Crâneo multi-fracturado de um homem de Naturuk – Quénia.

 

Desde que o tristemente célebre Jean Jacques Rousseau popularizou em má hora o mito do bom selvagem, há uma corrente de opinião entre filósofos, historiadores, ideólogos e outros sábios de algibeira que foi infestando a opinião pública e que defende com unhas e dentes a mais disparatada das teses: o sapiens, devolvido ao seu estado puro de caçador-recolector, seria um tipo feliz, livre e pacífico, em equilíbrio com o ambiente e com a sua condição pacata de mamífero errante. Teria assim sido a revolução agrícola, a sedentarização, a invenção do dinheiro e o progresso técnico que fizeram do homem um bicho adepto de porradas, quezilento, ganancioso e cruel. Não fora a enxada, a moeda e o astrolábio e seríamos todos uns tipos muito pacíficos.

Esta tese é ainda hoje defendida por imensa gente que tinha a obrigação de ter juízo e utilizada amiúde para explicar aos crédulos os males da colonização europeia dos séculos XVI-XIX e fazer pesar ainda mais o insustentável fardo do homem branco. Só para dar um exemplo de como esta abstrusa forma de pensar a condição humana impera ainda nos meios académicos, o recente “Brasil: Uma Biografia”, cuja recensão crítica já foi publicada aqui no ContraCultura, parte precisamente do pressuposto delirante que os brasileiros eram os mais felizes dos seres antes que os portugueses chegassem lá (tese tão idiota, mas tão idiota que dá vontade de rir).

É claro que a crença idílica e ingénua e completamente disparatada no mito do Bom Selvagem tem sido desmentida pelo bom senso e pelos factos históricos e arqueológicos vezes sem conta, mas talvez nunca como em 2016, quando uma equipa de paleontólogos descobriu no Quénia aquilo que são, indesmentivelmente, os restos de um campo de batalha com 10.000 anos. Trata-se de um verdadeiro massacre. Homens, mulheres e crianças jazem brutalmente dilacerados de todas as maneiras e feitios num showcase de violência absolutamente recordista. O paper, publicado na Nature, está aqui. Mas para quem não tem paciência para a densidade do artigo científico, a versão “readers digest” do El País serve muito bem.

Às conclusões tiradas sobre esta evidência arqueológica, somam-se as que decorrem de um estudo conduzido por David Carrier, da universidade do Utah, e publicado pelo The Journal Of Experimental Biology, que sugere que a mão humana tem evoluído para se tornar um instrumento de violência mais eficaz. Ao contrário do que acontece com os símios, as mãos do homem fecham-se num punho letal, que maximiza a força no ponto de impacto. Na comparação com a estalada, solução muito utilizada pelos chimpanzés, os resultados do estudo mostraram que quando o polegar se contrai, a rigidez dos nós dos dedos quadruplica e a força transmitida durante o soco duplica.

Estamos programados para a violência. Evoluímos no sentido do combate. Sobrevivemos pelo recurso à agressão, independentemente do estágio civilizacional e da época histórica. Factos para acabar de vez com uma das mais escandalosas fraudes académicas desde que Platão inventou o conceito de universidade.