O bolor inteligente ou como se pode ser esperto sem possuir um cérebro.

Não é a mais popular das criaturas, mas o Bolor Limoso é um organismo absolutamente incrível. Sabe tomar decisões estratégicas, escolher soluções matematicamente eficientes para satisfazer as suas necessidades alimentares – e lembrar-se delas em futuras aventuras, detectar elementos químicos à distância, multiplicar-se ou unificar-se em função do ecossistema em que é inserido, sacrificar-se para o bem colectivo, etc., etc.

Todas estas características são normalmente associadas a animais e aos seus cérebros. Acontece que o Bolor Limoso não tem cérebro nem é um animal. É até muito difícil catalogar este estranho bicho da classe dos Eucariotas, que se apresenta morfológica e estruturalmente de muitas maneiras, dependendo das necessidades de cada momento e do meio em que prospera.

A possibilidade de inteligência na ausência de neurónios é muitíssimo interessante para a equação com que, episodicamente, os novelistas de ficção científica embalam a insónia: se há vida inteligente no universo, essa característica não tem necessariamente que se manifestar como se manifesta no ser humano. Essa inteligência pode manifestar-se como um super evoluído e civilizado Bolor Limoso. Essa inteligência pode manifestar-se de tantas e tão diversas formas, que não cabem na nossa imaginação. Por isso, não vale muito a pena preencher a fantasia apenas com humanoides verdes ou cinzentos, quando podemos libertá-la para fora dos limites da nossa experiência e percepção. Quanto mais longe formos nesse exercício, mais perto, se calhar, estaremos da realidade.

 

 

A solidão como estratégia de sobrevivência das espécies.

Para além de ser capaz de metamorfoses assombrosas em função das particularidades do ecossistema, e de tomar decisões inteligentes para garantir a sobrevivência da espécie, este estranho Eucariota conta com células que se sacrificam de forma a perpetuar o colectivo, multiplicando-se e combinando-se para atingir determinados objectivos e agregando-se frequentemente para superar a ausência de nutrientes. Mais surpreendente ainda, este bolor recorre à solidão como forma de diversificar as hipóteses de continuidade.

A presença de solitários em espécies de alta funcionalidade colectiva já foi estudada em abelhas, gafanhotos e gnus, mas um paper publicado em 2020 pela equipa liderada por Fernando W. Rossine, na PlosBiology, procura aprofundar o significado da solidão no contexto do processo evolutivo, através do estudo das células do Bolor Limoso que são deixadas, estrategicamente, à sua sorte, mesmo em situações em que a esmagadora maioria dos componentes da comunidade se organiza colectivamente.

Este assíncrono comportamento de algumas células não parece decorrer de uma volição individual, mas sim de um mecanismo colectivo: os solitários não querem ser solitários, mas, de forma aleatória, a comunidade parece sempre promover a exclusão de alguns dos seus elementos, de forma a que, se a estratégia colectiva em que está empenhada não resultar, permaneçam, mesmo que remotas, algumas hipóteses de sobrevivência para aquelas unidades que ficaram isoladas no ecossistema.

Se estas unidades, lá muito de vez em quando, subsistirem, e se o corpo colectivo acabar por perecer, assistimos a mutações genéticas muito significativas, porque a multiplicação celular que daí decorre dependerá das características do genoma de apenas um elemento. Essa comunidade será forçosamente diferente daquela que gerou os solitários, mas também mais adaptada ao ecossistema em que reside, já que resulta da unidade que conseguiu encontrar soluções viáveis de sobrevivência.

Transpondo este estudo para o contexto humano (pura especulação, o paper não faz isso): ninguém na verdade gosta de ser colocado à parte da sociedade. Há quem lide melhor com isso, há quem lide pior, mas, salvo raras excepções de carácter religioso ou derivadas de patologias psiquiátricas, não há quem o faça de propósito. Sendo involuntária, a solidão pode no entanto estar ligada a um mecanismo social que diversifica as chances de adaptação da espécie humana ao meio em que está enquadrada. Será, assim, inevitável. Como a cópula, a agressividade ou o instinto maternal.

O Bolor Limoso dá que pensar. E Anton Petrov, que disserta sobre o tema, também.