A Bloomberg publicou na quarta-feira um relato devastador dos bastidores da cimeira da NATO em Vilnius: face à pública fúria de Zelensky, os líderes do Ocidente acusaram o líder ucraniano de ingratidão, dado o fluxo constante de milhares de milhões de dólares em armas e outros apoios a Kiev.

Aparentemente, até os meios de comunicação social mainstream concordam com a avaliação de que o líder ucraniano fez uma “birra” ao queixar-se da posição “fraca” e “absurda” da NATO em relação à adesão da Ucrânia à aliança. O tweet contundente que publicou em inglês, quando estava a caminho da Lituânia, expôs as divisões entre os aliados.

 

 

De facto, Volodymyr Zelenskiy estava furioso antes da sua reunião com os líderes da NATO, na terça-feira à noite. O Presidente ucraniano tinha-se irritado no início do dia com o que disse ser uma relutância “absurda” em dar ao seu país um prazo claro para a adesão. Esta reacção, por sua vez, incomodou os parceiros que canalizaram milhares de milhões de dólares em armamento e ajuda para a defesa da Ucrânia contra a invasão russa – Tanto mais que os EUA foram surpreendidos pelo agressivo post de Zelensky.

Durante todo o dia de quarta-feira, a fotografia acima (real) de um Zelensky isolado no meio de chefes de Estado da NATO de costas voltadas para ele circulou amplamente nas redes sociais.

 

 

E as coisas estavam ainda mais tensas nos bastidores: depois do jantar em Vilnius com o Presidente dos EUA e com Joe Biden já retirado, os outros líderes transmitiram uma mensagem clara a Zelensky: é preciso ter calma e olhar para o pacote completo das ajudas que estão a ser prestadas pelo bloco ocidental.

Embora não se trate ainda de uma história do género “de herói a vilão”, as coisas estão certamente a caminhar nessa direção, uma vez que é inédito que o presidente ucraniano, que goza de um estatuto de estrela de rock nas capitais ocidentais desde o início da invasão, seja instruído a “acalmar-se”. Afinal, foi-lhe dado um compromisso renovado para uma eventual adesão e novas garantias de segurança.

O secretário da Defesa britânico, Ben Wallace, disse aos jornalistas na manhã seguinte:

“Quer queiramos quer não, as pessoas querem ver gratidão”.

O relato da Bloomberg das disputas de bastidores baseia-se em entrevistas com mais de uma dúzia de diplomatas e funcionários envolvidos na cimeira, que pediram para não serem citados, por se tratar de conversas privadas. Quando chegaram a Vilnius, os líderes da NATO estavam a tentar resolver o problema da candidatura de adesão da Ucrânia: procuravam uma linguagem que parecesse um progresso e que a Ucrânia pudesse vender como tal, mas que, fundamentalmente, não os deixasse mais perto de serem arrastados para uma guerra com a Rússia, que possui armas nucleares.

Em última análise, os falcões (principalmente entre os Estados do Báltico e da Europa de Leste) perderam em Vilnius. O ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Dmytro Kuleba, admitiu que “houve falta de vontade política”. Assim, parece que o tweet furioso e desesperado de Zelensky, atacando os parceiros ocidentais, foi um último esforço para envergonhar a NATO e levá-la a ceder às suas exigências de adesão imediata.

Na verdade, a posição dos Estados Unidos parece agora mais vaga – e com maiores restrições e “condições” – do que aquela que saiu da cimeira de Bucareste de 2008.

A Bloomberg revela ainda que

“Crucialmente, foram os EUA e a Alemanha que insistiram em reduzir o compromisso de adesão da Ucrânia à aliança. As versões anteriores do comunicado ofereciam um caminho mais claro para a adesão da Ucrânia, mas Biden e o chanceler Olaf Scholz estavam receosos de ir demasiado longe. As suas equipas exigiram alterações nos últimos dias antes da cimeira, perturbando muitas das outras nações europeias, bem como os ucranianos.”

De facto, Biden, numa entrevista à CNN no início da semana, confessou o óbvio: que a admissão da Ucrânia na NATO, com a guerra ainda em curso, desencadearia automaticamente uma guerra entre potências com armas nucleares – o cenário apocalítico da 3ª Guerra Mundial. Por isso, o Ocidente está agora a refrear as ambições de Kiev.

O New York Times resumia assim a situação:

“A NATO declarou na terça-feira que a Ucrânia seria convidada a juntar-se à aliança, mas não disse como nem quando, desapontando o seu presidente, mas reflectindo a decisão do presidente Biden e de outros líderes de não se envolverem diretamente na guerra da Ucrânia com a Rússia”.

No entretanto, assistimos a situações nunca vistas, como esta difícil troca de palavras entre Zelensky e a imprensa ocidental:

 

 

Na quarta-feira, depois de uma noite sem dúvida embaraçosa, as coisas correram de forma diferente, já que Zelensky pareceu ter entendido a mensagem e adoptou um tom mais conciliador em relação à adesão da Ucrânia à NATO.

Zelensky afirmou, numa conferência de imprensa conjunta com o Secretário-Geral da NATO, Jens Stoltenberg, que a Ucrânia já percorreu um “longo caminho em termos de inter-operacionalidade” com a Aliança Atlântica e elogiou a decisão da NATO de eliminar a necessidade de um passo processual – o Plano de Ação para a Adesão – para integrar a aliança.

Ainda assim, o pequeno comediante saiu deveras desapontado desta cimeira. A verdade é que a Ucrânia está a ser utilizada como instrumento para incomodar a Rússia desde 2008, mas é descartável. Acabará por ser um trunfo sacrificado no grande esquema dos interesses geo-estratégicos, enquanto é cada vez mais nítido que a NATO acabará por ter que reconhecer a Federação Russa como a superpotência que é e aprender a viver com ela.

Com as elites da NATO a virarem as costas a um Zelensky frustrado, a garantia de Biden de que o líder ucraniano está “ligado” aos EUA pode não servir de grande consolo para ambas as nações, agora que a contraofensiva ucraniana não correspondeu às expectativas, que enormes quantidades de armamento ocidental estão em ruínas e a arder no campo de batalha, que as baixas ucranianas somam números dantescos e que os EUA ficaram sem cartuchos de artilharia de 155 mm para desperdiçar, obrigando a América a rebaixar-se ao ponto de enviar bombas de fragmentação.

O esforço de guerra ocidental apresenta-se a cada dia que passa como um desastre incomensurável. Que foi, desde o princípio, sustentado por mentiras.