Pablo de Valladolid ou Retrato de Actor Famoso no Tempo de Filipe IV . Diego velázquez . 1635

 

Magnífico, não é?

Em 1865 Édouard Manet visitou Espanha e pasmou perante as obras de Velázquez no Museo del Prado, que lhe causaram forte impressão. Entre elas, elogiou este retrato numa carta a Henri Fantin-Latour, na qual afirmou:

“Talvez a peça de pintura mais espantosa alguma vez executada seja a intitulada Retrato de um actor famoso na época de Filipe IV. O fundo desaparece. É o ar que rodeia o personagem, vestido todo de preto e cheio de vida.”

Um ano após esta visita, pintou El Pifano, com óbvias referências ao Pablo de Valladolid.

Goya, perante este prodígio, limitou-se a concluir que Velázquez tinha retirado à obra prima a sua margem de manobra.

De facto esta pérola que aqui contemplamos vem de um campeonato à parte. Vem de uma competição que é disputada entre os deuses. Não que o objecto retratado tenha algo de divino. Não. O objecto retratado é sobretudo e sinceramente prosaico. Porém, não se retrata aqui um bobo pelo bobo que ele é. Retrata-se aqui o bobo pela transcendência imagética que é possível obter através dele. Retrata-se um anti-clímax, sim, mas de tal forma magistralmente, que acaba o bom Pablo por ser elevado a uma condição que não tinha, que não tem, que nunca teve. O bom Pablo, através do génio de Velázquez, eleva-se e eleva-nos ao sétimo céu da representação gráfica. É um absoluto. É uma verdade. É uma redenção.

Pablo de Valladolid é uma obra de Diego Velázquez (Sevilha, 1599 – Madrid, 1660) executada para o Palácio Buen Retiro em Madrid e mantida no Museo del Prado desde 1827. Pertence ao grupo de retratos de bobos da corte e “homens de prazer” pintados por Velázquez para decorar quartos secundários e áreas de passagem nos palácios reais, nos quais, dada a sua natureza informal, o pintor pôde experimentar novos recursos expressivos com maior liberdade do que nos retratos oficiais da família real.

Muitos historiadores têm insistido que estas pinturas promovem uma reflexão sobre a condição humana quase sem paralelo na história da pintura. Uma dessas pessoas foi Pablo de Valladolid, que nasceu em 1587 e trabalhou ao serviço da corte desde 1632 até à sua morte, em 1648. Não é conhecido por ter quaisquer defeitos físicos ou mentais, pelo que a sua presença entre a lista de bobos e “homens de prazer” deve ser explicada em termos das suas capacidades burlescas ou interpretativas. A obra é um prodígio de síntese e de economia, e demonstra até que ponto Velázquez foi um artista ousado e inovador, pois é impossível encontrar precedentes claros para esta pintura de uma figura firmemente estabelecida num espaço indeterminado, construído apenas pela sombra do personagem.

O trabalho foi inventariado em 1701. O inventário menciona-o juntamente com outros cinco retratos de bobos, todos de Velázquez, dos quais pelo menos dois podem ser identificados em obras sobreviventes: os bobos Barbarossa e Don Juan da Áustria. De acordo com Jonathan Brown e John H. Elliott, os seis retratos podem ter sido pintados entre 1633 e 1634 e fazem parte de uma série destinada a decorar os apartamentos privados da Rainha no Buen Retiro, com base num recibo datado de 11 de Dezembro de 1634, pelo qual Velázquez cobrou uma série de quadros que não estão especificados. A tese é contestada por José López-Rey, que nega tanto a natureza de série como o seu destino no palácio, contestando as datas de execução e sugerindo os anos de 1636-1637 para a feitura do Pablo de Valladolid.

Em 1772 e 1794 foi inventariado no Palácio Real em Madrid juntamente com o retrato do bobo Don Juan de Austria, sem mencionar o nome da pessoa retratada. Passou para a Academia Real de Belas Artes de San Fernando em 1816, onde era conhecido como “Retrato de um Presidente da Câmara”, e em 1827 para o Museo del Prado, aparecendo no seu catálogo de 1828 como “Retrato Desconhecido”. Quando Édouard Manet deu com ele, a nomenclatura era a de um “Retrato de um actor famoso no tempo de Filipe IV”, provavelmente dada a aparência teatral do protagonista.

A figura retratada, a todo o comprimento e em pé, com as pernas abertas, vestida de preto, segura o manto ao peito com a mão esquerda e estende o braço direito num gesto mais pronunciado do que é hábito em Velázquez. A silhueta é claramente delineada contra um fundo neutro, sem qualquer outra referência espacial para além da sombra que lança, dispensando mesmo uma linha de separação entre o chão e a parede.

A novidade de retratar o prosaico bobo como uma visão celestial, um santo que levita sobre o fundo dourado num espaço indefinido, é a característica mais frequentemente realçada neste retrato, considerado revolucionário. A técnica de preparação da tela e de aplicação das pinceladas é semelhante à utilizada na pintura do Cristo crucificado e nos outros retratos de bobos desta série. O fundo neutro foi pintado por Velázquez com pinceladas semi-transparentes aplicadas com grande liberdade em termos de extensão e fluidez, bem como de direcção. A leveza das pinceladas, aplicadas com densidade muito irregular em áreas diferentes, produz um efeito vibratório que contribui para a indefinição do espaço.

O Bobo Pablo é um triunfo do Barroco espanhol. Um testemunho do génio humano. Uma daquelas obras de arte enigmáticas e consoladoras, que transcendem a sua época para sobreviverem belas sobre os séculos.