Dan Crenshaw, o neocon com dificuldades lexicais.

 

 

À 15ª tentativa, e depois de prometer tudo a toda a gente que se senta na bancada que agora dirige, Kevin McCarthy lá acabou por ser eleito speaker da Câmara dos Representantes do Capitólio. Mas entretanto, o espectáculo que os republicanos ofereceram ao mundo foi degradante.

 

Dan Crenshaw: os 20 representantes do Partido Republicano que se recusam a votar em McCarthy são ‘terroristas’.

Crenshaw, um dos  mais agressivos representantes do complexo industrial e militar que o Partido Republicano tem no Congresso, disse à Fox Radio na quarta-feira passada que tinha sido encostado à parede pelas duas dezenas de dissidentes, cujo pecado máximo terá sido recusarem-se a votar num homem que representa tudo o que é corrupto e está podre no Partido Republicano.  E assim sendo:

“Não votaremos em mais ninguém a não ser em McCarthy. Não podemos deixar que os terroristas ganhem.”

 

 

Os “terroristas” são representantes do partido dele, eleitos como ele. Têm um problema: não apoiam, como ele, a guerra na Ucrânia nem querem financiar Zelensky. Não estão a soldo, como ele, do Pentágono nem da Boeing, nem da Lockheed Martin nem da Northrop Grumman. Não querem, como ele, ceder nem mais um milímetro a movimentos como o Black Lives Matter ou o LGBTQ+. Não querem pactuar, como ele pactua, com o pântano de Washington. Não são, como ele é, pessoas simpáticas à redacção do Wall Street Journal ou do New York Times. Nunca foram, como ele foi, passar uns dias a Davos.

Alguém terá que explicar a Dan Crenshaw o significado da palavra “terrorista”, apesar de ser estranho que um veterano de guerra que optou, segundo ele próprio, pela carreira militar a propósito dos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001, não consiga na verdade entender o termo.

Crenshaw já tinha usado retórica semelhante no dia anterior, quando rotulou de “inimigos” todos aqueles que não se alinham de acordo com os grupos de interesse instalados no Capitólio e que acham que foram eleitos para representar os interesses dos seus eleitores e não da elite burocrática do GOP. O representante eleito pelo segundo distrito eleitoral do Texas falou verdade, porque os dissidentes são de facto inimigos dele e de tudo o que ele representa.

Na quarta-feira acrescentou ainda que o pequeno grupo de representantes do seu Partido precisam de dizer o que realmente querem (projectando que todos têm agendas de interesse individual, como ele tem) ou “calar a boca” e obedecer aos seus líderes partidários.

 

 

Quando foi eleito, Dan Crenshaw surgiu como um nobre veterano de guerra, um oficial e um cavalheiro que anunciava aos quatro ventos que a política americana precisava desesperadamente de “civilidade”, mas agora está a rotular os seus adversários políticos de “terroristas” e “inimigos” domésticos. Este neoconservador, como todos os neoconservadores, é de facto uma pessoa bastante cordial. Com os democratas. Porque com os populistas do seu partido é um ordinário sem nome.

 

Brian Kilmeade: quem não votar em Kevin McCarthy é um ‘insurrecto’.

O co-apresentador do Fox & Friends Brian Kilmeade declarou em directo na Fox News, na quinta-feira passada, que

“Os representantes do Partido Republicano que não querem votar em Kevin McCarthy são insurrectos”.

Só depois de lhe ter saído o disparate monumental pela boca fora é que Killmeade pensou no que estava a dizer:

“Provavelmente não deveria usar esta palavra…”

Mas os seus colegas deram-lhe uma ajuda:

“São Sabotadores.”

“Sim, Sabotadores” confirmou Kilmeade, aliviado.

 

 

Brian Kilmeade gosta de se projectar como um desalinhado em relação aos poderes instituídos, mas quando as coisas aquecem é tão instituído como qualquer apparatchik.

 

 

A juíza Jeanine Pirro, outra estrela da Fox News que gosta de se mascarar de rebelde e gerrilheira contra o establishment, atacou a representante Lauren Boebert e o resto do grupo anti-McCarthy, acusando os dissidentes de egomania.

“Estão a fazer os republicanos parecer ridículos. Eu gosto de Kevin McCarthy! Isto é uma vergonha, eles são egomaníacos que não têm respostas e deviam ficar calados e alinhar com a maioria neste ponto!”

Calar a boca e obedecer. A definição de rebeldia segundo Jeanine Pirro.

 

 

Coligação Judaica: Os que não votam como nós achamos que devem votar são ‘infiéis’.

Entretanto, o director executivo da Coligação Judaica Republicana, Matt Brooks, rotulou os rebeldes do Partido Republicano de “infiéis” e ameaçou-os com “consequências”.

“Quando toda a poeira assentar, espero que os infiéis paguem o preço real por todo o caos e os problemas que estão a causar. As acções devem ter consequências”.

 

 

Deve ter sido a essas consequências que Mike Rogers, o representante eleito pelo  Alabama, se deve ter referido quando foi visto a proferir insultos e ameaças a Matt Gaetz, na sexta-feira à noite (no fim do clip em baixo), logo depois deste último ter votado “presente” e contribuído assim para mais uma votação inconclusiva.

É pena que Rogers, e McCarthy, que também foi tirar satisfações ao adversário político, não tenham mostrado esta fibra temperamental nos últimos anos, quando a maioria democrata estava empenhada em destruir o país.

 

 

Esta imagens são bem eloquentes sobre a pressão, não só psicológica como física, a que os 20 dissidentes estiveram sujeitos, durante toda a semana passada.

 

Graças a Deus por Tucker Carlson.

Ao contrário de outros campeões temporários, messias que se tornam rapidamente em vendilhões do templo, super-heróis que têm passado a vilões a uma velocidade prodigiosa ou perdido a sua capa vermelha pelos caminhos infernais que a vida política e mediática trilha actualmente, Tucker Carlson nunca desilude. Está sempre do lado certo nas questões fundamentais. É impressionante. E este segmento sobre o que aconteceu nos últimos dias na Câmara dos Representantes do Congresso americano é bem sintomático desse acerto e dessa coragem e dessa lucidez.

 

 

O que ganharam os dissidentes?

No fim de uma semana caótica os rebeldes do Partido Republicano conseguiram obter algumas concessões, principalmente no que diz respeito aos mecanismos de apresentação e votação das leis que são aprovadas na Câmara dos Representantes, impondo um prazo maior entre a formalização da lei e a sua respectiva votação, para que os gabinetes dos representantes possam ter tempo para perceber as cláusulas e as implicações das leis; bem como colocando restrições ao âmbito das medidas que podem ser integradas numa única lei.

Isto pode parecer uma pequena vitória, mas se pensarmos que o Inflation Reduction Act, um documento com milhares de páginas, que implicava o dispêndio público de 500 biliões de dólares, foi aprovado em 24 horas pela maioria democrata e incluia sobretudo medidas de reconversão energética com vista ao objectivo das emissões zero, acabando por ter tido muito pouco ou nenhum impacto na curva inflaccionária, percebemos que é nestes detalhes que se faz a grande batota.

Seja como for, a pressão a que foram sujeitos não lhes permitiu margem de manobra para muito mais. No fim das contas, o sistema prevalece sempre.