Ainnal não houve divulgação das célebres mensagens de texto entre Ursula von der Leyen e Albert Bourla, nem dos contratos celebrados, nem reparos ao mais que suspeito acordo de aquisição de vacinas entre a Comissão Europeia e a Pfizer. Entre reuniões secretas e um risível e fraco relatório final, a cruzada de transparência da comissão do Parlamento Europeu foi engolida pelo buraco negro que infecta os corredores do poder em Bruxelas.

Em Março de 2022, o Parlamento Europeu criou uma comissão especial sobre a COVID-19, alimentada pelo desejo de restaurar alguma responsabilidade democrática e claridade nas decisões em que os legisladores europeus, e o público em geral, sentiam que tinham sido postos de lado.

Parecia ser o momento certo para um impulso da transparência. Poucas semanas antes, o Provedor de Justiça Europeu tinha repreendido a Comissão por não ter procurado mensagens de texto alegadamente trocadas entre a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o diretor executivo da Pfizer, Albert Bourla, no período que antecedeu a assinatura do maior contrato de vacinação da UE.

A nomeação da eurodeputada belga Kathleen Van Brempt, responsável pela investigação do caso Dieselgate, para liderar a comissão especial, era um sinal de que o assunto estava a ser levado a sério.

No entanto, quase um ano depois, não sabemos mais nada sobre as misteriosas mensagens de texto e o pouco que sabemos sobre os contratos de aquisição de vacinas provém de fugas de informação dos media.

O que é que aconteceu entretanto?

 

A imposição do secretismo.

No dia 30 de Maio deste ano, pouco mais de uma semana antes da sua reunião final, um grupo muito restrito de eurodeputados da comissão parlamentar da COVID-19 teve que jurar segredo e foi informado em privado sobre o resultado de um novo acordo de vacinas celebrado pela Comissão Europeia com a gigante farmacêutica norte-americana Pfizer.

Os participantes não foram autorizados a tomar notas nem a levar os seus telemóveis para a sala de reuniões. A reunião foi mesmo mantida em segredo dos outros deputados da comissão de inquérito. O assistente de um eurodeputado que não foi convidado para a sessão disse que soube da reunião por acaso, quando se cruzou com um colega que falou sobre o assunto.

De acordo com duas pessoas que se encontravam na sala e a quem foi concedido o anonimato por estarem a divulgar informações confidenciais, foi Pierre Delsaux, chefe da Autoridade Europeia para a Preparação e Resposta a Emergências Sanitárias (HERA), que informou os participantes sobre a reunião.

Delsaux forneceu aos eurodeputados detalhes das actualizações do mega-contrato de 2021 da UE para comprar a desmesurada quantia de 4,5 biliões de vacinas Pfizer / BioNTech (a população total da UE é de 450 milhões). A HERA liderou as negociações para reduzir o número de entregas de vacinas do gigante farmacêutico norte-americano, na sequência de um pedido dos países da UE que se debatiam com um excesso de oferta.

 

 

Foi a segunda destas reuniões secretas. A primeira, sobre o mesmo tema e também com o mesmo Delsaux, teve lugar quando as negociações ainda estavam em curso, antes de o acordo ser concluído a 26 de Maio.

Os encontros confidenciais marcam uma inversão irónica para uma Comissão que tinha feito da transparência uma espécie de cartão de visita.

A comissão COVID foi criada em março de 2022 para analisar as lições aprendidas com a resposta da União Europeia à pandemia da COVID-19 e fazer recomendações para o futuro.

A transparência foi um tema recorrente. Durante o ano passado, os eurodeputados da comissão parlamentar lutaram para esclarecer as negociações entre a Comissão Europeia e a Pfizer, especificamente as circunstâncias obscuras que envolveram as negociações preliminares do maior acordo do bloco, que alegadamente envolveram uma troca de mensagens de texto entre a Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o Diretor Executivo da Pfizer, Albert Bourla.

Foi este mesmo contrato que foi alterado em Maio.

A comissão parlamentar convidou Bourla e von der Leyen a comparecerem perante os deputados para prestarem declarações sobre o acordo. Em ambos os casos, os seus esforços foram frustrados: Bourla recusou, por duas vezes (a comissão não tem poder legal para obrigar um convidado a comparecer), enquanto o convite a von der Leyen foi rejeitado pela Conferência dos Presidentes do Parlamento.

A COVI, como é chamada a comissão, também solicitou o acesso a contratos de vacinas não editados – um pedido a que a Pfizer resistiu.

À medida que os trabalhos prosseguiam, a transparência dos contratos de vacinas tornou-se um ponto de tensão nas negociações sobre o relatório da comissão. O Grupo do Partido Popular Europeu (PPE), do qual von der Leyen faz parte, procurou minimizar a questão. Mas todos os outros grupos procuraram pelo menos incluir uma linguagem forte.

O grupo dos Socialistas e Democratas (S&D) apresentou alterações que “denunciam a falta de transparência nas negociações”. Os eurodeputados pediram à Comissão Europeia que publicasse a versão integral e não editada dos contratos e que clarificasse as circunstâncias em que decorreram as negociações.

 

A queda na escuridão.

No final, tudo permaneceu encoberto. O grupo selecionado de eurodeputados informados sobre os termos actualizados do contrato concordou em assinar “declarações solenes”, nas quais se comprometiam a não partilhar a informação das reuniões. Estes formulários não são comuns, mas três funcionários do Parlamento com conhecimento da comissão do comércio internacional, a quem foi concedido o anonimato para falar sobre procedimentos confidenciais, disseram que já tinham assinado documentos semelhantes no passado.

Nas reuniões da COVI, os participantes – que incluíam o presidente da comissão Van Brempt, os coordenadores dos grupos políticos do Parlamento e os assistentes dos grupos – não tiveram acesso ao contrato escrito  e depois alterado. Em vez disso, foram informados verbalmente sobre os pormenores, incluindo os que não tinham sido partilhados com o público, segundo explicou um dos participantes na reunião, a quem foi concedido o anonimato.

Estes incluíam as novas quantidades de vacinas no acordo alterado – que o participante da reunião disse ter sido reduzido de 450 milhões de doses de vacina que deveriam ser entregues este ano para 260 milhões de doses distribuídas ao longo de quatro anos.

Em resposta a um pedido de comentário, Van Brempt, do S&D, disse que o facto de a HERA estar disposta a actualizar os eurodeputados sobre o estado das negociações é positivo. No entanto, acrescentou:

“Isto não resolve a questão mais ampla da falta de transparência para o público em geral dos contratos entre a UE e os produtores de vacinas”.

As referências à transparência no relatório final da comissão foram diluídas, sob o argumento, falacioso, de que daria mais munições aos “grupos de extrema-direita” que estavam a insistir na questão das negociações sobre as vacinas. Nãos e percebe bem que “grupos de extrema-direita” são estes que tanto assustam os burocratas de Bruxelas, mas a verdade é que são constantemente invocados sempre que a Comissão Europeia quer esconder a corrupção dos seus métodos e o totalitarismo das suas intenções.

E assim, o relatório, aprovado em comissão, “lamenta a falta de transparência” durante as negociações, mas afirma que tal foi “parcialmente justificado pelo respeito do direito à confidencialidade”.

“Direito à confidencialidade”? O direito de quem? Ursula von der Leyen, como Comissária, exercendo portanto um cargo de poder público por natureza e definição escrutinável, tem direito à confidencialidade quando negoceia directamente com uma farmacêutica, sem conhecimento de mais ninguém, biliões de doses de uma vacina “segura e eficaz” que não era nem uma coisa nem outra?

E o direito dos cidadãos europeus a serem informados sobre estes obscuros processos, onde fica?

E quem é que assume a responsabilidade sobre contratos desastrosos e megalómanos, firmados às escuras, que, como o Contra já noticiou, obrigam agora os países da União ao desperdício, com a incineração de milhões de doses que não foram utilizadas?

O relatório afirma que os eurodeputados devem receber versões não editadas dos contratos “sem mais demoras”. Mas para o público em geral, o apelo é para que isso aconteça “quando for legalmente possível”.

Ou seja: nunca.

A Comissão Europeia opera como um politburo soviético. Não tem que se justificar. Não tem que ser escrutinada. Não tem que se submeter a inquéritos. Não tem que dar conta das suas acções ou assumir as suas responsabilidades. É intocável.