Num exercício recordista de cinismo, mas nem por isso erradamente, o primeiro-ministro Sir Keir Starmer criticou os conservadores que governaram a Grã-Bretanha de 2010 até Julho deste ano a propósito dos números revistos do Office for National Statistics (ONS), que mostram que a imigração líquida atingiu um número surpreendente de 906,000 entre Julho de 2022 e Junho de 2023.

Os números anteriores e provisórios do ONS indicavam que a imigração líquida havia caído em comparação com o mesmo período de 2021/2022, mas, como em anos anteriores, o organismo governamental encontrou muitas dezenas de milhares de migrantes adicionais que não foram detectados na sua estimativa inicial.

Perante estes números, Starmer afirmou (e por uma vez o Contra subscreve as suas palavras):

“Um fracasso desta escala não é apenas má sorte, não é uma tendência global ou tirar os olhos da bola – não, esta é uma ordem diferente de fracasso. O Brexit foi usado… para transformar a Grã-Bretanha numa experiência de nação com fronteiras abertas. A ‘Grã-Bretanha global’ – lembram-se desse slogan? Era isso que eles queriam dizer. Uma política sem apoio e que depois fingiram que não estava a acontecer. E agora querem esquecer tudo com um simples ‘enganámo-nos’. Bem, isso é imperdoável”.

De facto, durante a campanha para o referendo do Brexit, o ex-primeiro-ministro Boris Johnson prometeu “retomar o controlo” das fronteiras do Reino Unido. E o escrutínio foi ganho pelas forças que queriam sair da União Europeia precisamente por esse motivo. No entanto, depois de ganhar o referendo e de chegar ao poder, Johnson implementou um sistema de pontos ilimitados, que potenciou a migração em massa.

O seu sucessor, Rishi Sunak, também prometeu estancar a imigração. Com o mesmo grau de insucesso.

Mas a ironia de um trabalhista como Starmer fazer a crítica da imigração descontrolada não pode passar pelos intervalos da chuva.

O anterior governo trabalhista de Gordon Brown também aumentou a imigração líquida para cerca de um quarto de milhão por ano, com os conservadores a impedirem a reeleição do executivo de esquerda com a promessa – repetidamente quebrada – de reduzir o fluxo anual “de centenas de milhares para dezenas de milhares”.

No entanto, o aumento pós-pandémico para as altas centenas de milhar sob Johnson e Sunak não têm de facto precedentes.

Nomeadamente, todos os migrantes que chegaram durante o reinado de Boris são elegíveis para uma licença indefinida para permanecer na Grã-Bretanha após apenas cinco anos de estadia no país, um estatuto que concede direitos de migração em cadeia que se aos membros das famílias dos imigrantes.

Mas até agora, Starmer tem ignorado os apelos para suspender a licença indefinida de permanência, olvidando na práctica, que não na retórica, as estatísticas do ONS. E os seus comentários, se bem que assertivos, não passam de um exercício escandaloso de demagogia, já que nada fez para estancar o fluxo migrante desde que chegou ao nº 10 de Downing Street, reprimindo até agressivamente os cidadãos que protestaram contra as políticas de imigração que as elites dirigentes têm sustentado nas últimas décadas.

 


No Reino Unido dos anos 60 do século XX, a imigração de apenas 50.000 pessoas por ano era considerada indesejável. Num famoso discurso proferido em 1968, o falecido legislador conservador Enoch Powell afirmava:

“Aqueles que os deuses querem destruir, primeiro enlouquecem. Devemos estar loucos, literalmente loucos, como nação, para permitir o influxo anual de cerca de 50.000 dependentes, que são, na sua maioria, o material do futuro crescimento da população descendente de imigrantes. É como ver uma nação ocupada em amontoar a sua própria pira funerária”.

Sábias palavras. Hoje esquecidas.