Para-militar do Hamas armado com uma M4 de fabrico americano (segundo a contar da esquerda para a direita)

 

Ao longo da história recente, a arma preferida de um terrorista tem sido a AK-47. Hoje, no rescaldo da chamada “guerra global ao terror” pós-11 de Setembro, não é raro ver esses combatentes com uma pistola Glock 9mm, ou uma metralhadora Colt M4.

Estas são armas pagas pelos contribuintes dos EUA e aparentemente fornecidas aos seus aliados para combater terroristas ou “inimigos” do Ocidente, mas que acabam nas mãos destes últimos. Esse não será o resultado que Washington pretende. Mas, de alguma forma, estas armas acabam por cair nas mãos das mesmas forças que os EUA e os seus aliados estão a tentar derrotar.

O exemplo mais recente deste fenómeno parece envolver o Hamas e os ataques que perpetrou contra alvos militares e civis no sul de Israel. Um vídeo, cuja autenticidade ainda não foi verificada, pretende mostrar um combatente do Hamas agradecendo à Ucrânia pelo fornecimento de armas ligeiras, munições e granadas de mão. Mais vídeos, feitos durante os ataques reais, mostram os combatentes do Hamas armados com uma infinidade de armas fabricadas nos EUA.

 

 

Esses vídeos alarmaram alguns legisladores dos EUA, como a representante Marjorie Taylor Greene (R-GA), que, logo após o ataque do Hamas, publicou as suas suspeitas no twitter/X:

“Precisamos de trabalhar com Israel para rastrear números de série de armas dos EUA utilizadas pelo Hamas contra Israel. Vieram do Afeganistão? Vieram da Ucrânia? É muito provável que tenham vindo de ambos.”

 

 

Qualquer tentativa de responder às perguntas de Marjorie Taylor Greene irá muito provavelmente revelar informações que deverão deixar o governo dos EUA muito desconfortável. O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, diz desde Junho deste ano que armas antitanque fabricadas nos EUA e destinadas à Ucrânia estavam a aparecer na fronteira israelita. O que Netanyahu não disse foi como isto aconteceu – a corrupção é galopante dentro da Ucrânia, e o jornalista vencedor do Prémio Pulitzer, Seymour Hersh, relatou que centenas de milhões de dólares em ajuda que foram desviados para as mãos de entidades para as quais não se destinavam originalmente. Segundo o cálculo de Scott Ritter, baseado em conversas com numerosas fontes informadas, o montante desviado poderá atingir seis em cada dez dólares de ajuda enviados à Ucrânia. Mas, ainda assim, uma coisa são dólares a cair nos bolsos errados; outra coisa são armas do Tio Sam nos arsenais do suposto inimigo.

A ampla disponibilidade de armas fabricadas nos EUA no mercado negro global, utilizadas por terroristas e grupos para-militares, reflecte a abordagem negligente que os EUA adoptam quando se trata de fornecer assistência militar às partes envolvidas em combate activo. Os americanos parecem estar mais interessados em reforçar a mensagem política associada a tais entregas – de que os EUA estão a apoiar activamente os amigos necessitados. Os aspectos reais deste esforço relacionados com a segurança, contudo, parecem escapar à maioria dos decisores políticos seniores dos EUA.

Isto tornou-se evidente em Maio de 2022, quando Rand Paul, um senador republicano do Kentucky, tentou nomear um inspector-geral para monitorizar e contabilizar cerca de 40 mil milhões de dólares em assistência militar à Ucrânia solicitada pelo Presidente Joe Biden. A moção do Senador Paul foi esmagadoramente derrotada por um Congresso que parecia feliz em assumir uma postura de “não ouvir o mal, não ver o mal, não falar o mal” quando se trata de questões relacionadas com a corrupção na Ucrânia.

A questão das armas dos EUA caírem nas mãos erradas, para serem depois usadas contra aliados americanos, não é nova. Em 2007, a polícia turca começou a recuperar armas de combatentes mortos do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (ou PKK) contendo números de série afiliados a carregamentos de armas endereçados pelo Pentágono às forças iraquianas. O PKK é listado como organização terrorista pelo Departamento de Estado dos EUA, enquanto a Turquia é membro da NATO.

As armas dos EUA fornecidas à Arábia Saudita e aos Emirados Árabes Unidos com o objectivo de combater os rebeldes Houthi do Iémen estavam a ser apreendidas pelos Houthi no campo de batalha e a serem usadas contra os proprietários originais. Além disso, algumas destas armas chegaram às mãos dos combatentes do Hezbollah no Líbano. Armas fornecidas por Washington ao antigo exército afegão apareceram em Caxemira, recuperadas dos corpos de terroristas islâmicos pró-paquistaneses que, antes de serem mortos nessa região, lutaram ao lado dos Talibãs contra os EUA e os seus aliados afegãos. Outras armas dos EUA provenientes da Ucrânia começaram a aparecer em África, na região do Lago Chade, nas mãos de insurgentes do Boko Haram que lutavam contra soldados armados pelos EUA do Chade, Níger e Nigéria.

E se nos lembrarmos que na sua vergonhosa e caótica retirada do Afeganistão, os EUA deixaram milhares de milhões de dólares em equipamento militar nas mãos dos inimigos que lá estiveram a combater durante 20 anos, percebemos a alta probabilidade de armas americanas estarem agora a fortalecer todo o tipo de guerrilheiros e terroristas pelas cinco partidas do mundo, dada a corrupção recordista que grassa no país agora governado pelas milícias talibãs.

Embora Marjorie Taylor Greene esteja correcta ao exigir respostas quando se trata da questão da segurança de Israel, um aliado americano de longa data, as mesmas perguntas podem ser feitas sobre praticamente todos os programas de assistência à segurança internacional instituídos pelos EUA na era pós-11 de Setembro. Parece que a abordagem da América à guerra global contra o terrorismo acabou por tornar aqueles que classifica como terroristas mais capazes de levar a cabo actos de terror.

A triste verdade é que a América, na sua pressa em armar o mundo, acaba, em muitos aspectos, por ser o pior inimigo dos seus amigos.