaz de produzir 2 milhões de munições por ano, enquanto a sua base demográfica continua a mostrar uma larga margem de recrutamento.

 

O apoio do público está a diminuir.

Uma sondagem da Gallup divulgada esta semana revelou uma expectável diminuição do apoio ao envio de ajuda adicional à Ucrânia, com 41% dos americanos a acharem que os EUA estão a fazer demasiado para ajudar Kiev. Trata-se de uma mudança significativa em relação a apenas três meses atrás, quando 24% dos americanos diziam ter essa opinião. A sondagem também revelou que 33% dos americanos pensam que os EUA estão a fazer o suficiente para ajudar a Ucrânia, enquanto 25% disseram que não estão a fazer o suficiente. Uma recente sondagem da CNN descobriu que a maioria dos americanos se opõe muito simplesmente ao envio de mais ajuda dos EUA à Ucrânia.

O sentimento público em relação ao apoio à Ucrânia também está a começar a abrandar na Europa. Se é que alguma vez foi sólido. Os burocratas de Bruxelas não operam de acordo com a vontade popular, porque não são eleitos. No Reino Unido ninguém votou em Sunak. Nem ninguém sufragou, ainda no tempo de Boris Johson, o envolvimento cego do país nesta guerra. E enquanto na Polónia, a velha inimizade com Moscovo leve ao a um apoio efectivo da população ao regime de Zelensky, há muitos países, como a Sérvia, a Hungria, a Eslováquia e mesmo a República Checa que não consideram de todo uma boa ideia esse envolvimento.

 

Nenhuns trunfos, poucas garantias.

Mas que trunfos tem Zelensky para se sentar confortavelmente à mesa das negociações com Putin? Nenhuns. As suas forças militares estão esgotadas e o moral deve ser muito baixo; os biliões da ajuda ocidental já foram gastos pela guerra e consumidos pela corrupção, e a fonte de onde surgiram parece estar a secar. Os equipamentos mais sofisticados entregues pelos aliados ou foram anulados pelos russos ou mal aproveitados pelos ucranianos. A Ofensiva da Primavera não teve qualquer resultado prático, para além da morte de soldados e da destruição dos arsenais.

Por outro lado, que garantias tem Zelensky de que o seu regime sobreviverá a um eventual processo de paz? Muito poucas, também. O ex-comediatne pode até chegar à conclusão que a manutenção de um estado de guerra é a única hipótese que tem de viver por mais uns tempos.

Como incentivo para Zelensky considerar as negociações, a NATO poderia oferecer a Kiev algumas, mesmo que vagas, garantias de segurança, mesmo sem a Ucrânia se tornar formalmente parte da aliança. Que Putin rejeitaria de pronto, como é óbvio.

A União Euopeia pode prometer uma integração do país na comunidade, mas essa circunstância, a ser aceite por Moscovo, não levanta qualquer tipo de salvaguardas securitárias.

Por esta altura, Zelensky deve estar a fazer contas à vida.

 

Um único desenlace possível.

A intenção de trazer Putin para a mesa das negociações, baseada na falsa premissa de um “impasse” e na fantasiosa ideia de que Zelensky detém trunfos que obriguem Putin a concessões, está assim condenada ao fracasso.

O mais provável é que os russos deixem o inimigo falir técnica, regimental e humanamente. A Ucrânia sacrificou uma geração de desgraçados – e boa parte das suas infraestruturas – por coisa nenhuma e vai perder os territórios orientais que estavam na mira de Putin no inicio da invasão. Isso parece agora incontornável, com negociações de paz ou sem elas.

O Ocidente, para além das quantidades incontáveis de dinheiro e armamento, desperdiçou credibilidade, influência e prestígio (que já não era muito).

Depois disto, a NATO entrará directamente para o anedotário da história universal dos desastres militares.

Os ucranianos e os seus aliados conseguiram até – e se calhar o que é mais importante e grave nisto tudo – uma aliança inédita entre russos e chineses que pode muito bem alterar por completo a ordem mundial.

E é assim.