Um grande júri de Manhattan acusou o ex-presidente Donald Trump de vários crimes. Enquanto a acusação permanece sob sigilo, uma coisa parece certa: a América entrou definitivamente na era da política “mostra-me o homem e eu mostro-te o crime”.
O promotor público democrata, Alvin L. Bragg, deu uma nova vida à famigerada máxima do chefe da polícia secreta de Joseph Stalin, Lavrenti Pavlovitch Beria, quando visou o ex-presidente em relação a um pagamento feito a Stormy Daniels em 2016. A decisão de Bragg de insistir numa acusação contra Trump, presumivelmente por falsificação de registos comerciais, abre um precedente para que os procuradores possam atacar inimigos políticos, através da distorção do sistema judiciário americano.
O facto de as notícias das acusações terem sido divulgadas aos escribas favoritos da esquerda, como o The New York Times, enquanto a acusação permanecia sob sigilo, pontua perfeitamente a época soviética em que vivemos: os meios de comunicação social corporativos podem não ser geridos pelo Estado, mas vendem alegremente a sua propaganda.
Até que a acusação seja pública, qualquer discussão sobre o assunto requer algum trabalho de adivinhação, e com as fontes no final da quinta-feira a dizerem à CNN que serão formalizadas mais de 30 acusações, o prognóstico é muito mais difícil. Mas com base em relatórios anteriores, parece que o processo contra Trump gira em torno das secções 175.05 e 175.10 do código penal de Nova Iorque.
Ambas as secções definem o crime de “falsificação de registos empresariais”, com a Secção 175.05 a indicar que “uma pessoa é culpada de falsificação de registos empresariais em segundo grau quando, com a intenção de defraudar, faz ou causa uma falsa entrada nos registos empresariais de uma empresa”. O Artigo 175.10 converte o delito de “segundo grau” num crime se a pessoa falsificou registos comerciais com a “intenção de cometer outro crime ou de ajudar ou ocultar a prossecução de outro crime”.
A teoria da acusação parece basear-se na premissa de que o antigo presidente falsificou os registos referentes ao dinheiro pago a Stormy Daniels para impedir que a actriz de filmes pornográficos revelasse a relação sexual que manteve com Trump, já que classificou como “serviços jurídicos” as várias tranches mensais de 35.000 dólares com que liquidou a dívida resultante desse pagamento, que foi feito directamente pelo advogado Michael Cohen, que alegadamente nunca forneceu qualquer trabalho jurídico que justificasse as verbas em causa.
Os especialistas legais acreditam que a acusação irá denunciar a alegada falsificação das “despesas legais”, acusando Trump de mentir sobre os pagamentos a Cohen para ocultar uma violação da lei eleitoral federal. Cohen já admitiu ter pago a Daniels para melhorar as hipóteses eleitorais de Trump, e parece estar preparado para ser uma testemunha principal do processo.
A Procuradoria Federal dos EUA já se recusou a acusar Trump de violação da lei eleitoral, pelo que qualquer tentativa de Bragg de ligar a ofensa federal à acusação estatal de falsificação de registos empresariais irá tresandar a vingança política.
Espera-se que Bragg contorne o estatuto de limitações de cinco anos que em princípio faria prescrever a acusação com o argumento da ausência física de Trump em Nova Iorque – ironicamente porque estava a servir como presidente em D.C. – circunstância que amplifica o fedor do processo. O público que viu Trump ser perseguido desde que anunciou a sua candidatura a presidente não vai concentrar-se nos aspectos técnicos e legais do estatuto de limitações. Pelo contrário, o americano médio considerará a acusação tardia de Trump como um estratagema desesperado para inventar um crime.
O próprio Trump foi rápido a avançar esta teoria, abrindo o seu comunicado de imprensa com a acusação de “perseguição política e interferência eleitoral ao mais alto nível na história”.
Tudo indica que Trump irá comparecer num tribunal de Manhattan na próxima terça-feira. Desconhece-se se a acusação será tornada pública antes disso. Mas as fugas de informação continuam, incluindo, como acima referido, a notícia de que o grande júri terá acusado Trump de mais de 30 crimes.
A menos que Bragg tenha descoberto algo muito além dos detalhes já relatados sobre o pagamento a Daniels, o procurador de Manhattan só terá piorado a situação ao insistir numa acusação do antigo presidente com mais de 30 acusações criminais. O cenário mais provável é que o grande júri tenha chegado a este número porque cada acusação corresponde a um dos pagamentos mensais feitos a Cohen em 2017. Cada pagamento contará como dois crimes, se for colocado no contexto do artigo 175.10 – “para ajudar ou ocultar a prossecução de outro crime”.
Com esta abordagem, não é difícil ver quão facilmente o grande júri poderia converter um pagamento em dinheiro em cerca de 30 crimes. E enquanto a esquerda e a direita “Never Trump” podem ver uma longa acusação como mais uma prova da má conduta do magnata de Queens, se a acusação não contiver novos detalhes, o exagero dos 33 crimes somados não faz Trump parecer mais culpado – faz Bragg parecer-se mais como Beria.
Mas se o procurador nova-iorquino for bem sucedido, Trump poderá enfrentar a pena de prisão por um caso que o próprio Bragg, o Departamento de Justiça, o antecessor de Bragg, e a Comissão Federal de Eleições decidiram anteriormente não prosseguir.
E seja como for, o facto de uma acusação de crime ter sido formalizada abre a porta para que o sistema judicial americano normalize todo o tipo de perseguições políticas.
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