Judas B. Peterson

 

 

Novamente valho-me de excelente artigo publicado neste ContraCultura, cujo título é “Judas B. Peterson publica um paper de 4º classe que associa a expressão ‘Cristo é Rei’ ao extremismo religioso”, para dar vazão ao meu indisfarçável exibicionismo e vontade de dar palpites e arremedos em algo irretocável. O leitor haverá, portanto, que perdoar meus comezinhos e vaidosos pecados.

Vivemos um processo de flagrante regressão civilizacional, onde qualquer símbolo ou expressão religiosa torna-se passível de apropriações políticas. Deste modo, faz-se necessário resgatar a genuína essência da Festa de Cristo Rei e da aclamação “Viva Cristo Rei”, pois a tentativa de vincular tais expressões a uma vertente política específica, em especial ao chamado “extremismo de direita” (sempre a direita, nunca a esquerda…), não apenas falseia a natureza do evento e da proclamação, mas também distorce o próprio significado teológico da Realeza de Cristo. Deste modo, julgo-me apto a fazer coro ao artigo no qual me baseio, já deixando claro minha decepção com o senhor Jordan B. Peterson – alguém que, até então, sempre mereceu minha atenção. Nas linhas abaixo, tentarei demonstrar que a solenidade de Cristo Rei e sua aclamação não pertencem a nenhum partido, ideologia ou movimento político, mas são, acima de tudo, expressões da soberania espiritual de Cristo sobre todas as nações e indivíduos.

 

A instituição da Festa de Cristo Rei.

Vamos começar pelo princípio, pois sempre existirão os desavisados: a Festa de Cristo Rei foi instituída pelo Papa Pio XI através da encíclica Quas Primas, de 1925, em um Zeitgeist – o “ethos” histórico ou, para os moderninhos, “episteme” – de crescente secularização e tentativas de relegar a religião à esfera privada. Pio XI, ao proclamar esta festa, não buscava fomentar um nacionalismo cristão ou uma hegemonia política baseada na fé, mas reafirmar uma verdade fundamental do cristianismo: Cristo reina sobre o mundo não como um monarca temporal, mas como Rei do Universo, fonte última da verdade e da justiça.

Na encíclica, Pio XI enfatiza que a Realeza de Cristo não deve ser compreendida segundo os parâmetros políticos terrenos:

Com esta solenidade instituímos um remédio eficaz contra aquele laicismo que teve seus terríveis frutos na corrupção dos costumes e no enfraquecimento da autoridade legítima.
(Quas Primas, 18)

Portanto, a intenção do Papa era reafirmar o papel central de Cristo na vida dos fiéis e no ordenamento moral da sociedade, e não apoiar projectos políticos de quaisquer espécies. E só por tal fato deveria, o sr. Peterson, calar-se.

 

O conceito é teológico, não político

O conceito da Realeza de Cristo remonta às Escrituras e à Tradição. No Evangelho de João, Cristo declara a Pilatos:

O meu Reino não é deste mundo
(Jo 18, 36).

Santo Tomás de Aquino, ao comentar esse versículo, reforça que a realeza de Cristo transcende a ordem política:

“Cristo não reina com poder mundano, mas com poder espiritual e divino, guiando as almas à bem-aventurança eterna”
(Suma Teológica, III, q. 59, a. 6).

A Patrística também corrobora essa compreensão. Santo Agostinho, em A Cidade de Deus, distingue a cidade dos homens da cidade de Deus, argumentando que os reinos terrenos são efêmeros, enquanto o Reino de Cristo é eterno e não depende das estruturas políticas.

E, igualmente, só por tal fato deveria o sr. Peterson penitenciar-se com cilício.

 

Cristo Rei e extremismos: impossível

A saudação “Viva Cristo Rei” tem uma história profundamente espiritual, sendo popularizada, sobretudo, pelo martírio dos “cristeros” mexicanos, nos anos 1920. Esses fiéis, enfrentando uma perseguição religiosa violenta, pelo governo comunista e anticlerical, não defendiam um projecto político específico, mas simplesmente reivindicavam a liberdade de culto e a soberania de Cristo sobre suas vidas. Entre os mártires, merece especial estudo o Beato Miguel Pro, cujo testemunho ecoa até hoje como símbolo da resistência pacífica e da fé inabalável – busquem na internet.

Alegar uma apropriação indevida dessa expressão por grupos políticos ou sua associação com extremismos são tentativas pífias e altamente suspeitas de distorcer seu significado original. A Igreja jamais promoveu o uso de Cristo Rei como emblema de facções humanas. O sr. Peterson deveria relembrar o Catecismo da Igreja Católica:

“O Reino de Cristo não é um reinado político, mas uma realidade espiritual que cresce no coração dos fiéis”
(CIC, 567).

 

Refutando Jordan B. Peterson

Indo diretamente ao ponto central deste artigo, ultimamente e sabe-se lá por quais razões, o sr. Jordan B. Peterson tem sugerido que a frase “Cristo é Rei” estaria sendo utilizada como um “grito de guerra” por “extremistas” religiosos – sempre cristãos, jamais um “allahu akbar”, associando-a a uma suposta ameaça à ordem social e intelectual moderna. Embora este sr. Peterson tenha contribuições valiosas no campo da psicologia e da crítica cultural e eu mesmo seja um seu leitor, sua análise desmorona-se frente a um reducionismo primário e flagrante, ao ignorar (propositalmente) o contexto espiritual e histórico dessa proclamação.

Em seus desatinos, o sr. Peterson trata Cristo como um arquétipo puramente psicológico e simbólico, esvaziando a dimensão real de sua Realeza. Ao reduzir “Cristo é Rei” a um simples fenômeno cultural e passível de manipulação política, o agora ignóbil Peterson finge não ver a riqueza teológica que a Igreja e os grandes pensadores cristãos têm defendido por séculos. Como afirmou C.S. Lewis em Cristianismo Puro e Simples, Cristo não deixou espaço para ser apenas um grande moralista ou um guia cultural:

“Ou Ele era e é o Filho de Deus, ou então um louco ou algo pior.”

A realeza de Cristo, portanto, não é um mero slogan político ou uma ferramenta de dominação ideológica, mas a própria essência da verdade cristã. A tentativa de enquadrá-la como extremismo religioso revela mais sua paúra de manifestações públicas de fé do que uma análise genuína desta natureza – e sabe-se lá a soldo de quem.

 

A fidelidade doutrinal

É dever de qualquer cristão resgatar a autenticidade da Festa de Cristo Rei e da aclamação “Viva Cristo Rei”. Nenhuma dessas expressões pode ser reduzida a um instrumento de disputa política, como acontece nos dias atuais até sobre a cor de nossas roupas. A Realeza de Cristo não é uma bandeira partidária, mas uma verdade eterna que transcende as nações e ideologias.

Que seja repetido, portanto, sem receios e sem distorções: Viva Cristo Rei! – não como um grito de suposta guerra política, mas como um clamor de fé e esperança na realeza espiritual de Cristo sobre toda a criação.

E que o sr. Peterson, só por isso, se penitencie na reclusão de um mosteiro.

 

 

WALTER BIANCARDINE
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Walter Biancardine foi aluno de Olavo de Carvalho, é analista político, jornalista (Diário Cabofriense, Rede Lagos TV, Rádio Ondas Fm) e blogger; foi funcionário da OEA – Organização dos Estados Americanos.

As opiniões do autor não reflectem necessariamente a posição do ContraCultura.