Guerra civil. Golpe de estado. Rebelião armada. Durante 24 horas, a Rússia esteve no centro das atenções mundiais por causa de um levantamento ensaiado pelo Wagner Group, uma organização para-militar privada, ultra-nacionalista e até aqui fiel a Vladimir Putin, que foi decisiva na batalha de Bakhmut. A intentona não chegou sequer a gastar cartuchos e no final toda a gente voltou pacificadamente para as respectivas casernas. Ficam os factos, as histerias e as teorias, num breve itinerário sobre os bizarros acontecimentos.
Golpe de estado na Rússia?
Já há uns meses largos (desde a batalha de Bakhmut, parar sermos exactos), que o Grupo Wagner, um verdadeiro exército privado russo, liderado por Evgeny Prigozhin, se posicionava como um contrapoder em relação à hierarquia estabelecida do regime. Na Sexta-feira ao fim da tarde as coisas ensandeceram e acontece um levantamento armado na Rússia. As forças do Gurpo Wagner tomaram a cidade de Rostov e, a acreditar em alguns relatórios, dirigiam-se para Moscovo. Convém salientar que de Rostov a Moscovo são 220 quilómetros. Mesmo uma unidade totalmente mecanizada demora horas cumprir a distância, se o fizer pelo auto-estrada, onde é um alvo facílimo para qualquer unidade da força aérea russa.
Wagner at the Southern Military District HQ in Rostov. Welp. pic.twitter.com/vMKptZO43F
— Russians With Attitude (@RWApodcast) June 24, 2023
Nesta altura a web rebentava de desinformação e nem vale a pena falar do que a imprensa corporativa noticiou sobre o assunto, claro. Mas o inspector de armamentos e perito militar Scott Ritter, que está sempre muito bem informado, fornecia alguns factos que permaneceram fieis à realidade e previsões que se cumpriram nas horas imediatas.
– A tentativa de golpe de estado era real e séria e o Grupo Wagner tinha ao seu dispor cerca de 30.000 efectivos, bem armados e treinados.
– A situação poderia decorrer de uma guerra de galos ente Prigozhin e o Ministro da Defesa russo, a propósito de alegada corrupção deste último que terá contribuido para o enorme número de baixas sofridas pelo Grupo Wagner na batalha de Bakhmut.
– O movimento foi manipulado, muito provavelmente, pelos serviços secretos britânicos. Não é segredo para ninguém que o bloco ocidental tem como objectivo último a queda de Vladimir Putin e do seu regime.
– Vladimir Putin deu ordem para que a revolta fosse esmagada, e carta verde para que fossem usados todos os meios necessários. Tropas de elite tchetchenas foram destacadas para o efeito.
– Circulavam relatos de que forças militares leais ao regime estavam a ocupar pontos estratégicos em Moscovo e Rostov.
– Os rebeldes não pareciam, à altura, recolher apoio popular. Ou das forças armadas russas. Sem essa aderência, o movimento seria extinto rapidamente.
– Sem mencionar a figura de Evgeny Prigozhi, Valdimir Putin falou na Sexta-Feira à noite à nação, acusando os amotinados de traição à pátria e prometendo que tudo faria para restabelecer a ordem, recordando o episódio histórico de 1917, quando a rebelião contra o regime dos czares começou precisamente nas trincheiras do exército russo, situação que conduziu a uma guerra civil e que teve como resultado, dois anos depois, o triunfo dos bolcheviques.
– Ao contrário de relatórios que circulam nos media, Putin não tinha fugido para S. Petersburgo e permanecia em Moscovo.
Com efeito, sem apoio popular e de sectores das forças armadas russas, que acabou por não se registar, seria sempre difícil a Evgeny Prigozhin levar a sua tresloucada iniciativa a bom termo. Por esta altura, nem era disparatado projectar que o líder do Grupo Wagner escaparia para o Ocidente assim que as coisas começassem a correr mal, apesar de se saber que Prigozhin é um nacionalista radical. Mas considerando o intenso nível de psyops a que assistimos desde que a guerra na Ucrânia começou, não surpreenderia aqueles mais atentos que esta operação fosse desencadeada apenas com a intenção de distrair as atenções sobre o falhanço da ofensiva ucraniana, desgastar animicamente o regime de Putin e denegrir a sua imagem a nível internacional.
Outra versão dos acontecimentos.
Porque nestas alturas de caos informacional há que saber ouvir mais que uma narrativa, este é um relatório de uma fonte relativamente fidedigna e independente que contraria algumas das afirmações que foram feitas por Ritter. Seja como for e como o próprio autor do post adverte, as notícias que circulavam sobre o que estava a acontecer na Rússia deviam ser ponderadas no contexto confuso da situação no terreno físico, tanto como no mediático.
🚨COUP UPDATES: Putin Reportedly Leaves Moscow | Machine Gun Positions Around Moscow | Wagner Convoy Heads to Moscow
As the coup continues, here’s the latest updates from our various sources live on the ongoing Twitter Space:
– Worries of the Russian Nuclear Warheads moved to… pic.twitter.com/kOI0r1LLFF
— Mario Nawfal (@MarioNawfal) June 24, 2023
Parecia porém muito improvável que Putin tivesse saído de Moscovo. E que este golpe tivesse alguma probabilidade de ser bem sucedido. Embora no Sábado à tarde ninguém soubesse bem qual a natureza dos apoios, se alguns, que o Grupo Wagner podia ter recolhido para desencadear a insurreição.
Mais ruído.
Ao cair da tarde, enquanto circulavam rumores de que as forças do Wagner estavam a chegar a Moscovo, de pânico no Kremlin e até da suposta fuga do presidente bielorusso Alexander Lukashenko, as redes sociais debitavam com igual constância imagens das forças tchetchenas de elite de Kadyrov estavam já nas imediações de Rostov e que o combate estava iminente.
A military column of Kadyrov’s Chechen soldiers has just arrived to the Rostov region.
Looks like the battle between the Wagner Group and Kadyrov’s Chechens is about to start pic.twitter.com/jKLmm2LoSu
— Visegrád 24 (@visegrad24) June 24, 2023
Videos in the suburbs of Moscow right now are INSANE pic.twitter.com/ff1hWJLrzb
— Benny Johnson (@bennyjohnson) June 24, 2023
Chechnya leader Ramzan Kadyrov, who has a substantial military, has ordered his troops to surround the Wagner mercenaries currently occupying Rostov. #Russia #RussiaIsCollapsing #RussianCivilWar #Wagner #WagnerCoup #WagnerGroup pic.twitter.com/9dfy3hjzrG
— Paul Golding (@GoldingBF) June 24, 2023
🚨NOW🔥🇷🇺🇺🇦
A Wagner convoy of about 5,000 soldiers approaches Moscow. Wagner has the s-300 air defense system.#Russia #Ukraine #Rusya #wagner #Kremlin #Putin #Prigozhin pic.twitter.com/uvhK6YcSWI— Eren 𝕮🇹🇷 (@Eren50855570) June 24, 2023
O Golpe que não foi.
De repente, ao cair a tarde de sábado, dá-se o golpe de teatro. O “fugido” Lukashenko foi oferecer a Yevgeny Prigozhin uma proposta que o patrão do Wagner não viu razão para recusar. A rebelião era suspensa. A soldadesca pública e privada pode voltar para as respectivas casernas. A situação na Rússia voltava à normalidade com uma velocidade vertiginosa.
⚡️#BREAKING Prigozhin accepted Lukashenka’s proposal to stop the movement of PMC “Wagner” — TASS
— War Monitor (@WarMonitors) June 24, 2023
⚡️The full statement of Lukashenko’s press service on the situation around Wagner PMC:
“This morning, Russian President Vladimir Putin briefed his Belarusian counterpart on the situation in southern Russia with the private military company Wagner. The heads of state agreed on…
— War Monitor (@WarMonitors) June 24, 2023
⚡️#BREAKING Prigozhin in audio message: To avoid bloodshed we are returning our convoys to bases
— War Monitor (@WarMonitors) June 24, 2023
⚡️Wagner in Rostov: “Boys, let’s load up, let’s go home!” pic.twitter.com/NqPB6kEPIu
— War Monitor (@WarMonitors) June 24, 2023
Dada a celeridade com que a aparentemente explosiva situação foi resolvida, os rumores de que tudo mais não era que uma psyop russa começaram imediatamente a a ganhar tracção, embora fique por explicar o que o Kremlin tem a ganhar com este episódio de carácter quase anedótico.
Anti-Russians after the Psyop:#Russia #Putin#Kadyrov pic.twitter.com/dSYif6MHd2
— Thermidor (@13_Thermidor) June 24, 2023
Teorias após o facto.
No epílogo, Prigozhin foi perdoado pela justiça russa, que retirou todas as acusações criminais que recaiam sobre o seu subversivo comportamento, e transportado para a Biolorússia, onde será uma espécie de refugiado VIP. As tropas revoltadas serão recrutadas pelas forças armadas russas, que confiscaram para seu uso as instalações do Grupo Wagner.
Muitos entreteram o tédio domingueiro a especular sobre a natureza real dos acontecimentos. A teoria de que Yevgeny Prigozhin sofre de stress pós-traumático, e que a isso se deve o seu comportamento alucinado, não é completamente destituída de pertinência.
Prigozhin nunca cumpriu serviço militar. É um bilionário miliciano.
O Grupo Wagner foi decisivo na batalha de Bakhmut, talvez a maior confrontação militar desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Nesses combates pereceram cerca de 100.000 soldados russos (números ucranianos) e 20.000 soldados ucranianos (números russos). O Grupo Wagner perdeu cerca de 10.000 efectivos. O espectáculo de horror e morte pode ter afectado mental e emocionalmente o líder da milícia privada, que na verdade nunca tinha tido uma experiência de guerra aberta.
É uma teoria, claro. Mas faz algum sentido.
Prigozhin and the mix of the arrogance of a billionaire / PTSD syndrome.
Reminds me of Marlon Brando in Apocalypse Now.It was a poor judgment of Putin to give him so much power.
This will be dealt with, it is a set back but the fundamentals haven’t changed.
NATO is losing.… pic.twitter.com/BLpWhfuTtp
— Angelo Giuliano 🇮🇹 🇨🇭/ living in 🇨🇳 (@Angelo4justice3) June 24, 2023
Uma outra tese, se bem que bastante mais rebuscada, é esta:
Here’s in interesting take …
RT @rebekah0132
Here’s what you just witnessed if you paid attention: The Art of Putin’s Fake Coup Prigozhin en route to open 2nd front in Belarus that just got nukes from Putin. Wagner within striking distance from Kiev, in a DIRECT…— Gonzalo 🇺🇸🇨🇱 (@Gonzalo85307646) June 25, 2023
Teorias à parte, há muita coisa que não bate certo nesta rábula do golpe de estado que não foi. E excessivo ruído para podermos tomar o pulso à verdade. Este será aliás um daqueles epifenómenos que provavelmente nunca serão totalmente esclarecidos. Até porque aqui entre nós: são russos e eles que se entendam.
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