“Se a densidade da população mundial fosse a que se regista em Manhattan, cabíamos todos na Nova Zelândia.”
Sydney Brownstone
A teoria de que o planeta decairá inevitavelmente num inferno superpovoado nunca foi verdadeira. Era falsa quando foi postulada pela primeira vez no século XIX. Era falsa quando “The Population Bomb” foi publicado na década de 1960. É falsa agora. Que esta teoria ainda seja ensinada nas escolas primárias e secundárias de todo o mundo não a torna mais verdadeira. Continua a ser uma teoria falsa.
Neste ensaio, traça-se brevemente o desenvolvimento ao longo do tempo da distópica ideia de que para acabar com a miséria humana a melhor solução é acabar com a humanidade. Ou pelo menos com uma boa parte dela, como um dos mais importantes proponentes da teoria, o Fundo das Nações Unidas para a População, parece defender. Serão também discutidas as diferenças entre a ala feminista e a ala de controlo populacional do movimento. E finalmente será explicado porque é que a teoria da superpopulação não é de todo verdadeira.
Esta guerra contra a proliferação da humanidade tem agora mais de um século. Passou por quatro fases distintas mas intimamente relacionadas; o malthusianismo, a eugenia, a bomba populacional e os direitos reprodutivos, e está agora na fase das alterações climáticas.
O malthusianismo, nomeado pelo cientista Thomas Malthus do início do século XIX, postulava que os excessos populacionais são a causa inevitável de toda uma cartilha de flagelos, entre os quais a fome, a doença e a guerra. A teoria sugere que a população mundial cresce exponencialmente enquanto a produção alimentar não, com o resultado inevitável de fomes devastadores. Não completamente desacreditado até ao advento das técnicas agrícolas modernas no século XX, o malthusianismo forneceu os fundamentos intelectuais de todas as outras iteracções da teoria da população.
O passo seguinte do movimento surgiu com o advento da eugenia, a teoria de que nem todas as raças são iguais e que as raças “más” devem morrer para dar lugar às “boas”. As raças “más” correspondiam geralmente às que eram mais pobres e mais escuras do que os teóricos da eugenia. Os primeiros defensores desta teoria incluíam Margaret Sanger, a fundadora da Planned Parenthood, que expressou abertamente crenças racistas e que era admirada pelo regime nazi (estes factos são ignorados pelos herdeiros ideológicos e biológicos de Sanger).
É claro que os nacionais socialistas alemães deram à eugenia a sua péssima reputação, pelo que a teoria passou à clandestinidade, ressurgindo na década de 1950 com a afirmação do establishment político e académico americano, sendo recuperada com um novo nome – a “explosão demográfica” – que remeteu para o trabalho de Malthus, mas que ainda visava populações de pele mais escura, dos países “em vias de desenvolvimento”. Os “cientistas” sociais de Clube de Roma, entre outras entidades proféticas desse género fraudulento, especulavam sobre “os limites do crescimento” e, em vez de simplesmente afirmar que a humanidade ficaria sem alimentos, o renovado axioma alegava que agora ficaríamos desprovidos de quase tudo: espaço vital, recursos naturais, minerais e energéticos, estruturas civilizacionais e bens económicos. Esta teoria da “bomba populacional” conduziu o movimento através dos anos 60 até ao início dos anos 90 e mais além.
A principal característica da teoria da “bomba demográfica” tem sido a coerção através do medo. Se, como os proponentes desta tese apocalíptica sugeriam, a superpopulação fosse de facto uma ameaça terrível para todo o planeta, então os decisores políticos deviam forçar certos grupos demográficos a reduzir o seu número.
Quase sempre, a coerção é originária de governos e dirigida contra os povos que governam. Os exemplos mais famosos de coerção ocorrem em países mais pobres ou de desenvolvimento tardio como aconteceu na China e no Peru. Os casos de coerção aí existentes estão bem documentados e são mais que óbvios. As mulheres nestes países foram levadas a abortar contra a sua vontade. Outras foram esterilizadas sem o seu conhecimento ou autorização. Outras ainda foram subornadas com alimentos e medicamentos em troca de procederem a abortos ou deixarem-se esterilizar. Mas mesmo nos Estados Unidos há casos bem divulgados em que mulheres destituídas e toxicodependentes são pagas por grupos privados para serem esterilizadas.
Embora a coacção seja praticada principalmente por governos de nações pobres sobre os seus próprios povos, o ímpeto para tal vem dos países ricos ocidentais, principalmente dos Estados Unidos e da União Europeia, mas também de várias instituições internacionais, mais notoriamente das Nações Unidas.
O governo dos Estados Unidos ajudou a fundar o Fundo de População das Nações Unidas (FPNU) em 1969 para ser uma câmara não partidária para a monitorização populacional e a informação demográfica. O FPNU, contudo, evoluiu rapidamente para um grupo de advocacia que tem estado envolvido em mais do que um programa de controlo demográfico coercivo. Nos dez anos seguintes à sua fundação, por exemplo, o Fundo ajudou ao estabelecimento do programa de controlo populacional mais brutal que o mundo alguma vez viu.
Com a ajuda directa do FPNU, o governo chinês instituiu uma política que proibiu as mulheres de terem mais do que um filho durante a sua vida. Algumas mulheres que tentaram ter mais do que um filho foram forçadas a fazer abortos. Só nos primeiros seis anos do programa, ocorreram na China 50 milhões de abortos forçados.
Sob ameaça de perder a assistência financeira dos EUA, esta sinistra organização acabou por prometer limitar as suas actividades a apenas 32 condados chineses e que todas as formas de coerção nesses condados terminariam. O FPNU compormeteu-se ainda que se ainda existisse coerção em qualquer um desses 32 condados, deixariam a China por completo. Em 2002, o governo dos EUA apurou que continuava a existir coerção nesses 32 condados e que o Fundo era cúmplice na prestação de assistência técnica, retirando prontamente o apoio financeiro que até aí tinha prestado a esta draconiana iniciativa.
Mas a China não é o único país onde o FPNU prestou comprovadamente assistência em matéria de limitações à natalidade. Entre 1996 e 2000, o governo peruano liderado pelo ex-presidente Fujimori desenvolveu um programa de controlo populacional extremamente agressivo e de ética mais que discutível contra as mulheres camponesas nativas. Investigadores do governo dos EUA descobriram que estas mulheres foram enganadas e esterilizadas sob o pretexto de outros procedimentos médicos. Houve mulheres que foram aprisionadas até concordarem com as esterilizações. O Fundo da População das Nações Unidas era um financiador do programa peruano, e as esterilizações forçadas e coagidas ocorreram nas suas instalações nesse país. Embora o FPNU negasse a existência de coerção no programa peruano, um estudo que a própria organização encomendou confirmou que a coerção existia de facto no programa. A resposta do FPNU ao seu próprio relatório negativo foi enterrá-lo e mentir sobre o mesmo. Ainda no Verão de 2002, o Fundo negou a existência do relatório, que tinha sido desenterrado por um jornalista peruano.
Na altura em que estes debates se desenrolaram, durante os anos 90, os controladores da população começaram uma vez mais a alterar os seus termos. Determinaram, assertivamente, que o controlo da população estava a ser alvo de má publicidade. Era visto como demasiado “de cima para baixo”, nas palavras dos defensores do controlo populacional. Além da má imprensa, os defensores destas práticas eugénicas começaram também a receber relatórios dos seus próprios demógrafos, que apresentavam informações assustadoras: o impulso para abrandar o crescimento populacional, desencorajando a fertilidade, estava a tornar-se mais bem sucedido do que alguém poderia imaginar.
Embora não fosse revelado ao público até finais dos anos 90, já em 1994, na altura da Conferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento, estava a tornar-se óbvio para os especialistas demográficos que as taxas de fertilidade acusavam uma redução drástica em todo o mundo. Daí a necessidade de alterar a nomenclatura destas actividades.
Pretendendo que a população continuasse a diminuir, apesar de saberem já que as taxas de fertilidade estavam a descer, e temendo que os decisores políticos concluíssem que o controlo da população já não era necessário, decidiram camuflar a velha teoria da superpopulação com a linguagem cifrada dos direitos humanos, o recurso estilístico por excelência da oratória política nos finais do século XX. Foi nessa altura que Introduziram a expressão “direitos reprodutivos”. O pensamento foi que se todos exigissem os seus “direitos reprodutivos”, tal como definidos pela ONU, então as taxas de natalidade continuariam a diminuir. Assim, sob a orientação e apoio do FPNU, as Nações Unidas iniciaram o apelo internacional aos direitos reprodutivos na Conferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento, em 1994. E aqui encontramos uma dicotomia entre as feministas e os controladores da população.
Na verdade, a divisão não é assim tão grande. Algumas feministas, embora não muitas, têm considerado o controlo da população como um ataque contra as mulheres. Algumas delas, embora muito poucas, pronunciaram-se contra a política chinesa de um filho por casal. E nenhuma delas se pronunciou contra a coerção no Peru. Mas pelo menos teoricamente existe uma dicotomia entre aqueles que acreditam que os direitos das mulheres residem no avanço do aborto, mas que ainda criticam a coerção no planeamento familiar, e aqueles que acreditam tão fortemente na necessidade de controlo da população que os direitos das mulheres podem ser espezinhados como consequência. Esta fase do movimento contra a prosperidade humana utiliza a linguagem dos direitos da mulher ao serviço do controlo da população.
Nos últimos dez anos, porém, assistiu-se àquela que é a última, mas que não será certamente a derradeira, fase da guerra contra a humanidade. A teoria começou com o malthusianismo, depois desenvolveu-se com as teses eugénicas, foi amplificada com os ecos de explosão demográfica, sofreu a mutação dos direitos reprodutivos e agora assume a forma do combate às alterações climáticas.
A equação é muito simples, embora se nela reflectirmos, terrífica: as pessoas são destruidoras do planeta. Assim sendo, para que o planeta lhes sobreviva, têm necessariamente que existir menos pessoas. Nunca o controlo demográfico foi tão dramático no seu apelo. “É uma questão existencial!”, gritam políticos, jornalistas, elitistas e globalistas de toda a espécie, como se qualquer questão existencial fosse resolvida pela obliteração da existência. “É uma questão de anos!”, ameaçam os activistas, que há mais de 60 anos prometem apocalipses climáticos imediatos. Para “salvar o planeta” vale tudo: fome, falência energética, paralisação industrial e económica, retrocesso civilizacional. O Great Reset implica reduções demográficas extremas. Até porque, como um dos mais proeminentes teóricos do World Economic Forum, Yuval Noah Harari, não tem escrúpulos em declarar, os seres humanos não são precisos para nada.
Que Deus nos salve desta gente.
Mas voltando ao princípio: a teoria de que o mundo está tão inundado de pessoas que acabará por sufocar é falsa e sempre o foi. Não vamos ficar sem comida, recursos naturais, ou espaço. A ideia não só é factualmente desprovida como é extremamente perigosa (já se cometeram genocídios por muito menos). O mundo produz agora mais alimentos do que nunca e com índices de eficiência recordistas, utilizando cada vez menos área agrícola para satisfazer a procura. Não fossem os recentes constrangimentos à produção e à distribuição, decorrentes de draconianas medidas de contenção pandémica, de políticas ambientais absurdas, de sanções contraproducentes a países produtores de energia e à inflacção, também auto-infligida pelos bancos centrais do Ocidente, o mundo estaria inundado de produtos alimentares. O problema dos últimos cinquenta anos tem sido levá-los a quem tem fome. A subnutrição que ocorre nos nossos dias não se deve à falta de alimentos, mas a más políticas, à corrupção ou à guerra. Além disso, e até 2020, o custo dos recursos naturais atingiu índices mais baixos do que há meio século atrás. O preço é sempre um marcador de disponibilidade: preços mais baixos significam abundância. E a que se deve essa abundância? Ao engenho humano. A humanidade é cada vez mais competente na utilização dos recursos naturais e do solo, e mais eficiente na sua utilização.
Ainda assim, a população continua a crescer. Como pode isso acontecer? Por uma razão muito boa. Nas palavras de Nicholas Eberstadt:
“Não é que as pessoas se reproduzam como coelhos, mas sim que deixaram de morrer como moscas”.
A revolução mais surpreendente do século XX foi a da saúde. O antibiótico, os métodos de esterilização e as técnicas de saneamento básico, as vacinas e as descobertas científicas que levaram à cura de milhares de doenças e à drástica redução da mortalidade infantil promoveram, nos últimos cem anos, expectativas de vida incomparavelmente mais longas.
O facto é que a tão temida taxa de natalidade começou a diminuir no Ocidente há mais de 150 anos, muito antes do advento do planeamento familiar e do controlo populacional ao estilo da ONU. De facto, a França atingiu o que se chama a transição demográfica no século XIX. E as taxas de fertilidade diminuem naturalmente quando as populações se deslocam das áreas rurais para os centros urbanos, ou transitam da agricultura de subsistência para a era industrial. Elas diminuem também à medida que as mulheres têm acesso à educação, adiando o casamento e a maternidade em função de perspectivas de realização profissional e prosperidade material.
Acontece que a guerra contra a natalidade não foi necessária e o que conseguimos ao reduzi-la artificialmente foi criar um problema inédito. Neste momento, mais de 80 países no mundo estão abaixo da fertilidade de substituição, o ponto em que as mulheres estão a ter tão poucos filhos, menos de 2,1 filhos por mulher, que os países já não conseguem sequer substituir a população existente. A ONU prevê que todas as nações do mundo, com excepção de algumas nações africanas, atingirão uma fertilidade inferior à de substituição dentro dos próximos vinte anos. E este, sim, é que é um problema gravíssimo. Uma população em rápido envelhecimento que vira a pirâmide demográfica de cabeça para baixo é um projecto social falhado. As sociedades saudáveis precisam de generosas percentagens de jovens que apoiem um número cada vez mais reduzido de idosos, que sustentam a segurança social, que promovam a inovação e produzam novas soluções para problemas antigos.
Estar abaixo da fertilidade de substituição significa que em muitos países há mais pessoas idosas do que jovens. Há quinze anos atrás, o Japão, pela primeira vez nas história da humanidade, chegou ao ponto de ter mais pessoas com mais de 65 anos do que com menos de 15. Esta é uma receita para o desastre económico e a guerra intergeracional sobre os níveis de tributação governamental e os gastos com serviços sociais para os idosos.
Nos últimos anos, a Divisão da População da ONU (analistas estatísticos oficiais da ONU) tem dado o alarme sobre a fertilidade de substituição abaixo de zero. Há um ano, acolheu uma reunião de peritos na qual demógrafos de todo o mundo concluíram que não sabiam quão baixa a fertilidade pode acabar por ser. A ONU acredita agora que a população mundial irá atingir cerca de 8 mil milhões de pessoas em 2050 e que depois irá começar a diminuir.
Os controleiros demográficos continuam, no entanto, a defender a sua causa. Persistem no alarmismo espúrio de fomes e catástrofes, anunciando sem qualquer evidência que em breve esgotaremos os recursos naturais, e que o planeta está a ficar sobrelotado. Qualquer pessoa pode, no entanto, testar a teoria. Da próxima vez que estiver num avião, sobrevoando praticamente qualquer parte do mundo, mesmo nas suas áreas mais populosas, olhe de cima para baixo e o que verá é um planeta notavelmente vazio, à espera de ser habitado pela espécie animal mais engenhosa que à sua superfície alguma vez foi gerada.
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