A Rússia não é uma democracia; Vladimir Putin é, para todos os efeitos, um ditador e, como qualquer outro Czar – Ruríquidio, Romanov ou Soviético – um ditador imperialista. O passado deste homem fala por si. Operacional da KGB, perito em métodos draconianos de fazer política, especialista em operações de manipulação da consciência colectiva e alegre assassino de quem atrapalha os seus desígnios e os desígnios do seu regime, Vladimir Putin é uma raposa velha, enrijecida por uma vida de brutalidades, que lidera um povo de carácter forte, tendencialmente nacionalista, consciente da sua história e da sua posição no mundo, e um exército numeroso, indisciplinado mas muito bem equipado.

A ironia suprema dos tempos que correm é que, em certo sentido e apesar de tudo, Putin é o último defensor dos valores da Civilização Ocidental. Cristão, conservador no que diz respeito aos valores culturais do seu país e da velha Europa, protector da família como unidade essencial da coesão social, inimigo histriónico da ideologia woke, das ambições distópicas do World Economic Forum e do projecto globalista, o inquilino do Kremlin trava uma luta desigual com forças bem mais poderosas que aquelas que consegue reunir à sua volta. Mas conta, paradoxalmente, com o apoio calado e na verdade inútil de milhões ocidentais dissidentes, que se revêm mais nele do que nos seus próprios líderes.

Até porque esses líderes não têm, porém e neste momento da história, qualquer legitimidade moral para acusar Putin de expansionismo ou de despotismo. Cometendo sucessivos actos fascistas sobre as suas populações e trazendo consigo o cadastro de sucessivas guerras que espoletaram desastradamente em variadíssimas localidades da geografia planetária, por razões falsas ou difusas ou apenasmente derivadas de um economicismo globalista cujos resultados catastróficos estão agora à vista de toda a gente, são, eles sim, os verdadeiros intérpretes do mais pernicioso imperialismo: aquele que projecta toda a dissensão, interna ou externa, como um imperdoável acto de terrorismo.

Excertos de “Da guerra na Ucrânia: súmula e esclarecimento”, publicado no Blogville a 25 de Fevereiro de 2022.