“The reason I do it is because if you do it wrong it will kill you.”
Guy Martin

 

Não há corrida de motos como a Isle of Man Tourist Trophy. Aliás, não há em todos os desportos motorizados um corrida como esta, ponto. Na verdade podemos até dizer que não existe à superfície da Terra outro evento desportivo que se compare, porque nos seus 115 anos de história, que contabilizam 101 corridas, o célebre traçado de estradas públicas com 60 kms de extensão matou 265 pilotos, considerando motos e sidecars.

Mas convém talvez dar um contexto ao texto: a Ilha de Man é uma dependência da Coroa do Reino Unido, que inclui a ilha principal, do mesmo nome, e algumas ilhotas adjacentes. O território faz parte do conjunto geográfico das Ilhas Britânicas, e situa-se no mar da Irlanda, aproximadamente equidistante do oeste da Inglaterra, do sul da Escócia e do leste da Irlanda do Norte. Tem cerca de 48 km de comprimento e entre 13 e 24 km de largura, com uma área de 572 km². As duas áreas montanhosas são divididas por um vale central. O extremo norte da ilha é excepcionalmente plano. Vivem aqui cerca de 80.000 almas.

O Isle of Man TT é uma corrida de motos e sidecars realizada anualmente nas ruas e estradas da ilha, que são fechadas ao público por um acto legislativo de Tynwald, o parlamento local. O evento dura duas semanas, entre sessões de treino e corridas. Na “Mad Sunday” cumpre-se uma tradição iniciada nos anos 20 do século passado, em que qualquer pessoa pode fazer o percurso em mota, num evento informal e não oficial sancionado no Domingo entre a semana de treinos e a semana de corridas.

 

 

A primeira prova do Isle of Man TT foi realizada numa terça-feira, 28 de maio de 1907, com motos de série. Este iniciático evento consistiu em 10 voltas ao St John’s Short Course, que tinha cerca de 25,51 km de extensão. Em 1911, o traçado foi substituído pelo actual Snaefell Mountain Course. Este último sofreu alterações sucessivas, sendo que em 1911 tinha 60,19 kms e actualmente estende-se por 60,72 kms. O traçado integra 219 curvas, muitas delas cegas, muitas delas fechadas, e a sua elevação vai do nível do mar até aos 400 metros de altitude. O evento é realizado anualmente, no mês de Setembro.

O Isle of Man TT é a corrida de motas mais antiga do mundo, mas também a mais perigosa. Entre 1946 e 2022, a única edição do Troféu em que não morreu ninguém foi a de 1982. Em 2022 morreram quatro pilotos e um tripulante. O repórter da Sports Illustrated Franz Lidzda chamou-lhe os “60 quilómetros de terror”. Os pilotos percorrem um percurso extenuante ao redor da ilha em estradas sinuosas e irregulares, normalmente usadas pelo tráfego quotidiano, atingindo velocidades superiores a 300 kms/h.

 

 

Quando não estão preocupados com sulcos, lombas, sarjetas e desníveis vários, os pilotos tentam evitar animais vadios e detritos, casas, muros de pedra, árvores, paragens de autocarro, postes eléctricos e cabines telefónicas que se alinham nos sectores urbanos do circuito. E quando sobem à montanha, os declives, as ravinas e a geada são uma ameaça constante.

 

 

Cumprir uma volta rápida, numa moto de competição, ao Snaefell Mountain Course é um exercício apenas acessível a tresloucados ou virtuosos ou as duas coisas ao mesmo tempo. Nos segmentos urbanos, a sensação de velocidade é assustadora, porque a pitoresca mobília citadina funciona como delimitador da pista e o efeito de túnel é brutal. No descampado, a vertigem dos declives montanhosos acaba com a valentia de qualquer ser humano que carregue um mínimo de sensatez na consciência. Mais a mais, há muitos ganchos e roscas, uma boa quantidade de esquinas de 90º e várias mudanças de direcção que não mostram o seu fim, o que, num circuito com muitas dezenas de quilómetros e mais de duas centenas de curvas, exige do piloto boa memória, reflexos extraterrestres e uma dose desmedida de auto-confiança.

 

 

A competição é estruturada no formato de contra-relógio, mas os pilotos são lançados em pista de dez em dez segundos, o que leva na práctica à competição directa entre os concorrentes. Realizam-se várias provas em diversas categorias, sendo que na categoria sénior, a principal, a corrida dura cerca de uma hora e quarenta e cinco minutos e obriga homens e máquinas a seis duras voltas ao circuito. Há sempre muitas desistências, já que o desafio é também muito exigente com as máquinas.

Para além das volumosas baixas em pilotos e tripulantes de sidecars, os acidentes também matam os comissários de pista e espectadores. Para além disso, durante todo o ano os amadores que fazem o circuito são vítimas da sua traiçoeira extensão. Não existem registos fiáveis ​​de fatalidades para as dezenas de milhares de visitantes que anualmente dão uma voltinha pelo circuito lendário, mas uma estimativa local calcula a taxa de mortalidade tão alta quanto três para um: três mortes de amadores para cada morte profissional. Essa proporção colocaria o número de óbitos entre os visitantes em mais de 700.

 

 

O Isle of Man Tourist Trophy é um desafio alucinante e anacrónico, num momento da história em que a segurança é uma das preocupações dos desportos motorizados em particular, e das sociedades em geral. Mas talvez porque o risco seja, nesta corrida de doidos, uma realidade estatisticamente significativa, a glória dos vencedores é directamente proporcional aos perigos que enfrentam, e os fãs do motociclismo veneram como deuses os grandes nomes desta corrida, como Joey Dunlop, John McGuinness, Dave Molyneux ou Ian Hutchinson.

E para além de tudo mais, trata-se de um evento realmente espectacular, em que o público, por estar tão perto da pista, consegue de alguma forma experimentar a adrenalina da velocidade e, na verdade, correr também alguns riscos. Afinal, dos espectadores aos pilotos, dos comissários de pista aos mecânicos, toda a gente que no mês de Setembro se reúne nesta ilha sofre da mesma doença: a febre da velocidade.

 

 

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Dados estatísticos:

Pilotos com dez vitórias ou mais:
Joey Dunlop – 26; John McGuinness – 23; Michael Dunlop – 21; Dave Molyneux – 17; Ian Hutchinson – 16; Mike Hailwood 14; Bruce Anstey, Ben Birchall, Tom Birchall – 12; Steve Hislop, Phillip McCallen – 11; Giacomo Agostini, Robert Fisher, Ian Lougher, Stanley Woods – 10.

Recordes:
O recorde de volta para a corrida Sénior TT é de 16 minutos e 42,778 segundos, a uma velocidade média de 217,989 km/h, estabelecida por Peter Hickman em 2018. O recorde da corrida também é de Hickman: 1 hora, 43 minutos e 08.065 segundos; à velocidade média de 211.951 km/h, alcançada durante a mesma corrida.
O recorde de volta para a corrida Sidecar TT é de 19 minutos e 22,928 segundos, a uma velocidade média de 187,968 km/h, estabelecida por Ben Birchall e o tripulante Tom Birchall, durante a corrida Sidecar TT 1 de 2016. O recorde de corrida para o Sidecar TT é de 58 minutos e 24,971 segundos, à velocidade média de 187,101 km/h, recorde obtido pela mesma equipa, mas em 2015.
Nos treinos de TT de 2006, o neozelandês Bruce Anstey alcançou o recorde de velocidade máxima, 332 km/h, no final da reta Sulby, aos comandos de uma Suzuki 1000cc.